
O avanço das tecnologias trouxe novos contornos aos comportamentos aditivos. Excessos em apostas, games e pornografia são algumas expressões dessas dependências comportamentais, como apontaram especialistas no Brain Congress – Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, em Fortaleza (CE), nesta quarta-feira (18).
O consumismo, o hedonismo e a necessidade de validação social criaram um ambiente propício para o aumento das apostas, impulsionadas pela legalização das apostas esportivas – as famosas bets – e dos jogos de cassino online, segundo a psicóloga Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira.
A evolução dos jogos, cada vez mais viciantes, com plataformas online 24 horas, intensa publicidade, design atraente, facilidade de pagamento e diversos tipos, potencializa ainda mais esse cenário – e o desenvolvimento do transtorno do jogo. Há um novo paradigma de vício comportamental impulsionado pelas bets, conforme a psicóloga.
— As pessoas não têm muita noção do caráter de dependência, do transtorno de jogo, que essas apostas estão levando — alerta Maria Paula.
Consequências
Os critérios do transtorno são semelhantes aos do uso de drogas e incluem a perda de controle, jogar para lidar com emoções negativas, a persistência, a tolerância, a abstinência e a fissura. Características de jogadores com transtorno do jogo incluem negação, dissociação, impulsividade e culpa.
A psicóloga ressalta que o vício traz diversas consequências negativas, como dívidas e ideação suicida. Em sua exposição, Maria destacou que os profissionais de saúde mental devem trabalhar para que as pessoas entendam que se trata de um problema e que podem pedir ajuda, mesmo que, muitas vezes, sintam vergonha.
Maria também enfatizou a importância da intervenção precoce e do tratamento multidisciplinar com psicoterapia, intervenção motivacional, grupos de autoajuda, treinamento de habilidades para lidar com frustrações, manejo financeiro, orientação familiar e, quando necessário, tratamento médico para comorbidades associadas.
— As pessoas estão apostando, achando que é brincadeira, e só percebem quando sai do controle — salienta.
Transtorno do jogo eletrônico
Outra dependência comportamental abordada no painel foi o transtorno do jogo eletrônico, que se diferencia do simples ato de jogar – na maioria das vezes benéfico –, aponta o psiquiatra gaúcho Daniel Spritzer.
O médico detalha os critérios diagnósticos para essa condição: comprometimento do controle, priorização crescente e persistência apesar de prejuízos em um padrão contínuo, que deve persistir por pelo menos um ano. Os prejuízos podem ser sociais, acadêmicos, ocupacionais e à saúde.
Os riscos de desenvolvimento do transtorno são maiores entre homens, adolescentes e jovens adultos. Há também fatores de risco individuais, familiares, ambientais e relacionados aos próprios jogos, como mecanismos de recompensa intermitentes.
No aspecto das compras, o transtorno converge com os jogos de apostas. Existe ainda uma relação bidirecional de riscos relacionados a comorbidades, como ansiedade, TDAH e depressão.
Spritzer sugere abordagens de avaliação e tratamento, que incluem terapia cognitivo-comportamental, terapia familiar e farmacoterapia para comorbidades, sempre com escuta respeitosa. Ele também destaca estratégias de prevenção, como a supervisão parental, educação digital, políticas públicas e o uso positivo dos games.
— É um fenômeno complexo, dificilmente consegue resolver de maneira tão fácil como gostaria — informa.
Uso problemático de pornografia
O evento abordou, ainda, o uso problemático de pornografia, consumida, em sua maioria, por homens. O psiquiatra Thiago Roza discutiu como as revoluções tecnológicas, especialmente os smartphones, transformaram o consumo de pornografia, tornando-o mais acessível e diversificado.
Segundo o especialista, o conteúdo é visto como uma das maiores formas de gratificação sexual e entretenimento na atualidade.
Os homens têm o primeiro contato com a pornografia, em média, aos 13 anos de idade. A prática pode ter desfechos adversos como impotência, baixa libido, ejaculação precoce, redução da sensibilidade ao prazer, dificuldades de produtividade, depressão, condicionamento sexual negativo e superestimação da novidade, o que pode levar à perda de interesse no sexo tradicional.
— Em parte explica a grande onda de disfunção erétil em homens jovens — ressalta Roza.
A condição não está descrita no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª edição), mas é englobada no CID-11 dentro de um espectro mais amplo chamado Compulsive Sexual Behavior Disorder (CSBD).
Na palestra, o psiquiatra questionou a necessidade de um diagnóstico distinto e defendeu sua classificação como vício comportamental. Isso porque a condição inclui critérios de adição, como saliência (quando se torna parte central da vida), tolerância, regulação do humor, abstinência, conflitos pessoais ou interpessoais, recaídas e lapsos. Contudo, ele ponderou que nem todos os consumidores relatam desfechos negativos.
O médico também abordou tratamentos existentes, como intervenções psicológicas, psicossociais e farmacológicas. Ele sugeriu estratégias práticas para o manejo clínico, como bloqueadores de conteúdo, engajamento em atividades sociais, planejamento de rotina e atividade física.
* A repórter viajou a convite do Congress on Brain, Behavior and Emotions 2025