
Anunciado no final de maio, um programa federal que prevê a oferta de atendimento por especialistas pela iniciativa privada através do Sistema Único de Saúde (SUS) pretende reduzir a fila de espera para consultas, exames e cirurgias que chega a levar anos em algumas áreas.
Intitulada Agora Tem Especialistas, a iniciativa conta ainda com a ampliação da oferta em estabelecimentos públicos como os do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), de Porto Alegre.
Nas próximas semanas, o Ministério da Saúde deverá publicar portarias com diretrizes operacionais e critérios de regulamentação do programa.
A medida é vista como uma continuação do Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE), criado no ano passado, que também focava as áreas com o maior gargalo de atendimento: oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia.
Será previsto o credenciamento para a realização de mais de 1,3 mil cirurgias. A estimativa é de investimento de R$ 2 bilhões pelo governo federal somente nesse reforço.
Ampliação do atendimento
Além da adesão de instituições privadas com e sem fins lucrativos, foi ampliado o número de turnos de atendimento em 53 hospitais federais — quatro deles em Porto Alegre, pertencentes ao GHC.
Na segunda-feira passada (2), o Conceição, o Criança Conceição, o Cristo Redentor e o Fêmina já iniciaram a ampliação gradual de seu horário. Até agosto, consultas, exames diagnósticos e cirurgias eletivas serão oferecidos também das 19h à 1h, de segunda a sexta-feira, e aos sábados, das 7h às 19h.
Com a implantação do terceiro turno, o GHC estima realizar, em um ano, cerca de 14 mil cirurgias eletivas a mais, o que representa um aumento de 50% em relação a 2024, quando foram realizadas 28 mil cirurgias eletivas.
O programa também estabelece o aumento da oferta do serviço de telessaúde com o objetivo de reduzir em até 30% a fila de consultas para diagnóstico.
A iniciativa ainda prevê mutirões com o uso de carretas para levar o atendimento especializado a áreas remotas e territórios indígenas. Além disso, até 6,3 mil micro-ônibus, vans e ambulâncias serão adquiridos até outubro para levar pacientes a serviços especializados.
Encaminhamento via SUS
Mesmo quando o atendimento ocorrer em um hospital ou clínica privada, o encaminhamento se dará por meio do SUS. Por esse motivo, pouca coisa deve mudar para o usuário na prática, com exceção do tempo reduzido de espera por consulta especializada, exame ou cirurgia: o primeiro atendimento seguirá ocorrendo em unidades de saúde ou hospitais públicos, que encaminham, então, o paciente para a especialidade necessária. Nesse encaminhamento, constará onde será feita a consulta, o exame ou a cirurgia.
A digitalização é um dos componentes do programa. O GHC, por exemplo, implementou, no início de junho, o aplicativo GHC Digital, que disponibiliza em um só local todo o prontuário do paciente, resultado e imagens de exames e consultas médicas. Outra novidade é o envio de mensagens pelo WhatsApp sete dias antes da consulta, a fim de evitar faltas por esquecimento. Hoje, a média de ausência nos estabelecimentos do grupo é de 27%.

Iniciativa atende demanda
O Agora Tem Especialistas tem sido comemorado por entidades representativas do setor, que reivindicavam uma integração maior entre os serviços públicos e particulares.
Em nota, a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul) celebrou a publicação da medida provisória, que, no seu entendimento, busca sanar um "gargalo que historicamente prejudica a assistência em saúde" da população. No entendimento da entidade, a iniciativa "inova ao possibilitar o pagamento dos serviços pela troca de dívidas das instituições" e permite que os hospitais aproveitem horários que costumam ser ociosos no programa.
O momento ainda é de análise por parte de muitos órgãos e entidades quanto à forma como serão os fluxos de atendimento e encaminhamento, mas a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (SES), por exemplo, vê a proposta com bons olhos e pretende aderir.
O Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre (Sindihospa) afirmou, em nota, que considera importante "que haja medidas para ampliar o acesso dos pacientes a serviços especializados" e que ainda avalia "o alcance e o impacto dessa iniciativa". Já a Federação das Santas Casas e Hospitais Sem Fins Lucrativos do RS (FederaçãoRS) preferiu ainda não se manifestar.
Modelo de financiamento
A Confederação Nacional de Municípios (CNM), por sua vez, emitiu um alerta a seus associados observando que, apesar de o governo federal ter anunciado um recurso inicial de R$ 2,4 bilhões, ainda não há previsão legal para que os valores sejam mantidos de forma perene, "o que pode gerar insegurança orçamentária para continuidade e sustentabilidade das ações".
A entidade também aponta para o modelo de financiamento proposto, que prevê que os recursos federais sejam repassados somente se a assistência for assegurada dentro de 30 ou 60 dias, o que "exige uma forma articulação e capacidade dos Estados e municípios em organizar a rede especializada, muitas vezes com infraestruturas insuficientes e deficientes".