
Ruas menos movimentadas, diminuição na venda de drinques e destilados e medo. Esse é o cenário relatado por empresários do setor de bares, conveniências e estabelecimentos de bebidas alcóolicas em Porto Alegre após o registro de quase 30 casos de intoxicação por metanol no país.
Zero Hora circulou por diferentes bairros da Capital na noite de quinta-feira (9) e encontrou relatos similares: o perfil de consumo de bebidas alcóolicas mudou em Porto Alegre. O cliente agora busca por cerveja e chope e se esquiva, quando tem opção, dos destilados.
— Eu amo destilado, mas vi que o risco de contaminação é maior, então simplesmente não consumo mais. Agora estou só na cervejinha, fechada, lacrada, de latinha — garantiu o advogado André Soares, 46 anos, que bebia com um amigo na frente de um estabelecimento da Rua Cabral, no bairro Rio Branco, na zona central de Porto Alegre.
Na mesma noite, um grupo de 10 amigos se reunia na Rua Miguel Tostes, também na zona central, para confraternizar a vinda do doutorando em filosofia Danrlei Lopes Souza, 30 anos, da Austrália. Na mesa festiva, apenas uma pessoa se arriscou a pegar um drink — porque já conhecia e confiava no estabelecimento escolhido para o encontro.
— Se eu estivesse em São Paulo, eu estaria um pouco mais assustado, um pouco mais receoso de sair pra beber. Os números aqui no Rio Grande do Sul não são preocupantes, mas por enquanto, eu tenho focado um pouco mais na cerveja — brincou o pesquisador, que estuda na Universidade de Wollongong no país da Oceania.
Para a geógrafa Isabela Mello, 31 anos, o atual desconhecimento do que causou a onda de intoxicações pelo país é o que mais causa apreensão.
— É preocupante porque não sabemos a origem dessas bebidas, não sabemos de onde estão vindo, onde estão sendo adulteradas e se já chegaram em Porto Alegre. Então, um momento que era para ser de descontração acaba gerando estranheza, nervosismo. A gente fica com medo de ter alguma coisa na bebida, dela ser adulterada, de alguém se sentir mal e ter que ir correndo para o atendimento médico — analisou.
Comerciantes calculam prejuízos
Apesar de associações e sindicatos do setor de bebidas e alimentos — como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha) — relatarem ainda não haver dados consolidados sobre o impacto do metanol no setor, comerciantes contatados por Zero Hora dizem já sentir sinais.
Nas últimas duas semanas, por exemplo, Joal Antônio da Silva, 57 anos, que é proprietário do bar Janela, no bairro Cidade Baixa, viu o público cair quase pela metade, assim como uma baixa de cerca de 80% na venda de bebidas destiladas.
— A diminuição de consumo foi bem drástica, a ponto de a gente vender somente em torno de 20 a 25% do que normalmente a gente vende de drinques em uma sexta e um sábado. O pessoal realmente, em função de todas as notícias que saíram, ficou com o pé atrás e diminuiu o consumo. O público também caiu. Normalmente, na sexta e no sábado, o bar fica lotado, com fila para compra dos drinques. No último final de semana, a gente notou uma calmaria — analisou.

O impacto dessas mudanças na receita ainda é contabilizado, mas o empreendedor acredita que causará transtornos no fechamento do mês, já que os drinques autorais são carros-chefes do negócio.
No bar Sul Beer, na Rua Joaquim Nabuco, por outro lado, a diminuição de aproximadamente 40% na venda de destilados impulsionou a compra de cervejas e chopes, cerca de duas semanas para cá.
— Antes a preferência era de drinques, agora é de cerveja, que aumentou a venda nos últimos 15 dias. Então, dá para ver que o pessoal tá preferindo pela questão do metanol — conta Eduardo Verçosa, 19 anos, gerente do estabelecimento.
Estratégias
Para enfrentar a desconfiança, as empresas relatam que estão tentando passar maior credibilidade aos clientes, mostrando as garrafas e, quando necessário, as notas fiscais de compra das bebidas.
— Muitos chegam aqui brincando: "Aqui não tem metanol, né? Não vou ficar cego? No final, a gente ouve a brincadeira e entende que é preocupação. O que tentamos fazer é falar da procedência do produto. Quando pedem, a gente mostra as garrafas, os selos. Nas nossas mídias sociais, a gente também está colocando quais são os fabricantes que fornecem os destilados. Ou seja, queremos tranquilizá-los — afirma o proprietário do bar Janela.

Para ajudar os empresários, a Abrasel disponibilizou em todo o Brasil um treinamento em conjunto com a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) e a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). As aulas, gratuitas e pela internet, dão orientações práticas de como identificar bebidas falsificadas.
Dez mil pessoas participaram dos dois primeiros dias de atividades. Com duração de cerca de uma hora, o treinamento é oferecido diariamente às 10h e às 15h. Interessados podem buscar mais detalhes pelo Instagram da Abrasel. Entre os ensinamentos estão a atenção para o estado das garrafas e rótulos, além da orientação para desconfiar de qualquer alteração.


