
Os catadores informais, conhecidos por andar pelas ruas carregando resíduos recicláveis nas costas ou em carrinhos, não serão incluídos em programas de empregos formais ou sociais atrelados à Parceria Público Privada (PPP) dos resíduos sólidos em Porto Alegre, que está em fase de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado (TCE). É a última etapa antes do lançamento do edital de concessão e da realização do leilão, previsto para acontecer na bolsa de valores B3, em São Paulo.
A proposta de PPP prevê a inclusão dos cerca de 500 catadores formalizados que já atuam nas 17 unidades de triagem (UTs) contratadas pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e que devem ser mantidas no sistema pelo concessionário. A função dessas cooperativas é receber cargas de resíduos sólidos da coleta seletiva, fazer a separação e comercializar os recicláveis com o mercado privado.
— A gente não consegue incluir na PPP os catadores informais. Já temos a questão dos formalizados, que é uma dedicação de energia e tempo grandes. Vamos melhorar a condição dos catadores formais — afirma o secretário municipal de Parcerias, Giuseppe Riesgo, que lidera a estruturação da PPP dos resíduos sólidos.
Não há um censo oficial, mas estimativas do setor apontam a existência de 7 mil a 11 mil catadores informais em Porto Alegre. Um documento obtido pela reportagem, assinado pela Secretaria Municipal de Assistência Social em agosto, informa que 10.005 famílias da Capital se declaram pertencentes ao grupo de catadores de material reciclável. O dado equivale a 13.920 pessoas, conforme o ofício.
Fora do escopo da PPP, o contigente de informais deverá sofrer reflexos de outra medida: o novo código municipal de limpeza urbana de Porto Alegre, que tramita na Câmara de Vereadores.
A norma define que o DMLU é o titular exclusivo do manejo de resíduos sólidos recicláveis, tendo a prerrogativa de terceirizar parte do trabalho para instituições formais, como cooperativas e empresas.
Pessoas que estiverem circulando pela cidade, transportando cargas de recicláveis de maneira informal, cometerão uma infração gravíssima, passível de multa de R$ 8,3 mil.
O DMLU poderá apreender a carga de recicláveis e vender ou doar para centros de triagem oficiais. Se o catador transportar as mercadorias em um carrinho, o veículo também poderá ser apreendido. As sanções já existem, mas o novo código, além de reafirmá-las, torna as aplicações mais rigorosas ao dar poder de polícia para os fiscais do DMLU e ao exigir o Manifesto de Transporte de Resíduos Recicláveis (MTTR). Um trabalhador informal que estiver carregando latas pela cidade sem o MTTR poderá sofrer a pena de R$ 8,3 mil.
Cadastrar e pedir documentação para o informal é difícil. Criminaliza e tira fora. É o que está acontecendo. São políticas higienistas.
PAULA GARCEZ CORRÊA DA SILVA
Assessora jurídica dos catadores de Porto Alegre
Após as críticas dos últimos dias, aliados da prefeitura de Porto Alegre apresentaram emenda na Câmara de Vereadores para abrandar as penalidades. Pessoas de baixa renda poderão solicitar a conversão da multa em prestação de serviços comunitários. Também há previsão de programas sociais para inclusão dos catadores no mercado de trabalho.

Luciana Paulo Gomes, professora do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Civil da Unisinos, avalia que as restrições previstas no novo código são justificáveis. Ela destaca que a atividade informal degrada as vias públicas.
— O catador pode e deve existir, desde que em locais apropriados. Ele não deve triar o resíduo na calçada, tirando de dentro do contêiner Ele deve ir para uma central de triagem. Existe reclamação de que falta pessoal para trabalhar na esteira porque não querem se adequar e ficar formalizados nas unidades — avalia Luciana.
A professora ainda aponta melhores condições de trabalho nas UTs e possibilidade de maiores ganhos, o que é rebatido por lideranças da categoria.
Paula Medeiros, coordenadora do Fórum Municipal de Catadores e Catadoras de Porto Alegre e presidente da UT Vila Pinto, em Porto Alegre, confirma que é “difícil segurar” cooperativados. Ela aponta a baixa remuneração como principal motivo: em agosto de 2025, os associados da unidade presidida por ela receberam R$ 808,40. É possível ganhar mais catando na rua, opõe Paula, com autonomia sobre horários e modo de atuação.
Educação ambiental
Luciana destaca que o avanço no tratamento dos resíduos sólidos depende de fortes programas de educação ambiental. Esse é um dos eixos da PPP prevista para acontecer na Capital. Ela salienta que os grandes geradores de resíduos sólidos são fiscalizados com legislações próprias e passaram, em geral, por processos de licenciamento em que tiveram de apresentar planos de gerenciamento do lixo.
O pequeno gerador (lixo domiciliar) é a questão. A população deve entregar o resíduo separado de forma correta. Existe consumo exagerado. No mercado, as pessoas pensam o que vai acontecer com as embalagens? Provavelmente, não. Estamos chegando num ponto sem mais alternativas. Teremos de mudar hábitos.
LUCIANA PAULO GOMES
Professora do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Civil da Unisinos
Maior aproveitamento para os resíduos orgânicos
A PPP permite que o concessionário obtenha receitas acessórias, além do que será pago pela prefeitura como contraprestação. Isso significa a possibilidade de transformar o lixo, tanto o reciclável quanto o orgânico, em fonte de renda.
Em setembro, foi inaugurada em um aterro sanitário de Minas do Leão a usina Biometano Sul. É uma iniciativa pioneira no Rio Grande do Sul para transformar o biogás, resultante da decomposição do resíduo orgânico, causador de efeito estufa, em biometano. Essa energia pode mover desde veículos até indústrias. Entusiastas da PPP avaliam que o lixo orgânico vai se fortalecer, paulatinamente, como uma nova economia. A lógica é de que o concessionário fará dinheiro também com esse resíduo. O Brasil, contudo, ainda engatinha na atividade.
— O processo exige investimentos significativos. Somente na planta de Minas do Leão, foram aplicados R$ 150 milhões, montante robusto para tratar um gás que, por muito tempo, foi considerado um problema nos aterros sanitários. Desde 2015, já geramos energia elétrica a partir do biogás, e agora avançamos para a produção de biometano — afirma o diretor da Biometano Sul, Rafael Salamoni.
A empresa pretende inaugurar uma nova unidade no próximo ano, em São Leopoldo.
— O biometano é amplamente reconhecido como o combustível do futuro, uma alternativa limpa e renovável aos combustíveis fósseis. Hoje, ele representa nosso principal agente de transformação energética — enfatiza Salamoni.




