Um levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) aponta o Rio Grande do Sul como o Estado que apresentou a menor elevação nas mortes provocadas por todo tipo de causa desde a chegada do coronavírus ao Brasil.
Esse indicador, chamado de excesso de mortalidade, é importante para medir os impactos diretos ou indiretos de uma pandemia sobre as condições de vida da população. Conforme o estudo nacional, ao longo de cinco meses houve 2% a mais de óbitos entre os gaúchos do que seria esperado para o período com base em uma média dos cinco anos anteriores — o patamar nacional foi 10 vezes maior e alcançou 22%.
O estudo do excesso de mortalidade (óbitos que ocorrem além do projetado a partir de anos anteriores) é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma ferramenta para medir todos os efeitos possíveis provocados por fenômenos do porte de uma pandemia. Ao sobrecarregar o sistema de atendimento, por exemplo, o coronavírus pode ampliar a taxa de óbitos por outras causas. Essa análise da mortalidade em geral também compensa eventuais subnotificações por covid-19.
O Conass projetou o número de óbitos que seria esperado entre 15 de março e 15 de agosto deste ano com base em tabulações do Sistema de Informações sobre Mortalidade e comparou com informações da Central de Informações do Registro Civil aplicando uma metodologia para corrigir eventuais defasagens. Por esse modelo, o Brasil teve, até o mês passado, 118,4 mil mortes além da média projetada para o período, equivalente a um acréscimo de 22%.
Analisando-se cada Estado, o Rio Grande do Sul teve o desempenho menos ruim, com um excedente de 2% que corresponde a 826 vidas perdidas além da média esperada de 37,4 mil. No extremo oposto, o Amazonas aparece como a região mais castigada pelos impactos diretos e indiretos da pandemia, com aumento de 74% nas notificações de morte por todo tipo de causa.
Epidemiologista e gerente de Risco do Hospital de Clínicas, Ricardo Kuchenbecker lamenta os óbitos, mas avalia que a análise do Conass pode ser considerada uma boa notícia quando se observa que o Rio Grande do Sul tem uma proporção de idosos acima da média nacional — 19% contra 14% —, justamente o perfil mais sujeito a complicações de saúde.
— O estudo confirma outros dados que já indicavam taxas de incidência e de óbitos por habitantes menores no Estado em razão da covid. Provavelmente, esse desempenho está relacionado a medidas adotadas pela população que reduziram o impacto do coronavírus e evitaram uma sobrecarga da rede de atendimento que poderia ter aumentado muito a mortalidade — analisa Kuchenbecker.
O epidemiologista observa ainda que o trabalho demonstra como diferenças regionais e socioeconômicas podem levar a grandes variações na ocorrência de óbitos. Enquanto Estados no Norte e no Nordeste observaram excessos de mortes superiores a 50%, em outros lugares essa cifra ficou abaixo de 10%, como na Região Sul.
Kuchenbecker afirma que é preciso seguir monitorando esses indicadores para identificar eventuais mudanças de padrão, mas considera que uma análise realizada cerca de seis meses após o início da pandemia no país já tem abrangência suficiente para fornecer um bom retrato de como o novo vírus atingiu os brasileiros.
Para especialista, rede de saúde faz diferença
Para o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry, a diferença de impacto do coronavírus sobre a mortalidade no Rio Grande do Sul e na média nacional pode ser explicada por fatores como a qualidade da rede de atendimento, o que inclui oferta de leitos e qualificação dos profissionais de saúde.
Desde o começo da pandemia, conforme informações da Secretaria Estadual da Saúde (SES), o Estado praticamente dobrou o número de leitos de terapia intensiva (UTI). Com mais de 1,8 mil vagas disponíveis, contra 933 no começo do ano, a taxa geral de ocupação permaneceu sempre abaixo de 80% na média das regiões gaúchas.
— Também temos instituições muito próximas a universidades europeias, como o Hospital de Clínicas, as quais enfrentaram o vírus primeiro, e com quem pudemos aprender antes mesmo de a pandemia chegar aqui — opina Petry.
É preciso levar em consideração ainda que Estados do Norte e do Nordeste foram os primeiros a receber o impacto da covid-19 e passaram antes pelos diferentes estágios da doença em relação ao Sul. Por isso, embora os dados coletados até o momento sejam representativos do cenário atual, podem sofrer alterações até a doença perder força de vez em todos os cantos do Brasil.
— Ainda não terminou. A análise final só poderá ser feita, de fato, quando tiver acabado em todos os lugares — observa Petry.