
O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nesta terça-feira (20) novas normas relacionadas à cirurgia bariátrica. A medida estabelece novos parâmetros para o tratamento cirúrgico da obesidade e da doença metabólica, possibilitando que indivíduos com índice de massa corporal (IMC) menor façam a cirurgia, além de adolescentes a partir de 14 anos. As regras estão na resolução CFM nº 2.429/25.
As últimas normas a respeito do tema haviam sido divulgadas em 2015 e 2017. Conforme a médica Cintia Cercato, membro do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), trata-se de uma atualização importante.
— A última resolução que regulamentava essas práticas no país tinha quase uma década. O CFM vinha discutindo essa atualização diante de todo o conhecimento que avançou nessa área nos últimos anos — afirma.
Críticas ao IMC
A endocrinologista, que também é membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), acompanhou as discussões da câmara técnica sobre o tema. Em sua avaliação, embora representem uma flexibilização, as medidas foram elaboradas "com cuidado e responsabilidade".
Pacientes com IMC acima de 40 kg/m², tendo ou não comorbidades, e pacientes com IMC acima de 35 kg/m² e inferior a 40 kg/m² com doenças associadas continuam sob os mesmos critérios para submissão à cirurgia. A diferença é que, agora, indivíduos com IMC entre 30 kg/m² e 35 kg/m² passam a ser elegíveis à cirurgia, desde que tenham comorbidades associadas, como diabetes tipo 2, doença cardiovascular grave com lesão em órgão alvo ou apneia do sono grave, entre outras.
O entendimento de que o IMC é uma ferramenta insuficiente para aferir a obesidade e analisar a gravidade clínica do paciente vem sendo fortalecido por estudos na área, como publicação da revista científica The Lancet divulgada em janeiro. Segundo Cintia, a nova resolução traz esse olhar.
— O IMC é uma medida boa para termos um retrato da população. Mas, do ponto de vista individual, tem suas críticas. Muitas vezes, o paciente não tem IMC tão alto, mas tem complicações de saúde por conta da obesidade. Posso ter um IMC alto, mas não à custa de gordura, pode ser muscular. O IMC tem essas falhas. Precisamos mapear como a gordura está influenciando a saúde do indivíduo — explica a especialista.
Flexibilização da faixa etária
Entre outras medidas, a nova resolução do CFM traz menos restrições para a realização da cirurgia bariátrica, como a flexibilização da faixa etária. Com as novas regras, o conselho respalda a cirurgia em pacientes a partir dos 14 anos, somente em casos de obesidade grave (IMC maior que 40 kg/m²) associada a complicações clínicas, desde que haja a devida avaliação da equipe multidisciplinar e autorização dos responsáveis.
Também ficou definido que adolescentes entre 16 e 18 anos que estejam enquadrados nos critérios estabelecidos para adultos passem a ter acesso à cirurgia. Antes, menores de 16 anos só poderiam fazer a cirurgia em caráter experimental. De acordo com a especialista da Sbem, na prática, isso não deve trazer muitas mudanças.
— O que mudou é que, entre 14 e 16 anos, casos de excepcionalidade serão reconhecidos. Isso se o grau de obesidade for muito importante, se o adolescente estiver correndo risco de vida pela obesidade e suas complicações. Nessas situações, o CFM reconhece a cirurgia bariátrica. Mas a indicação principal, onde há maior evidência científica, é para adolescentes acima de 16 anos — ressalta Cintia.
Aumento de cirurgias?
A decisão do CFM amplia a faixa de potenciais pacientes de cirurgia bariátrica. Com isso, há risco de aumentar a quantidade de procedimentos, que já vem subindo a cada ano, destaca a nutricionista Flavia Felippe, especialista em obesidade.
— A medida torna a cirurgia mais acessível à população e flexibiliza as regras. Entre 2020 e 2024, já tivemos um aumento de 42% no número de cirurgias realizadas no Brasil, sendo que foram quase 300 mil procedimentos nesses quatro anos — afirma.
O dado é da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Por isso, segundo Flavia, é necessário alertar a população sobre os cuidados associados à bariátrica, tanto em termos de alimentação quanto no estilo de vida, sobretudo para os jovens, que ainda estão formando os hábitos alimentares.
— Quem faz a cirurgia terá que passar a vida toda fazendo exames laboratoriais para verificar se há deficiência de ferro, de vitaminas. Como a ingestão de alimentos fica limitada, podem faltar nutrientes importantes, e a saúde fica mais vulnerável — explica Flavia.
Dados de 2024 do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) apontam que a região Sul tem os maiores índices de obesidade do país. Conforme o levantamento, a média de obesidade no grau III (o mais grave) na região é de 7%, contra 4% no Brasil.
Quanto ao grau intermediário, há prevalência de 12% no Sul, sendo que no país a média é de 7,7%. Já quando se trata da obesidade grau I, o nível mais moderado, há prevalência de 23% no Sul, também acima da média do Brasil, que atingiu 19%.