
A fila por um transplante de órgãos no Rio Grande do Sul revela um cenário preocupante para quem depende do procedimento para seguir vivendo. Atualmente, quase 3 mil pacientes aguardam por uma doação compatível.
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES), contabilizados até o dia 19 de setembro, 2.914 pessoas aguardam por um transplante no Estado. O levantamento aponta que 51% esperam por um rim — 1.486 pacientes.
Dos que estão na fila, 39,6% precisam de córneas, 5,9% fígados, 2,9% pulmões e 0,52% de corações. De janeiro a setembro deste ano, 1.281 transplantes foram realizados no Rio Grande do Sul.
O tamanho da fila é considerado elevado. De acordo com coordenador adjunto da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul, James Cassiano, uma das principais causas da longa espera de quem precisa de órgãos é a negativa das famílias de potenciais doadores.
— Na mesma proporção que diminuímos a lista, ela vai aumentando porque novas pessoas são inseridas. Isso nos alegra porque representa que mais pacientes estão tendo acesso ao sistema. Mas, a negativa familiar é muito grande. Para mudar o cenário é necessário falar abertamente sobre a vontade de ser um doador de órgãos — explicou.
Para o diretor médico da Santa Casa de Porto Alegre, Antonio Kalil, o tamanho da fila é preocupante, já que muitos pacientes acabam morrendo à espera de um órgão. Kalil também cita a recusa familiar como um dos motivos que dificultam o avanço:
— São coisas que não ficaram bem claras em vida e na hora de decidir os parentes recusam a doação. Aqui no Rio Grande do Sul o índice de negativa para a doação é de 47%. Uma pessoa pode doar oito órgãos, além da pele, ossos e tendões.
A Santa Casa de Porto Alegre tem um hospital específico para os procedimentos. O Dom Vicente Scherer é referência internacional para o transplante de órgãos e tecidos. A Organização de Procura de Órgãos (OPO) é o setor responsável pela busca e retirada em diversos hospitais e municípios gaúchos.
De acordo com Antonio Kalil, a Organização possui um índice de recusa em 34%, menor do que a média no Estado:
— Isso mostra o quanto investimos e valorizamos a doação de órgãos. O processo é feito com auxílio uma grande equipe, incluindo assistente social, enfermeiros, psicólogos e médicos.
A lista de espera é dinâmica e pode mudar de um dia para o outro. Não há uma definição de quando o transplante irá se concretizar. Para tornar o processo mais claro, o Ministério da Saúde divide os pacientes que aguardam o procedimento em ativos e semiativos. Eles são inscritos na lista de espera do Sistema Nacional de Transplante (SNT). A estrutura busca regulamentar e fiscalizar os procedimentos, especificando também as características do doador que podem ser aceitas para o paciente.
Ativos são pacientes aptos a receber os órgãos ou tecidos a qualquer momento. Eles apresentam condições clínicas necessárias e podem ser chamados a qualquer momento para a cirurgia. Já a lista de semiativos reúne pessoas que ainda não podem passar pelo procedimento, mas permanecem registradas na fila até estarem prontas.
Espera por um rim há mais de 500 dias

Na fila de pacientes ativos para receber um rim, o morador de Viamão, Carlos Alexandre de Lima Bitencourt, 45 anos, se desloca três vezes na semana até a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. É lá que ele realiza a hemodiálise e as consultas, até que chegue o momento do transplante.
Bitencourt nasceu apenas com um rim, mas só ficou sabendo aos 32 anos. Aos 38, o órgão parou de funcionar e foi necessário iniciar a jornada para o transplante. Essa é a segunda vez que o eletricista entra na fila.
Em 2021, ele passou pelo procedimento. Mas alguns meses depois contraiu covid-19, o que debilitou o rim transplantado. Bitencourt chegou a ser internado na UTI da Santa Casa e se recuperou. Foi em abril de 2024, após exames, que o médico avisou que o órgão estava em falência.
Conectado por quatro horas, três vezes por semana, à máquina que filtra o sangue e ajuda a manter o equilíbrio de substâncias no corpo, o eletricista conta que teve de adaptar a vida e a rotina para continuar o tratamento. Por causa de alguns sintomas, foi necessário deixar o emprego.
— A gente tem que ir levando a vida como dá. Já entendi que não posso mais trabalhar e nem fazer algumas atividades que eu gostava. Precisei mudar a alimentação, e a parte mais difícil é poder ingerir apenas 800 ml de água por dia.
Quando questionado sobre o sentimento de estar novamente na fila, ele afirma ter esperança pelo novo transplante:
— Eu sei que posso ficar na fila por dois ou 10 anos, mas tenho muita esperança de que vai chegar novamente a oportunidade. A fila por transplante não tem preferência, mas tenho sorte de fazer hemodiálise e continuar vivendo.
A viagem por um novo pulmão

Natural de Minas Gerais, Vitória Dandara Dutra Barbosa, 20 anos, deixou a terra natal e se mudou em 2022 para Porto Alegre. A viagem aconteceu porque a jovem precisava de um transplante bilateral de pulmão. A Santa Casa da Capital gaúcha é a referência para o procedimento.
Com os pulmões debilitados, aos 18 anos a jovem passou a usar oxigênio 24 horas por dia. Fazer atividades básicas, como tomar banho, se tornou uma dificuldade, devido ao cansaço. Foi neste momento que decidiu vir à Porto Alegre, onde passou a ser acompanhada pela equipe médica da Santa Casa. No dia 22 de dezembro de 2022, Vitória foi inserida no Sistema Nacional de Transplante (SNT).
— Houve momentos em que achei que iria morrer sem ter feito o transplante. Que não iria conseguir esperar. Ficava ansiosa, abalada por não estar aproveitando a vida e minha família. Mas, minha mãe nunca me deixou desistir — conta a mineira.
No dia 20 de maio de 2025, por volta das 5h, a jovem recebeu a ligação que mudaria sua vida. Dois novos pulmões eram compatíveis com seu corpo. A cirurgia foi realizada com sucesso e, há quatro meses, Vitória pôde voltar a ter uma vida praticamente normal e a fazer planos.
— É muita emoção. Sou muito feliz agora. Ver meus pulmões nas imagens em perfeito estado, poder respirar bem e voltar a ter uma vida normal. Eu quero estudar e, se for possível, retornar para Minas Gerais, onde está minha família — afirma.
Atualmente, a jovem realiza acompanhamento mensal com equipe médica e faz uso de medicamentos diariamente. A rotina hospitalar continuará a fazer parte da vida, mas se tornará mais leve.
— Quem doa um órgão, não muda só a vida de uma pessoa, mas sim de toda a família. Hoje sinto que minha esperança foi renovada — diz Vitória, emocionada.
Setembro de conscientização
Em 27 de setembro, é lembrado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. A data, prevista em lei, busca conscientizar e incentivar os transplantes.
Para marcar o Setembro Verde, mês de conscientização sobre o tema, o governo do Estado realiza no sábado (27) a caminhada O Amor Vive. A atividade começa às 8h, na orla do Guaíba, em Porto Alegre. O percurso parte da Usina do Gasômetro e vai até a Rótula das Cuias, com retorno à Praça da Usina. Para participar, não é necessária inscrição prévia.
Em Porto Alegre, o Hospital de Pronto Socorro estará presente no Parque da Redenção, das 9h ao meio-dia, com uma ação de conscientização. O evento contará com a parceria do 9° Tabelionato de Notas da Capital, que oferecerá a possibilidade de declarar formalmente a vontade de ser doador por meio da Escritura Pública Declaratória de Órgãos e Tecidos, de forma gratuita.
Conforme a Secretaria de Saúde de Porto Alegre, em 2025 o HPS teve 12 doadores efetivos e 21 notificações de possíveis doadores.

