
No período de cinco anos e nove meses, ao menos 61 estabelecimentos comerciais de Porto Alegre foram interditados pela Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), conforme dados obtidos com exclusividade pela Zero Hora, via Lei de Acesso à Informação (LAI). Sujeira, ambientes insalubres e infestações de baratas em locais de fabricação, produção, manipulação ou comercialização de alimentos lideram os motivos para a interrupção das atividades. Os dados englobam ações realizadas de janeiro de 2020 a setembro de 2025.
Segundo a SMS, interdições ocorrem quando condições que oferecem risco iminente à saúde pública são constatadas durante vistorias. Nesses casos, os fiscais suspendem as atividades até que o local comprove as adequações solicitadas.
Registros da prefeitura mostram que 40 locais foram impedidos de funcionar por presença de sujeira, 34 apresentavam condições insalubres e 14 tiveram infestações de baratas detectadas por fiscais. Em parte dos casos, vestígios e fezes de roedores e estrutura inadequada para o funcionamento dos locais também foram registrados.
Esses e outros tipos de irregularidades na manipulação de alimentos podem levar à contaminação da comida, comprometer a segurança da comunidade e causar doenças. Entre os microrganismos mais associados às contaminações estão as bactérias Salmonella, Escherichia coli e Staphylococcus aureus, além de vírus como norovírus, rotavírus e o da hepatite A.
Essas infecções também podem provocar surtos de doenças de transmissão hídrica e alimentar (DTHA), que, em casos mais graves, "podem levar à desidratação, infecções sistêmicas, síndrome hemolítica-urêmica e até morte", destacou a equipe da Vigilância Sanitária em nota.
Onde ocorreram as interdições
Entre os tipos de estabelecimentos mais interditados estão restaurantes (25 casos), lancherias e lanchonetes (10 registros) e minimercados e supermercados (quatro casos). Cinco interdições ocorreram em pontos do Mercado Público e da Rodoviária de Porto Alegre, principalmente por infestação de baratas e acúmulo de sujeira.
A região central da Capital conta com o maior número de interdição, concentrando cerca de 60% das ocorrências registradas nos últimos cinco anos. Os bairros Centro Histórico, Cidade Baixa e Moinhos de Vento figuram como os mais recorrentes.
Como funciona o trabalho da Vigilância
- As ações da Vigilância seguem um calendário de fiscalizações e também podem ser realizadas a partir de denúncias feitas pela população, ou por solicitações de entidades como Ministério Público, Procon e Delegacia do Consumidor
- As vistorias buscam verificar se os estabelecimentos cumprem a legislação sanitária e as boas práticas de higiene e manipulação de alimentos, observando condições de limpeza, controle de pragas, armazenamento adequado e procedência dos produtos
- A depender do tipo e da gravidade das irregularidades encontradas, o estabelecimento pode ser submetido a diferentes medidas de correção: notificação, autuação e interdição
Entenda as medidas
Em situações mais simples, os fiscais emitem uma notificação, que funciona como um alerta para que o local corrija as falhas dentro de um período determinado. Uma autuação é lavrada quando há descumprimento da notificação no prazo fixado, a infração é insanável, o estabelecimento foi interditado por ter cometido infração sanitária ou teve alimentos apreendidos. A medida gera um Processo Administrativo Sanitário (PAS) e pode resultar em penalidades como multa.
Já em casos considerados de risco imediato à saúde pública — como sujeira excessiva, infestação de pragas ou armazenamento inadequado de alimentos — o estabelecimento pode ser interditado cautelarmente até que as condições sejam regularizadas. Tanto a interdição cautelar quanto a apreensão de alimentos impróprios geram um auto de infração.
Conforme uma lei complementar de 2023, há previsão legal para que a autoridade sanitária decida pelo fechamento definitivo de um local. Dos 61 estabelecimentos comerciais interditados desde 2020, dois fecharam as portas permanentemente. Ambos os encerramentos, no entanto, ocorreram por decisão do próprio estabelecimento e não por exigência da Vigilância.
O órgão aponta que os fechamentos se deram por motivos diversos, um deles sendo a avaliação dos locais de que não seria possível realizar as adequações necessárias.
Boas práticas são aliadas dos empresários
O recente aumento no número de interdições em Porto Alegre ganhou forte repercussão nas redes sociais e abriu discussão entre parte dos empresários da Capital, que, por vezes, questionava as ações sanitárias.
Contudo, conforme especialistas, apesar de às vezes incômodas, as ações de fiscalização são benéficas para a saúde pública e ajudam a fortalecer as empresas e o setor.
— Nenhum fiscal quer fechar algum estabelecimento e fazer com que o setor pare de produzir. Os agentes querem justamente o contrário: que o setor seja cada vez mais forte, mais capacitado, dando mais empregos e trazendo desenvolvimento social — garante o professor Eduardo Tondo, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS, referência nacional em pesquisa e extensão no setor alimentício.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Rio Grande do Sul, Leonardo Vogel Dorneles, entende que o trabalho da Vigilância Sanitária e o desenvolvimento de boas práticas são importantes para o aperfeiçoamento do setor e aumento da confiança do público nos negócios. No entanto, ele ressalta que os eventuais casos de interdição não são a realidade das condições de todos os empreendimentos e não precisam causar temor na comunidade:
— A Abrasel sempre defendeu que a Vigilância Sanitária e as boas práticas são fundamentais para a segurança dos nossos negócios. A fiscalização é essencial para que todos os restaurantes possam atuar dentro da legalidade e da formalidade, o que é fundamental para o desenvolvimento do nosso setor — pontua Dorneles.
Uma exigência da prefeitura para garantir que a legislação sanitária seja seguida, assim como as boas práticas, é a de que todos os estabelecimentos que trabalham com alimentação contem com pelo menos um responsável habilitado em curso de boas práticas em comércio de alimentos. Ele é o elo entre a regulamentação e a prática diária, ficando responsável por assegurar o padrão de higiene do local e treinar o restante da equipe periodicamente.
Conforme a Abrasel, uma parceria existe há cerca de uma década entre a entidade e instituições como Senac e Sebrae para que os empreendedores do setor de bares e restaurantes da Capital possam se capacitar e ofertar um melhor atendimento ao público. A associação também vem trabalhando, nos últimos meses, ao lado da Vigilância para tirar dúvidas e esclarecer sobre o processo sanitário.
— Este ano, após todos os episódios de julho, procuramos a Vigilância Sanitária, fizemos um encontro com os empresários para tirar dúvidas, para esclarecimento sobre os procedimentos. A gente também criou um grupo de trabalho para poder trocar informações e trabalhar com a educação, com a formação do empresário e do colaborador para que a gente possa ter um ambiente ainda mais seguro aqui em Porto Alegre — acrescenta o presidente da entidade.
Como denunciar
- Telefone: 156 ou 136 (24 horas)
- WhatsApp: (51) 3289-2441 ou (51) 3289-2656
- Surtos alimentares: pelo fone 156 ou pelo e-mail alimentos@portoalegre.rs.gov.br
- Site: 156web.procempa.com.br ou ouvprod01.saude.gov.br/ouvidor
- APP: 156+POA, disponível para sistema Android e IOS
- Pessoalmente: Avenida João Pessoa, 325/Térreo, de segunda à sexta das 8h30min às 12h e das 13h às 17h
*Colaboração: Gabriel Dias



