
No mesmo momento em que os gaúchos vivem os efeitos das mudanças do clima, os impactos das catástrofes climáticas na saúde mental de jovens e adultos foram discutidos por especialistas no Brain Congress – Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, em Fortaleza (CE). O painel ocorreu nesta quinta-feira (19).
No caso das crianças e adolescentes, há impactos significativos, conforme Laiana Quagliato, professora de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Quando um evento estressante ocorre no período do desenvolvimento, há prejuízos na aquisição de habilidades, sendo fator de risco para quadros psicopatológicos futuros.
— Desastres climáticos vão trazer perda de vidas, de entes queridos, de bens materiais. Muitas vezes, os indivíduos vão ter de migrar para outras regiões devido ao desastre climático. Além disso, dependendo da magnitude do desastre, vai ter uma dificuldade muito grande do indivíduo ter acesso à água, à alimentação. Então, tudo isso por si só causaria uma vulnerabilidade social muito grande nos indivíduos daquela área geográfica e seria um fator de risco importante para transtornos mentais na infância e na adolescência — expôs.
Poucos estudos abordam a relação entre clima e saúde mental no público infanto-juvenil, conforme a especialista. Alguns evidenciam que há associação de alguns transtornos mentais na infância e adolescência com eventos climáticos agudos.
Os eventos afetam os jovens de maneiras distintas, com o transtorno de estresse agudo e a ansiedade predominando em desastres rápidos, como enchentes, e a depressão em mudanças climáticas mais lentas. Nem todas as crianças, porém, desenvolverão transtorno mental.
Desastres climáticos vão trazer perda de vidas, de entes queridos, de bens materiais. Muitas vezes, os indivíduos vão ter de migrar para outras regiões devido ao desastre climático.
LAIANA QUAGLIATO
Professora da UFRJ
A prevalência é variável e depende da intensidade e magnitude do desastre e da fase de neurodesenvolvimento. Além disso, as catástrofes, muitas vezes, afastam crianças do ambiente escolar, o que dificulta a socialização – fator de risco para doenças mentais.
As estratégias de enfrentamento dos jovens variam entre foco no problema, na busca de significado ou na negação, conforme a professora. Laiana defendeu a necessidade de pesquisas em países em desenvolvimento e de estratégias para aumentar a resiliência e ajudar na adaptação dos jovens.
Ondas de calor
As catástrofes têm impactos na saúde física e mental, bem como econômicos, sociais, de bem-estar e na infraestrutura, acrescentou Thiago Roza, psiquiatra e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
No caso das ondas de calor, trata-se de um fenômeno desigual em termos de impactos nas populações, com países do sul global recebendo efeitos mais intensos, assim como populações que vivem em climas tropicais e subtropicais, conforme o médico. Os grupos mais vulneráveis são idosos, crianças, atletas, pessoas com doenças crônicas, trabalhadores braçais e mulheres grávidas.
Alguns sintomas de saúde mental pioram com ondas de calor, segundo o psiquiatra. Os desfechos incluem:
- irritabilidade
- dificuldades de concentração e produtividade
- impulsividade
- sintomas de depressão e ansiedade
- gatilho para episódios agudos de psicose e mania
As ondas de calor também têm associação com a piora de sintomas pré-existentes em pacientes com transtornos mentais, como ansiedade e depressão, comportamentos autolesivos, comportamentos violentos e outros problemas de saúde. Estudos mostram que, nos Estados Unidos, houve aumento de 8% a 11% nos atendimentos de saúde mental em dias quentes.
O psiquiatra apontou a possível existência de uma variante da depressão sazonal associada a temperaturas muito elevadas, e lembrou da ecoansiedade, que acomete mais os jovens.
— Isso também não pode nos paralisar em termos de planos de vida e objetivos futuros. Muitas dessas populações sofrem com isso e têm sentido um impacto muito relevante a ponto de desistirem de planos de construir uma família, ter filhos, terminar a faculdade. Para que fazer tudo isso, um paciente disse, se o mundo vai acabar e a inteligência artificial vai roubar nossos empregos? Mas a solução também não é fazer nada, não funciona. Sabemos que tem de balancear isso tudo, ter consciência mental, mas, ao mesmo tempo, viver nossa vida com intenção e com paixão — destacou.
Frente à nova realidade, Roza defendeu a adoção de um caráter preventivo. As intervenções sugeridas pelo psiquiatra para mitigar os impactos das ondas de calor na saúde mental incluem, em nível individual, aconselhamento psicológico e reavaliação de psicofármacos que podem alterar mecanismos que regulam o calor do corpo, além de soluções de baixo custo para climatização residencial.
Em termos de infraestrutura urbana, o especialista propôs o plantio de árvores, a melhoria do planejamento das cidades, telhados verdes ou brancos e sacadas com vegetação. No âmbito governamental, Roza destacou a necessidade de planejamento preventivo para crises climáticas, a consideração de migrações climáticas em casos de inabitabilidade de regiões e, sobretudo, ações governamentais consistentes.
*A repórter viajou a convite do Congress on Brain, Behavior and Emotions 2025