
Professora emérita de Psicologia e pesquisadora do Healthy Workplaces Center da University of California, Berkeley, Christina Maslach é reconhecida pelo pioneirismo no estudo do burnout. É autora de livros sobre o tema e foi nomeada pelo Business Insider como uma das cem pessoas mais influentes que estão transformando negócios.
Christina participa remotamente do 25º Congresso de Stress da International Stress Management Association (Isma-BR), realizado entre terça (24) e quinta-feira (26), em Porto Alegre.
Em entrevista online concedida a Zero Hora, a pesquisadora discutiu o aumento de registros de burnout, as características que definem o fenômeno ocupacional – que não é doença, como destaca – capaz de gerar possíveis implicações para a saúde e o que as empresas precisam entender e mudar em suas operações.
Confira a entrevista:
Você foi uma das pioneiras na pesquisa sobre burnout e ajudou a desenvolver a ferramenta padrão de avaliação, o Inventário de Burnout de Maslach. O que você observa hoje? Estamos enfrentando uma "epidemia" de burnout?
Essa é uma pergunta difícil, porque as pessoas pegaram o termo burnout e o usaram para significar outras coisas. Então, se você tem todas essas coisas, 80% das pessoas estão com burnout. Não sei como avaliaram isso, mas provavelmente é: você se sente esgotado? E as pessoas estão dizendo sim.
Isso tem sido aplicado a outras coisas como burnout conjugal, burnout da crise da meia-idade. Originalmente, o termo era usado para definir uma resposta de estresse ao trabalho, estressores crônicos do trabalho, e, em particular, eu estava observando que em certos tipos de ocupações, que eram mais centradas no cliente, no paciente e no público, como pessoas na área da saúde, professores, assistentes sociais, policiais. Mas isso foi estendido e aplicado a outras ocupações também.
Originalmente, o termo era usado para definir uma resposta de estresse ao trabalho.
CHRISTINA MASLACH
Todo mundo está dizendo: deixe-me usar burnout para significar qualquer coisa. É aí que está o problema. Então, epidemia, isso provavelmente é exagerado, quanto à sua magnitude. Mas, tem havido mais pessoas sofrendo de burnout no trabalho em resposta a esses estressores crônicos? Sim, particularmente em certos tipos de empregos. Eu diria que a área da saúde é provavelmente o melhor exemplo disso. Estamos vendo uma resposta maior das pessoas em relação a esses estressores no trabalho.
Mas o outro problema é que as pessoas continuam se concentrando no que está acontecendo com a pessoa individualmente, como as pessoas estão lidando com isso. E, então, tudo tem a ver com resiliência e com você ter de ser mais forte e trabalhar mais duro. E é seu problema. Você precisa simplesmente melhorar seu jogo, e é assim que vai lidar com o burnout.
Ou que ele está enraizado em seus problemas e traumas pessoais ou algo assim. O que nossa pesquisa vem mostrando há décadas, e a de outras pessoas, é que também é preciso analisar o que está causando isso, não quem está sofrendo com o burnout, mas por que está sofrendo.
Então, você está respondendo a esses estressores, é uma resposta ao estresse, o que não é uma patologia. A resposta ao estresse é, na verdade, o que nos permite viver, mas precisamos nos recuperar disso. Não fomos feitos para viver sob alto estresse o tempo todo. Isso afeta nossa saúde física e mental. Citando a Organização Mundial da Saúde agora, é uma resposta aos estressores crônicos no trabalho que não foram gerenciados com sucesso.
O que nossa pesquisa vem mostrando há décadas, e a de outras pessoas, é que também é preciso analisar o que está causando isso, não quem está sofrendo com o burnout, mas por que está sofrendo.
CHRISTINA MASLACH
O que levou a esse aumento coletivo de burnout?
Coletivamente, há muitos fatores que podem contribuir para tornar o trabalho mais estressante. O que estamos vendo em muitos lugares é a falta de pessoal. Não podemos contratar mais pessoas. Então, você vai ter de trabalhar mais e vai ter uma carga maior.
Além disso, em alguns casos, você está trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana. Você não necessariamente é pago por isso ao longo do tempo. Ou isso atrapalha sua vida familiar, com amigos, porque você pode ter de trabalhar não 40 horas por semana, mas muito mais no fim de semana.
Mas onde está o feedback? Onde estão os elogios? Isso não acontece. Você não tem controle sobre o trabalho que faz, ou tem menos controle. Você faz o que as pessoas mandam, nunca faz parte da discussão. Nós identificamos áreas: controle de carga de trabalho, feedback positivo e reconhecimento, relacionamento com colegas, justiça e valores, como categorias desse ambiente e como isso impacta as pessoas como sendo os principais impulsionadores do burnout.
Você faz o que as pessoas mandam, nunca faz parte da discussão.
CHRISTINA MASLACH
Se as pessoas têm uma pontuação alta em burnout, sua avaliação dessas áreas é muito negativa. Mas se você observar pessoas engajadas, que só ocasionalmente têm esses problemas de estresse ou algo assim, elas têm uma visão muito mais positiva do ambiente de trabalho em todas essas áreas.
Como o burnout é avaliado?
O que os dados sempre faziam era dividir em três áreas diferentes e inter-relacionadas. Um desses componentes é o que chamávamos de exaustão, que é basicamente o estado final de vivenciar o estresse. A resposta do estresse aos estressores é que, depois de um tempo, você está cansado disso, não consegue mais. Você não consegue pensar direito. Está fisicamente exausto. Não consegue dormir bem.
O segundo componente e, para mim, essa é realmente a marca registrada do burnout, é que o comportamento das pessoas começa a mudar, de tentar fazer o melhor para fazer o mínimo necessário. Se você está sobrecarregado e estressado, e há muita coisa que você não consegue nem terminar até o final do dia de trabalho, você reduz. Você faz menos perguntas, não gasta tanto tempo.
O que realmente causa esgotamento é que você começa a ter uma visão ruim de como as pessoas estão administrando este lugar.
CHRISTINA MASLACH
É o que chamamos de cinismo. É uma espécie de distanciamento negativo e hostil do local de trabalho. Mas o que realmente causa esgotamento é que você começa a ter uma visão ruim de como as pessoas estão administrando este lugar. O trabalho não é tão bom quanto dizem. (...)
Você começa a perder a empatia, aquele calor interpessoal, a qualidade, a educação e o respeito que você usaria ao lidar com seu cliente, aluno, paciente. Houve outras pesquisas que mostraram que os erros são mais prováveis quando as pessoas estão nesse tipo de cinismo de burnout.
O terceiro componente é que não é apenas você se sentindo negativo em relação ao trabalho e estressado, mas você começar a se sentir negativo sobre si mesmo: "O que há de errado comigo? Por que não consigo fazer esse tipo de coisa? Não tenho orgulho de como tratei as pessoas. Por que não consigo lidar com isso? Talvez este seja o lugar errado para mim".
Se você tem todos os três, isso é realmente o que vemos como burnout. Você perdeu a paixão, o interesse, a capacidade de se sair bem. E não está claro como você melhora nisso ou se precisa parar, ir embora e ir para outro lugar. Infelizmente, com as pessoas expandindo o burnout para tudo, ele assumiu esse significado de estar cansado e exausto, muito trabalho.
E isso certamente vem aumentando há décadas, as horas de trabalho, as demandas do trabalho, mas não é só isso. Se as pessoas têm problemas com a carga de trabalho, mas ainda gostam do trabalho, acham que é um bom lugar para trabalhar e ainda se sentem bem com o que fazem, elas não estão com burnout, estão sobrecarregadas, estão sendo pressionadas demais. E a solução geralmente é focar na carga de trabalho, como mudamos.
É algo que está errado em meu relacionamento com o trabalho. E a medida avalia essas dimensões com base na frequência que você se sente assim. Se está aumentando mensalmente, semanalmente, se está se tornando mais crônico, faz parte do ambiente diário. A medida de pesquisa também está sendo usada por pessoas, ou versões dela, como um diagnóstico clínico, o que infelizmente é incorreto. Nunca foi definido como uma doença clínica, como uma doença mental.
Você ressalta que o burnout deve ser encarado do ponto de vista coletivo, e não individual. Como melhorar o cenário atual?
Há uma pequena nota otimista aí, você poderia fazer um trabalho melhor no gerenciamento dos estressores. Todos poderiam. O local de trabalho, os gerentes, os CEOs, os trabalhadores e os sindicatos tentam descobrir como podemos gerenciar melhor os estressores para que sejam eliminados ou reduzidos em tamanho, intensidade e frequência, que tenhamos melhores pausas e recuperação.
Mas o importante é que precisamos nos concentrar em prevenir o burnout em primeiro lugar e não apenas dizer: “O local de trabalho é o que é. É estressante. Acostume-se com isso”. Está piorando e mais pessoas estão tendo problemas. Às vezes, quando você está sendo tão pressionado, você não tem sono extra. Você está se tornando um sedentário e não quer lidar com ninguém, nada.
Nós realmente temos de olhar para a relação entre o trabalho e as pessoas e dizer: "Como podemos nos encaixar melhor? Como poderíamos nos livrar do que é estúpido, repetitivo, das coisas que não precisam ser feitas? Qual é o trabalho importante e como podemos melhor apoiar as pessoas que o fazem?"
Fazer as coisas para que possamos dizer: “Este é um trabalho com o qual eu posso lidar. Posso fazer bem, me sentir orgulhoso. Eu me dou bem com as pessoas”. Isso ameniza o estresse.
A saúde mental é frequentemente subestimada, especialmente no caso do burnout. O que os empregadores precisam entender quando se trata de burnout?
Criar condições mais saudáveis, favoráveis, para que o trabalho seja feito, será algo sobre o qual eles têm controle. Eles podem criar um ambiente melhor para as pessoas fazerem o que sabem fazer melhor. (...)
Muitas vezes, essa estratégia de enfrentamento é caracterizada como não funcionar: então, você não vem trabalhar. Você chega atrasado. Você sai mais cedo. Você tira férias. Você pede um emprego com menos horas. Você muda de emprego.
Acho que os locais de trabalho muitas vezes relutam em fazer mais do que dizer às pessoas que a culpa é delas.
CHRISTINA MASLACH
Se a melhor maneira de lidar com os estressores relacionados ao trabalho é não trabalhar, isso levanta a questão: o que está acontecendo com o trabalho? Por que esse é o problema? E as pessoas dizem: "Ah, vamos tirar uma semana inteira de folga. Fechar o negócio. O burnout vai acabar”.
Não, porque quando você volta de férias e volta às mesmas condições de trabalho que estão causando os estressores crônicos e você não os mudou ou alterou a maneira de lidar com eles, vai se esgotar novamente.
Acho que os locais de trabalho muitas vezes relutam em fazer mais do que dizer às pessoas que a culpa é delas e que você tem de ser consertado, porque isso significaria que você assume parte da culpa ou da responsabilidade de criar um ambiente mais saudável. (...)
Eu adoraria ver um check-up anual com as empresas: "Como estamos indo, considerando o que aconteceu no último ano, como está o nosso ambiente? O que estamos tentando fazer e como poderíamos melhorar? Podemos reformular algumas das solicitações? Mudar equipamentos? Podemos descobrir uma maneira diferente de programar horas para fazer X, Y ou Z?”. E fazer essas mudanças para melhorar o ambiente.
Isso envolve ouvir o que seus funcionários estão dizendo e dar a eles a oportunidade de expressar, sem ser rebaixados. Também envolve reconhecer de forma significativa quando as pessoas fazem algo especial. (...)
Como eles podem melhorá-lo em colaboração com os trabalhadores requer comunicação bilateral não apenas com indivíduos, mas com grupos, equipes, porque não é uma solução única para todos.