
Outubro é o mês de conscientização sobre a dislexia, transtorno que dificulta habilidades como leitura, escrita e linguagem. Os sintomas podem incluir a necessidade de ler um texto repetidas vezes para compreendê-lo e confundir números de telefone. Não é uma doença, mas uma condição neurológica. Embora não tenha cura, há formas de tratamento.
O diagnóstico de dislexia não significa um atestado de incapacidade, asseguram especialistas. Figuras como Leonardo da Vinci, Albert Einstein e Charles Darwin viveram com essa circunstância. Na atualidade, o diretor de cinema Steven Spielberg e o ator Tom Cruise são outros exemplos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 5% e 10% da população mundial sofra desse transtorno, porcentagem também verificada entre os brasileiros, segundo a Associação Brasileira de Dislexia (ABD). A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES) afirma que não há dados oficiais sobre o número de pessoas com dislexia no Estado.
Nesta reportagem:
"O adulto chega abaladíssimo"
A presidente da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), Maria Ângela Nogueira Nico, diz que a maioria das pessoas que buscam diagnóstico não é disléxica. O motivo é que a condição se confunde com outros transtornos.
— A pessoa mais velha que a gente recebeu tinha 72 anos. Chegou aqui e disse: "Quero morrer, mas quero saber o que eu tenho. Possuo as dificuldades e todos os sintomas, mas eu sou inteligente?". E a maioria é muito inteligente — ilustra a especialista em Avaliação e Intervenção em Transtornos de Aprendizagem/Dislexia.
Com sede em São Paulo, a ABD existe há 42 anos. As principais lutas envolvem a inserção dos adultos disléxicos no mercado de trabalho, nas escolas e nas universidades. Os resultados bem-sucedidos também passam pela capacitação de professores para que saibam identificar e lidar com alunos nessa situação.
— Muitos adultos ainda não sabem (que são disléxicos), então é um médico ou psicóloga que fala. Quando o adolescente adulto chega para fazer a avaliação, já vem com um sintoma psicológico, que não faz parte da dislexia. O adulto chega abaladíssimo — relata Maria Ângela.
O tratamento pode envolver o acompanhamento de profissionais de áreas como psicologia, neuropsicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia e pedagogia. Não é necessário o uso de medicamentos. Porém, caso o disléxico tenha alguma comorbidade, como transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou discalculia (deficiência específica de aprendizagem com comprometimento em matemática), pode ser preciso.
Você tem dislexia? Faça o teste
Os pesquisadores Fran Levin Bowman e Vincent Culotta elaboraram um teste para ajudar pessoas que acreditam ter o transtorno.
A ferramenta não deve ser vista como um diagnóstico definitivo e não substitui consulta com um especialista. Faça o teste abaixo.
Objetivo é se tornar um adulto funcional
O neurologista e neurofisiologista Matheus Bernardon Morillos, do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, explica que a pessoa com dislexia "tem uma pré-disposição genética que talvez seja o principal fator relacionado":
— Tem normalmente uma rede neural que dificulta a interpretação da leitura. É uma condição que vem desde a primeira infância.
A pediatra e neurologista infantil Mariana Menegon de Souza, do Hospital Moinhos de Vento, explica que, embora os sintomas comecem cedo, é comum diagnósticos serem realizados na vida adulta porque "as diferenças do adulto com dislexia ficam mais discrepantes".
— Algumas pessoas têm mais dificuldade na linguagem falada. Para esses, a indicação é o acompanhamento de fonoaudiólogo — orienta a médica. — Outros pacientes têm dificuldades na linguagem escrita. Neste caso, o atendimento ideal seria o psicopedagógico. E ambos precisam de apoio psicológico, porque muitos têm sintomas de baixa autoestima.
No caso das crianças, observa ela, a atenção da família pode ser determinante:
— É importante que o pai e a mãe que percebem a dificuldade escolar do filho busquem alguém especializado para entender essa condição e realizar as intervenções o quanto antes. O objetivo é se tornar um adulto funcional.
"Tenho que estar sempre focada"

Natural de Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo, e atualmente vivendo em Brasília, a assessora parlamentar Maria Eugênia Braga Ianhez, 57 anos, descobriu a condição aos 27 anos.
Quando era criança, ela suspeitava que havia algo errado e chegou a se questionar se possuía alguma deficiência intelectual ou problema maior. As dificuldades envolviam a escrita e a memória. Lembrar o nome das pessoas era quase impossível.
— Se hoje acontece de termos diagnósticos tardios por falta de informação, há 40 anos era muito difícil — compara. — Minha mãe me levou a oftalmologista e neurologista. Eu pedi oculista, achava que meu problema era esse.
Maria Eugênia foi reprovada em mais de uma ocasião e passava os recreios na sala de aula para tentar entender o que estava sendo ensinado pelos professores.
— Me acostumei a passar raspando, a ter alguma repetência. Era expert em colar. Fui criando estratégias para ir driblando a dislexia. Quando entrei na faculdade, assumi isso (a condição de ser disléxica) de uma forma mais clara — recorda.
O que a auxiliou na interpretação dos textos durante a vida escolar foi a coleção de livros Para Gostar de Ler (com crônicas leves destinadas aos alunos do Ensino Fundamental e Médio), que trazia questões para o leitor responder.
Após voltar de Portugal, onde cursou Comunicação Social na Universidade Nova de Lisboa, ela foi fazer voluntariado na Associação Brasileira de Dislexia. Foi quando se submeteu a um teste e teve a confirmação do transtorno de grau leve.
Não precisou fazer nenhum tipo de acompanhamento. Porém, hoje sente falta de não ter realizado terapia. Conforme a jornalista, a mãe nunca deixou a condição afetar a sua autoestima.
— Adoro fazer palavras-cruzadas e sudoku. Isso me ajudou demais — lembra. — A dislexia continua presente e dando trabalho. Tenho que estar sempre focada, alerta e atenta três vezes mais do que qualquer pessoa.
"Você tem que aceitar. Depois, fica mais fácil"

A estudante universitária Fernanda Boccoli Lopes, 26, que vive em São Paulo, descobriu a dislexia em 2006. Na época, uma coordenadora da escola onde estudava suspeitou de sintomas, entrou em contato com a família e orientou para que a levassem à ABD. A mãe e os irmãos também foram diagnosticados.
Fernanda recorda que tinha dificuldades no colégio com tudo relacionado ao processo de aprendizagem, desde números até interpretação de texto. Segundo ela, materiais escritos ainda hoje são difíceis, mas não impossíveis.
Após o diagnóstico de dislexia de grau severo, começou a fazer tratamento e passou por profissionais de psicopedagogia, psicologia e fonoaudiologia. Dedicou-se e teve alta já adulta, com 20 anos. Hoje, não precisa mais de acompanhamentos.
— Levo a vida tranquilamente. Passei na Olimpíada Brasileira de Física, onde fui até a terceira fase. Faço duas faculdades. Estou terminando Pedagogia e curso Análise e Desenvolvimento de Sistemas também. Falo francês fluente. Tenho certificado pela Aliança Francesa — orgulha-se a estudante.
Fernanda tem conselhos para quem recebeu recentemente o diagnóstico de dislexia:
— Você tem que aceitar. Depois, fica mais leve e não vira um fardo. Se fizer as terapias de acordo com o diagnóstico, você se desenvolve. Hoje, me vejo como uma máquina. Tenho uma ou outra dificuldade, mas nada que me limite.
Quais são os tipos de dislexia?
A dislexia pode ser adquirida (também chamada de afasia), quando ocorre lesão no lado esquerdo do cérebro, ou por desenvolvimento (conhecida ainda como evolutiva), quando a pessoa nasce e morre com o transtorno. Os subtipos são:
- Disfonética (dificuldades no processamento fonológico)
- Diseidética (déficits na percepção visual e na análise de fonemas)
- Mista (dificuldades auditivas e visuais ao mesmo tempo)
- Auditiva (carência de percepção dos sons)
- Visual (dificuldade em diferenciar os lados direito e esquerdo)
A dislexia tem três graus: leve, moderado e severo. De acordo com a ABD, a grande parte dos casos diagnosticados é moderada.
Quais são os sintomas de dislexia na fase adulta?
Conforme a ABD:
- Longo tempo para ler um texto ou livro
- Pular os finais das palavras durante a leitura
- Dificuldade em pensar o que escrever
- Dificuldade em fazer anotações
- Dificuldade em seguir orientações
- Dificuldade no cálculo mental
- Dificuldade de compreensão de texto
- Necessidade de reler o mesmo texto repetidas vezes
- Confundir números de telefone
- Dificuldade de organização do tempo e atividades
Onde procurar auxílio
Conforme a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES), quem sofre de dislexia pode procurar auxílio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). A pessoa passará por triagem e encaminhamento para profissionais de saúde mental ou educação, como psicólogo, fonoaudiólogo e psicopedagogo.
Em nota, a pasta orienta: "A intervenção precoce é considerada melhor, principalmente durante o processo de alfabetização. As terapias envolvem suporte psicopedagógico, intervenção em leitura e escrita, tecnologias de apoio, adaptações escolares. Os sintomas aparecem normalmente nos primeiros anos escolares".
Consultado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirma, em nota, que "o SUS oferece atendimento multiprofissional, desde a atenção primária até a atenção especializada, conforme a necessidade de cada caso e a recomendação médica".
A partir de procedimentos ambulatoriais informados pelos gestores estaduais e municipais, o Ministério informa que "foram registrados 198 atendimentos relacionados à dislexia e à alexia em 2024, e 65 registros entre janeiro e julho de 2025".


