
O ônibus de turismo que pegou fogo após descer desgovernado uma rua do Centro Histórico, em Porto Alegre, no dia 3 de outubro, não teve os freios acionados corretamente, conforme informou a Polícia Civil.
O ônibus levava 57 passageiros, entre professores e alunos, adolescentes de 14 a 17 anos. Eles eram de uma escola de Vacaria, na Serra, e haviam saído de uma visita ao Palácio Piratini, na Rua Duque de Caxias.
O laudo foi finalizado sexta-feira (31) pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). O parecer inclui a perícia completa do local, bem como a dos freios do veículo.
— A conclusão da perícia foi de que o ônibus desceu aquela rua porque não foi acionado efetivamente o freio estacionário. Então, agora a gente quer ouvir novamente o motorista para ver o que ele tem a falar sobre isso. Vamos concluir esse procedimento e encaminhar à Justiça — explica o delegado Carlo Butarelli, responsável pela investigação e titular da Delegacia de Trânsito da Capital.
Em nota, o IGP afirma que o laudo "não aponta falha humana como causa direta do acidente". Segundo a perícia, "única hipótese tecnicamente possível e suficiente para ocorrência do evento foi uma falha mecânica na válvula pneumática localizada junto à alavanca de acionamento do freio de estacionamento".
"O Instituto-Geral de Perícias reforça que suas análises são de natureza técnico-científica, realizadas com base em critérios objetivos e em conformidade com os protocolos oficiais de perícia criminal", diz o comunicado do IGP.
Além do laudo mecânico, outra análise comprovou que o incêndio aconteceu depois que o ônibus bateu em um dos carros estacionados na via. As câmeras de videomonitoramento mostram o momento da colisão.
Detalhes do laudo
O laudo, obtido por Zero Hora, dá detalhes da análise pericial. O texto descreve a dinâmica do acidente:
- O ônibus "havia parado em uma via com acentuada inclinação, estimada em aproximadamente 11° (cerca de 19,4%)";
- A parada aconteceu após "o condutor romper fios de energia elétrica de baixa tensão";
- Em seguida, "após pequenas manobras em marcha à ré, o condutor acionou o freio de estacionamento, porém, não engatou marcha no sentido de estacionar (parar e desligar o veículo) para que pudesse auxiliar na retenção do veículo conforme verificado nos exames periciais mecânicos e nas imagens de vídeo";
- Depois, o motorista "desembarcou pela porta lateral esquerda";
- O laudo afirma que, "logo após o motorista descer do ônibus, este iniciou uma descida descontrolada pela Rua Espírito Santo, vindo a colidir com diversos automóveis estacionados ao longo do lado direito da via";
- O documento aponta que, "aproximadamente 112 metros após o início da descida, o veículo atingiu uma motocicleta e um automóvel, os quais, após serem arrastados por cerca de 18 metros, entraram em combustão";
- "O incêndio subsequente propagou-se rapidamente, atingindo o próprio ônibus e edificações residenciais próximas", descreve o laudo;
- Por fim, o relatório aponta que "os passageiros conseguiram evacuar o veículo por meio da porta lateral direita e de janelas laterais, com auxílio de populares e de outros ocupantes, antes que o fogo se alastrasse completamente".
Fotos anexadas pelo IGP mostram que foi verificado "desgaste acentuado no pino rolete das sapatas de freio de cada roda do eixo de tração". Segundo os peritos, isso "pode reduzir a eficiência do sistema de frenagem, tanto do freio de serviço quanto do freio de estacionamento, no entanto não suficiente para causar uma falha catastrófica".

Na conclusão, o IGP aponta que a descida do ônibus aconteceu em oito segundos. O tempo indica que não houve resistência de rolamento, frenagem ou do uso de motor:
"Conforme verificado na análise das imagens, o intervalo de tempo entre o início da descida descontrolada e a primeira colisão foi de cerca de 8 segundos. Esse valor se mostra compatível com o resultado obtido por meio de cálculos teóricos que consideram o veículo em movimento de rolamento livre, sem resistências de rolamentos, frenagem parcial ou de uso de motor", diz o documento.
"Essa concordância reforça os demais vestígios analisados, indicando que o veículo efetivamente desceu sem o acionamento efetivo do freio estacionário", conclui a perícia.
Investigação
A Polícia Civil apurou que o ônibus tinha mais do que o dobro do peso permitido para circular na região. Segundo o delegado Carlo Butarelli, titular da Delegacia de Trânsito da Capital, o veículo de dois andares pesava cerca de 25 toneladas, incluindo o peso dos 57 passageiros. O limite para trafegar na região, porém, é de até 12 toneladas.
Na região, há placas que sinalizam a proibição de peso algumas quadras antes do palácio, inclusive com orientação para rota alternativa a ser seguida. Após o acidente, a Empresa Pública de Transporte e Logística (EPTC) instalou, também, uma placa que proíbe a descida de ônibus na Espírito Santo a partir da Duque.
O que diz a empresa
Zero Hora entrou em contato com o advogado da empresa Mattes Viagens e Turismo, responsável pelo ônibus, mas não obteve resposta até a atualização mais recente desta reportagem.
Em outubro, o advogado Charles Zamboni afirmou que todas as medidas para indenizar os atingidos após o incêndio estavam sendo providenciadas e que os proprietários de alguns veículos já teriam sido ressarcidos. Em relação aos apartamentos que tiveram prejuízos por conta do acidente, o advogado informou que a empresa seguia em tratativa com as seguradoras e com os proprietários dos imóveis.
Inicialmente, a Brigada Militar contabilizou 10 veículos atingidos pelo ônibus antes de pegar fogo. No entanto, a investigação chegou a um total de 17 veículos envolvidos. Apartamentos de um prédio da Espírito Santo também foram atingidos pelas chamas e fumaça do incêndio no coletivo.
O advogado ainda disse que a empresa está à disposição para custear acompanhamento psicológico aos alunos, bem como já disponibilizou novos telefones celulares e objetos pessoais, como mochilas e roupas, para repor os itens danificados no acidente.






