Especialistas negam que contrair a covid-19 garante que o organismo está livre de ser infectado novamente, conforme sugeriu o presidente Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira (2). Ele criticava o chamado "passaporte covid" adotado pela prefeitura de São Paulo, que pede comprovante de ao menos uma dose das vacinas para ingresso em eventos sociais, quando disse ter feito exame IgG, que mede a taxa de anticorpos no sangue.
— Meu IgG está 991. Estou muito bem, melhor que uma pessoa que tomou CoronaVac. Melhor, não. Muito melhor do que o pessoal que tomou CoronaVac. O que aconteceu comigo eu não sei. Eu faço todos os exames periódicos — disse Bolsonaro em transmissão ao vivo realizada nas redes sociais nesta quinta-feira (2).
O IgG é um anticorpo produzido a partir do 14º dia do início dos sintomas da covid-19.
O infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, afirma que não existe embasamento científico capaz de sustentar a afirmação do presidente.
— O fato de ele ter tido uma exposição natural ao vírus não significa que ainda teria anticorpos neutralizantes contra uma nova infecção. A evidência disso são as reinfecções, que já estão em uma série de publicações — afirma Schwarzbold.
O médico acrescenta que o IgG indica detecção de contato prévio com o vírus, mas não capacidade de neutralização.
— Além disso, os dados todos nos mostram que a imunidade pela exposição natural aos antigos coronavírus durava muito pouco tempo. Os anticorpos caíam entre três e seis meses depois (da infecção). Em casos mais leves da doença, como acho que foi o do presidente, a tendência é os anticorpos durarem menos tempo. E estamos vendo pessoas da faixa etária dele que tomaram vacina e, seis, sete, oito meses depois, já não têm tanta produção de anticorpos — comenta o infectologista.
Segundo a médica infectologista Andréa Dal Bó, membro da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI), estudos mostram que um organismo que contraiu a doença até pode ter adquirido uma boa imunidade, desde que também tenha tomado as vacinas. A infecção, por si só, não livra ninguém de ser contaminado novamente, ainda mais diante de novas variantes do coronavírus.
— Há novas cepas que conseguem fazer "escape" de imunidade prévia. A variante Mu, identificada pela primeira vez na Colômbia, consegue, mesmo que a pessoa tenha tido a covid no início do ano, escapar dessa imunidade prévia e se instalar da mesma forma. Se você teve covid pela variante inicial, essa imunidade não vai ser suficiente para segurar outra variante — explica.
Sobre os testes IgG, realizados em farmácias e laboratórios para identificar a presença de anticorpos no sangue, a infectologista diz que sequer os considera confiáveis. Para ela, nem deveriam ser oferecidos para diagnóstico da covid-19.
— É um exame que tem uma sensibilidade ruim. Você tem 30% de chance de ser um falso positivo, ou seja, nunca ter tido a covid-19 e achar que teve. E o contrário também é verdade, a pessoa ter a covid e o exame dar negativo. Não é um exame confiável — reforça Andréa.