Um novo estudo do Imperial College de Londres, focado apenas no Brasil e com análise também sobre o Rio Grande do Sul, aponta que as medidas de distanciamento social reduziram em 56% a velocidade de contágio do coronavírus no país em comparação a quando não havia nenhuma medida de restrição, mas a queda expressiva, ainda assim, não foi suficiente. Segundo o relatório, divulgado na semana passada, nenhum Estado analisado chegou a níveis de contágio considerados seguros para o retorno às atividades econômicas.
"Por mais que a epidemia brasileira ainda seja relativamente nascente em escala nacional, nossos resultados sugerem que mais ação será necessária para limitar sua expansão e evitar a sobrecarga do sistema de saúde", dizem os autores do estudo.
Os cientistas britânicos e brasileiros se debruçaram sobre dados da semana passada dos 16 Estados brasileiros que registraram, ate agora, mais de 50 mortes por covid-19 – incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Amazonas, entre outros.
Os pesquisadores calcularam a taxa de contágio do coronavírus, chamada de R: um número que mostra quantas pessoas são contaminadas por indivíduo com coronavírus. Estima-se que, sem nenhuma intervenção, como o distanciamento, um indivíduo passe o vírus adiante para de três a quatro novas pessoas (ou seja, R entre 3 e 4).
Quando cada indivíduo infecta menos de uma pessoa (R abaixo de 1), a epidemia está caindo – governos europeus só relaxaram o distanciamento quando alcançaram essa marca. Quando o R é acima de 1, cada infectado passa o vírus adiante para mais de uma pessoa, então a epidemia segue ritmo crescente até, em algum momento, aumentar de forma exponencial.
O Imperial College afirma que nenhum dos 16 Estados analisados reduziu a taxa de infecção para abaixo de 1 – na prática, não há sequer uma região segura o bastante para relaxar o distanciamento.
O Rio Grande do Sul tem a sétima maior taxa de infecção, a mesma do Rio de Janeiro e acima de Santa Catarina e Paraná: cada gaúcho contaminado passa o coronavírus para 1,44 pessoa. A pior situação é no Pará, onde cada pessoa infecta quase dois indivíduos. Por aqui, o governador Eduardo Leite começou as medidas de relaxamento na última segunda-feira (11).
A análise mostra ainda que os Estados estão longe de atingirem a "imunidade de rebanho", termo usado para descrever quando cerca de 60% a 80% das pessoas se tornam contaminadas e, portanto, imunizadas. No Amazonas, onde o sistema de saúde já enfrenta situação caótica, o estudo estima que cerca de 10% da população foi afetada. No Rio Grande do Sul, 0,42% das pessoas.
Dados do Imperial College têm sido usado por diversos países – o Reino Unido, por exemplo, mudou a estratégia após uma pesquisa.
O presidente Jair Bolsonaro vem defendendo a retomada das atividades econômicas para promover a imunidade de rebanho. Ele diz que devem ficar isolados apenas idosos e doentes crônicos. No entanto, cerca de 86 milhões de brasileiros, quase metade da população do Brasil fazem parte do grupo de risco para a covid-19, de acordo com estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O médico Ricardo Parolin Schnekenberg, doutorando na Universidade de Oxford e um dos autores do estudo do Imperial College, resume que a epidemia segue crescendo rápido no Brasil. E a tendência é seguir crescendo.
— Apesar de as medidas de restrição terem tido efeito, não foram suficientes. A epidemia de coronavírus no Brasil ainda não está controlada em nenhum dos Estados que analisamos. E nenhum Estado está remotamente próximo de chegar à imunidade de rebanho. Mais medidas são necessárias para controlar a epidemia — afirma o médico.
A adesão dos brasileiros ao distanciamento social é fundamental para que a taxa de contágio caia a patamares seguros, destaca o médico e professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.
— A conclusão é que, em algum momento, vai ser necessário voltar para medidas mais restritivas. Não vimos ainda o resultado do afrouxamento, que teremos daqui a duas ou três semanas. Mas destaco que, sem o distanciamento, a taxa de reprodução do vírus seria muito mais alta — afirma.
A reportagem buscou posicionamento da Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) na tarde de quinta-feira, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Até a tarde desta sexta-feira (15), o Brasil era o sexto país com mais casos confirmados e mortes por coronavírus em todo o mundo.