Há duas semanas, os primeiros pacientes com coronavírus começaram a chegar ao Hospital Moinhos de Vento (HMV), em Porto Alegre. Alguns foram para leitos do Centro de Terapia Intensiva (CTI). Outros, encaminhados para a internação. Da noite de quarta-feira (25) para a manhã desta quinta (26), houve um aumento no número de pacientes internados na instituição. A tendência, se as progressões internacionais forem seguidas, é de que a cena se repita mais e mais vezes nos próximos dias. Por isso, as duas semanas seguintes serão determinantes, acredita Roselaine Pinheiro de Oliveira, chefe do Serviço de Medicina Intensiva Adulto do HMV.
À frente de uma equipe com 60 médicos, Roselaine está conectada "24 horas por dia" e se sente incomodada quando não está. No cenário imposto pela covid-19, as mudanças acontecem a todo instante.
— Temos decisões que, antes, tomávamos uma vez por semana, ou uma vez por dia. Agora, precisamos tomá-las praticamente a cada hora — conta.
Agir tantas vezes e tão depressa requer organização. Por isso, há dois meses começaram os preparativos para a chegada da doença no Brasil. À época, os casos estavam restritos a poucos países.
Os primeiros passos foram dados no ajuste de processos, material e estruturação. Com apoio da superintendência médica da instituição, uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, administradores, entre outros, discute medidas para ampliar a segurança dos pacientes com a covid-19, dos familiares e das equipes que atuam na beira do leito.
— Essa é uma doença que extrapola todo e qualquer protocolo de isolamento que já tínhamos. O mundo está parado. O país mais capitalista do mundo está parado. Estrutura nós sempre tivemos, porém precisamos ter os processos revisados — diz Roselaine.
"As duas próximas semanas são determinantes"
Com uma experiência de 26 anos como intensivista, Roselaine é uma entusiasta da especialidade. Segundo ela, o trabalho dos intensivistas, embora fundamental, não é conhecido das pessoas, "inclusive dos familiares", ressalta.
— É um profissional difícil de encontrar no mercado. Tem uma formação muito específica, ampla e importante. O intensivista é o médico que não tem especialização em um órgão, mas que vê o paciente como um todo — defende.
Certa do grande desafio que a especialidade tem pela frente, ela assegura que tanto o hospital como estrutura física quanto os profissionais estão prontos para encará-lo:
— O Moinhos está totalmente pronto. O CTI está preparado. Os intensivistas estão prontos. A gente se assusta quando não se prepara, esse foi nosso mantra.
Para que a situação siga dentro do controle, pede a médica, é fundamental que a população compreenda a importância do isolamento social:
— Nos preocupa quando há a ideia de que está tudo bem. Gostaria que aprendêssemos com o que aconteceu na Europa. As duas próximas semanas são determinantes. Já tivemos um aumento nas internações (comuns, não UTI) nessa noite. Não temos dúvida de que o que está sendo feito é o mais correto.
De acordo com a médica, o primeiro paciente com coronavírus a necessitar de um leito de UTI no hospital já foi liberado. O Moinhos conta com 56 leitos de UTI.
"Pico é esperado entre 8 e 20 de abril"
Os cuidados já rotineiros com o controle de infecção foram ampliados. Os profissionais da área de terapia intensiva estão mais vigilantes. Um plano previamente elaborado serve de fio condutor para que, tão logo deparem com um caso grave de coronavírus, ele seja devidamente encaminhado para um leito isolado. Assim tem sido o dia a dia dos trabalhadores da saúde do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre.
Esperando por um inverno muito mais difícil do que o habitual, o médico intensivista Luiz Gustavo Marin, que trabalha na UTI do Conceição, diz que o momento é de apreensão.
— Temos muitas reuniões, muitas atividades de capacitação por conta das rotinas de atendimento desses pacientes, pelas medidas de isolamento que eles exigem e que não fazem parte do nosso dia a dia. Isso é exceção, mas, agora, passará a ser a regra — conta.
Além de todo o trabalho exaustivo que vem pela frente e das incertezas em relação à capacidade do sistema para absorver todos os possíveis pacientes, Marin diz que cresce a preocupação com as baixas ao longo da jornada, aos moldes do que vem sido mostrado na Itália, por exemplo, onde profissionais da saúde precisam se afastar do trabalho por conta de infecção.
Embora tecnicamente preparados para encarar o inimigo invisível, não há dúvidas de que o coronavírus vai aumentar ainda mais sua propagação nos próximos dias. Com o auge previsto para o próximo mês, a doença vai ter impacto direto sobre o Sistema Único de Saúde (SUS).
— Nossa expectativa se guia de acordo com os dados do Ministério da Saúde, mostrando a evolução da covid-19. O pico é esperado entre 8 e 20 de abril, talvez um pouco antes, talvez um pouco depois. Estamos nos preparando para que possamos absorver esses pacientes. Mas tudo vai depender da demanda — fala o também intensivista do Conceição José Luís Toríbio Cuadra.
"Pode ser uma das grandes batalhas da humanidade"
Em uma batalha que recém começou, a turma que está no front tem seus limites testados a todo instante. A rotina de medo e apreensão também aflige os profissionais da saúde.
— Somos de carne e osso. Temos receios, tememos pelos nossos familiares. Meus pais são idosos e eu tenho medo por isso. Vários colegas se afastaram dos filhos. Nós compartilhamos das mesmas preocupações que a população em geral — desabafa Marin.
Nesse cenário de tantas dúvidas, os profissionais da saúde têm dado um jeito de encarar os dias que sucedem.
— Todos trabalhamos em outros lugares, falamos sobre a situação. Todo profissional cuida um do outro, isso vai nos ajudar. Todo mundo junto é uma equipe só para enfrentar essa que pode ser uma das grandes batalhas da humanidade — finaliza Cuadra.
"Esperamos que esse confinamento possa nos ajudar"
Atuando no que foi estipulado como nível três, quando há mais de cinco pacientes internados por coronavírus, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) também vem ampliando processos e estruturas para a guerra contra o coronavírus. Com uma preparação intensa feita desde o começo do ano, a instituição conta com leitos de UTI específicos para pacientes com covid-19 e prevê uma ampliação, usando um dos novos prédios e as salas de recuperação, já que parte das cirurgias eletivas foi suspensa.
A velocidade com que a doença avança pelo país e pelo Estado também acelerou os encontros entre as áreas envolvidas na gestão do tema dentro do hospital.
— Começamos a nos reunir em janeiro com todas as áreas assistenciais. Mais recentemente, do começo de março para cá, o comitê de crise se reúne mais de uma vez por dia — explica Rodrigo Pires dos Santos, coordenador da Comissão de Controle de Infecção do HCPA.
Embora trabalhe com uma boa quantidade de leitos neste momento, a instituição espera um fluxo maior nas próximas semanas.
— Estamos trabalhando com previsões de que nas próximas duas ou três semanas terá um número grande. E esses casos não vão subindo gradativamente, eles dão saltos. Esperamos que esse confinamento possa nos ajudar — finaliza, acrescentando que, no momento, o hospital tem capacidade para atender mais pacientes.
Um chamamento para profissionais que atuem em UTIs deve trazer mais um alento ao Clínicas, que poderá ampliar seus leitos já em um dos novos prédios, que já recebeu a aparelhagem para atuar com terapia intensiva.