Após o anúncio de que empresas brasileiras estariam em busca de autorização para importar doses da vacina contra a covid-19 a fim de imunizar seus funcionários, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta terça-feira (26), que o governo é a favor da aquisição pelo mercado privado, mas que defende que metade das unidades seja doada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Mais tarde, no entanto, a AstraZeneca informou que não tem doses disponíveis de vacina para vender a empresas privadas. "No momento, todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, incluindo a Covax Facility, não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado", diz a nota.
O assunto gerou questionamentos sobre se a medida não representaria furar a fila de vacinação no país, já que, por enquanto, apenas grupos prioritários, como idosos e profissionais da saúde, receberam doses do imunizante. Em entrevista ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, na tarde desta terça-feira, o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, falou sobre essa possibilidade de compra e o debate ético relacionado.
Cunha afirmou que considera pouco provável que as empresas consigam adquirir doses neste momento ou em curto prazo, pois alguns países ainda nem receberam a quantidade de vacinas que estava estabelecida. Segundo ele, a negociação não deve ocorrer antes que a maioria das nações tenha suas campanhas de vacinação contempladas.
O dirigente também ressaltou que uma possível competição com o mercado privado pelas vacinas da AstraZeneca/Oxford com certeza atrapalharia a estratégia prevista pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), que se refere à vacinação dos grupos prioritários e de risco:
— Competir no momento em que nós ainda não tivemos a nossa população prioritária estratégica vacinada, eticamente eu acho que é um grande problema.
Depois que todas essas pessoas estiverem imunizadas, a possibilidade de aumentar o número de vacinados por meio de clínicas privadas e empresas é muito bem-vinda, assim como acontece no período de vacinação contra a gripe, enfatizou Cunha. A diferença entre esses dois casos, no entanto, é que o Brasil tem capacidade de produzir e oferecer a vacina da gripe para a população de risco e a vacina contra a covid-19, não.
— Se nós tivéssemos um quantitativo que pudesse oferecer para todas essas pessoas dos grupos prioritários, acho que não seria um problema (a compra do mercado privado), e acho que provavelmente com o tempo teremos essa possibilidade de ampliar para outros grupos. Mas, em um momento em que se tem escassez da vacina, nós temos que pensar prioritariamente nesses grupos mais vulneráveis e de maior risco — defendeu.
Para o presidente, essa compra será possível com o passar do tempo, quando mais vacinas seguras e eficazes forem licenciadas e houver um aumento da produção.
Em relação aos resultados da vacinação em outros países, Cunha afirmou que se trata de uma mescla de organização de estratégias e recursos econômicos. Também disse ter certeza de que o Brasil será campeão de imunização quando tiver os quantitativos de vacina, pois tem experiência com campanhas de vacinação:
— O nosso Programa Nacional de Imunizações, essa possibilidade de ter 40 mil salas de vacinação funcionando, isso os outros países não têm. Então acho que tendo as vacinas disponíveis, nós seremos um dos países com maior percentual de aplicação.
Por fim, o presidente pediu para que as pessoas continuem usando máscara, evitando aglomerações e mantendo o distanciamento social enquanto esperam a vacina.
Quem pode se vacinar
Com o número bastante reduzido de doses disponíveis no Brasil neste primeiro momento da fase 1 do Plano Nacional de Imunização (6 milhões em todo o país, 340 mil no RS), a prioridade para receber as doses é dos profissionais da saúde que atuam no atendimento de pacientes com coronavírus, idosos que vivem em lares de longa permanência ou acima dos 75 anos e indígenas. Ainda não há vacinação aberta em postos de saúde para demais pessoas previstas nos grupos prioritários.