
Os Estados Unidos anunciaram em abril a intenção de proibir a utilização de corantes alimentícios na produção de doces, cereais matinais, molhos e bebidas (como refrigerantes) de agora até o fim de 2026. Atualmente, oito corantes sintéticos à base de petróleo são comercializados naquele país.
Conforme a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês), os corantes seriam responsáveis por ocasionar problemas como hiperatividade, obesidade, diabetes e câncer.
Profissionais da saúde criticam o fato de os corantes sintéticos serem utilizados para tornar visualmente atraentes alimentos que não são saudáveis. Além disso, há suspeitas de que essas substâncias possam provocar câncer.
Alternativas naturais
A medida dos EUA amplia ações começadas no governo anterior, quando o corante Red 3 (Vermelho 3) foi banido do mercado norte-americano.
A FDA incentiva as empresas a adotarem alternativas naturais, como a utilização de sucos de melancia e beterraba para obter a coloração vermelha e de cenoura para chegar ao amarelo.
Empresas de alimentos e bebidas norte-americanas têm se oposto à proibição, defendendo que os corantes sintéticos são seguros e que corantes naturais são mais caros.
Brasil permite 14 corantes artificiais
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a utilização de 14 corantes artificiais na produção dos alimentos. A rotulagem dos itens que contenham corantes artificiais é obrigatória e precisa incluir o aviso de "colorido artificialmente".
Zero Hora questionou à Anvisa se a decisão do governo norte-americano pode influenciar decisão semelhante no Brasil. A Agência diz que tem recebido "questionamentos recentes" sobre a segurança de corantes como Eritrosina (Vermelho 3), Vermelho 40, Tartrazina, Amarelo Crepúsculo e Azul Brilhante e que todos estes estão aprovados no Brasil "com base em avaliações de segurança do JECFA (Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da FAO/OMS) e em sua inclusão no Codex Alimentarius", além se seguirem autorizados para uso na União Europeia.
"A Anvisa reforça seu compromisso com a segurança dos alimentos consumidos pela população brasileira e acompanha continuamente as discussões científicas e regulatórias internacionais sobre aditivos alimentares. Caso novas evidências científicas sejam disponibilizadas, a Agência está preparada para realizar as reavaliações necessárias, nos termos da legislação vigente", diz a nota (leia na íntegra ao final da reportagem).

Decisão pode virar tendência?
A professora Bethania Brochier, dos cursos de graduação em Engenharia de Alimentos e Engenharia Química da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), acredita que a decisão dos norte-americanos pode virar uma tendência no mercado nacional.
— Vejo que muitas indústrias no Brasil já buscam diminuir o uso de corantes artificiais para usar outros mais naturais — afirma.
Segundo a docente, por terem maior estabilidade quando comparados aos corantes naturais (devido à sua composição química mais resistente a fatores como luz, calor, oxigênio e pH), os artificiais oferecem uma cor "mais bonita" ao produto. Mas isso não significa mais saúde.
— Os naturais são os mais saudáveis e trazem mais benefícios à saúde, como as antocianinas, que são extraídas das cascas da uva e têm outras funções, como evitar o câncer — ilustra.
Para Bethania, o público precisará se acostumar a ter cores menos atrativas e buscar produtos mais naturais. A docente avalia que as empresas alimentícias já caminham nesta direção:
— O Brasil tem usado tecnologias emergentes que extraem melhor os compostos. A indústria de alimentos já está atrás disso.
Saúde das crianças
Para a nutricionista Fernanda Huckembeck Nahas, que atua há 21 anos na profissão, a decisão dos EUA representa um avanço na proteção da saúde pública.
— Especialmente da saúde das crianças, que são as maiores consumidoras desses produtos coloridos, muitas vezes chamativos, porém pobres em nutrientes — observa.
Vejo que muitas indústrias no Brasil já buscam diminuir o uso de corantes artificiais para usar outros mais naturais
BETHANIA BROCHIER
Professora dos cursos de Engenharia de Alimentos e Engenharia Química da Unisinos
Conforme Fernanda, corantes como o Vermelho 40, o Amarelo 5 e o Azul 1 foram considerados seguros dentro de certos limites. Porém, estudos sugerem que esses aditivos podem estar relacionados a transtornos de atenção e hiperatividade (TDAH), especialmente em crianças sensíveis ou com predisposição. E o consumo em excesso pode afetar o desenvolvimento neurológico de fetos.
— Quando colocamos corantes em alimentos voltados ao público infantil, como balas, gelatinas, refrigerantes, cereais e bolachas, estamos, na prática, normalizando o consumo diário de substâncias que não deveriam fazer parte de uma alimentação saudável — alerta.
A nutricionista cita alternativas naturais, como urucum, cúrcuma, beterraba e cenoura, e questiona a insistência da indústria em usar derivados de petróleo para colorir alimentos.
— A resposta, infelizmente, está no custo e na resistência da indústria em mudar. Mas, felizmente, a ciência está vencendo essa batalha, e políticas públicas como essa mostram que a saúde da população deve vir em primeiro lugar — observa, acrescentando que espera que o Brasil copie o exemplo norte-americano.

Ingestão diária aceitável de corantes
A professora Florencia Cladera Olivera, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), observa que há uma possível relação da ingestão de determinados corantes artificiais com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), rinite, urticária e angioedema:
— As alergias são comuns quando se fala em corantes, incluindo os naturais, mas mais frequentes com alguns artificiais. Cabe destacar que as alergias podem acontecer com qualquer tipo de alimento.
Quando colocamos corantes em alimentos voltados ao público infantil, estamos, na prática, normalizando o consumo diário de substâncias que não deveriam fazer parte de uma alimentação saudável
FERNANDA HUCKEMBECK NAHAS
Nutricionista
De acordo com Florencia, todos os aditivos permitidos em alimentos precisam ser submetidos a testes toxicológicos e obedecer a regras rígidas de uso. Os aditivos são considerados seguros desde que ingeridos em quantidades inferiores à Ingestão Diária Aceitável (IDA), que é uma quantidade definida por organismos internacionais como o Comitê Conjunto FAO/OMS de Peritos em Aditivos Alimentares (JECFA).
— O problema é que esta quantidade que pode ser ingerida depende do peso corpóreo da pessoa. Quanto menor o peso, menor a quantidade que pode ingerir. Assim, as crianças têm maior probabilidade de ingerir quantidades acima da considerada segura.
Ela acrescenta que as avaliações toxicológicas deveriam ser realizadas "com certa frequência", mas alguns corantes artificiais foram "avaliados há bastante tempo".
Rigorosas avaliações de segurança
Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) afirma, em nota, que "os aditivos alimentares, incluindo os corantes, passam por rigorosas avaliações de segurança antes de serem aprovados para uso" e que "a indústria brasileira de alimentos não utiliza aditivos que não tenham sido avaliados, autorizados e regulamentados".
A associação diz, ainda, que "monitora as atualizações científicas e as regulamentações internacionais, além de acompanhar a agenda regulatória da Anvisa".
"Caso o JECFA revise suas recomendações sobre os corantes, essa mudança será considerada tanto pelas autoridades reguladoras quanto pela indústria de alimentos", diz o texto.
Leia as notas na íntegra
Nota da Anvisa
"A Anvisa esclarece que os corantes alimentícios são aditivos regulamentados no Brasil pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 778/2023 e pela Instrução Normativa (IN) nº 211/2023. Para que um aditivo seja aprovado, é necessário que sua segurança de uso seja previamente demonstrada por meio de um rigoroso processo de análise de risco, que inclui a avaliação de estudos toxicológicos, a estimativa de ingestão e a definição de limites seguros de uso. Esse processo segue os princípios internacionais estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), descritos no documento 'Princípios para análise de substâncias químicas em alimentos', disponível no portal da OMS.
Os aditivos aprovados passam por reavaliações sempre que surgem novas evidências científicas que possam indicar riscos à saúde humana. No cenário internacional, a principal referência é o Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da FAO/OMS (JECFA), cujas avaliações embasam o Codex Alimentarius — padrão internacional utilizado como base para o comércio global e referência regulatória no Brasil.
A Anvisa tem recebido questionamentos recentes sobre a segurança de uso de alguns corantes alimentícios, como Eritrosina (Vermelho 3), Vermelho 40, Tartrazina, Amarelo Crepúsculo e Azul Brilhante. Todos esses corantes estão atualmente aprovados no Brasil, com base em avaliações de segurança do JECFA e em sua inclusão no Codex Alimentarius, conforme disponível neste link.
Além disso, todos permanecem autorizados para uso na União Europeia, de acordo com o Regulamento (CE) nº 1333/2008, versão consolidada de 16/12/2024.
No dia 16 de janeiro de 2025, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade reguladora dos Estados Unidos, anunciou a revogação da autorização de uso da Eritrosina (Vermelho 3). A decisão decorre de uma legislação nacional específica que proíbe a autorização de aditivos que tenham demonstrado potencial carcinogênico em animais, ainda que essa evidência não seja considerada relevante para humanos. A própria FDA reconhece que os estudos em ratos machos envolvem um mecanismo hormonal que não ocorre em humanos, e que os níveis de exposição por meio do consumo de alimentos são muito inferiores aos que causaram efeitos nos estudos. A decisão da FDA reflete, portanto, uma exigência legal do país, não uma mudança na avaliação científica da segurança do corante. Foi concedido prazo de dois anos para retirada do aditivo dos alimentos comercializados nos EUA.
No Brasil, a Eritrosina foi avaliada pelo JECFA em 2006, com a definição de um valor de ingestão diária aceitável. Essa avaliação foi revisada em 2018, ocasião em que o comitê concluiu que os dados mais recentes não justificavam alteração desse valor e que a exposição estimada não representava risco à saúde. Em 2025, o Brasil propôs, no Comitê Codex sobre Aditivos Alimentares (CCFA), a inclusão da Eritrosina como prioridade alta na lista de reavaliações do JECFA. A resposta do comitê foi de que, até o momento, não há novos dados disponíveis que justifiquem nova avaliação.
A Anvisa reforça seu compromisso com a segurança dos alimentos consumidos pela população brasileira e acompanha continuamente as discussões científicas e regulatórias internacionais sobre aditivos alimentares. Caso novas evidências científicas sejam disponibilizadas, a Agência está preparada para realizar as reavaliações necessárias, nos termos da legislação vigente.
Cordialmente,
Imprensa Anvisa"
Nota da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia)
"Os aditivos alimentares, incluindo os corantes, passam por rigorosas avaliações de segurança antes de serem aprovados para uso. Em âmbito internacional, essa análise é realizada pelo JECFA — Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da FAO/OMS. No Brasil, são ainda reavaliados e regulamentados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que apenas autoriza o uso de aditivos considerados seguros. A indústria brasileira de alimentos não utiliza aditivos que não tenham sido avaliados, autorizados e regulamentados.
A ABIA monitora as atualizações científicas e as regulamentações internacionais, além de acompanhar a agenda regulatória da Anvisa — uma instituição de excelência científica, reconhecida internacionalmente. Caso o JECFA revise suas recomendações sobre os corantes, essa mudança será considerada tanto pelas autoridades reguladoras quanto pela indústria de alimentos."