
É do terraço de um prédio no bairro Bom Fim, na área central de Porto Alegre, que o mineiro Davi Franco Viegas, 21 anos, aprecia a cidade que ele escolheu para viver há dois anos. Em 2023, Viegas foi aprovado no curso de Design de Produto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Antes de desembarcar na capital gaúcha, vivia em São Paulo com sua família e nunca havia passado pela experiência de morar sozinho. Já matriculado, o jovem começou a buscar apartamentos para dividir com outras pessoas em Porto Alegre, como fazem muitos estudantes nesta etapa da vida — porém, a ideia não agradou sua mãe. Após buscas na internet, encontraram um empreendimento recém-inaugurado, cuja proposta os agradou devido à posição do prédio na cidade e pela forma como os processos ocorrem dentro dele.
Viegas mora há dois anos em um "coliving", segmento de morarias que começou a ganhar força no Brasil no final da década passada. São edifícios com apartamentos menores e foco em estudantes. Devido ao tamanho, a maioria das unidades não possui espaço para alguns cômodos, como cozinha e lavanderia. Por este motivo, esses condomínios vêm equipados com fogões e máquinas de lavar nas áreas comuns, que são compartilhadas entre os moradores.
— Aqui, já morei em três tipos de apartamento. Estava em um de uma categoria maior do que o que vivo hoje, mas achei muito grande. Tinha uma geladeira inteira só para mim. Eu nem fico tanto no apartamento, estou sempre na sala de jogos — diz Viegas.
O empreendimento onde o estudante mora fica a cinco minutos do prédio onde ele estuda. Além da proximidade com a faculdade, a escolha da família de Viegas pelo local se deu pela segurança. O prédio tem portaria 24 horas e para acessá-lo é preciso ter cadastro com reconhecimento facial. Entre os espaços compartilhados do condomínio, também há uma sala de cinema, um coworking, uma academia e um salão no terraço.
Fiz muitos amigos desde que me mudei para cá, pessoas que eu talvez não conheceria se morasse em outro local. Tenho um amigo italiano que morava aqui, nos falamos até hoje.
DAVI FRANCO VIEGAS

Distante 10 minutos dali, Giovani Almeida, 30 anos, vive num coliving na Rua Vigário José Inácio, no Centro Histórico. Almeida, que morava em Santa Vitória do Palmar, na Região Sul, precisava de um lugar mobiliado para se mudar em poucos dias após ter sido aprovado num curso de mestrado na UFRGS. O local é mais simples do que o empreendimento visitado pela reportagem no Bom Fim, o que reflete no preço mensal das unidades e no tamanho delas. Lá, até o banheiro é compartilhado entre os moradores.
— Eu precisava de um lugar para me mudar imediatamente. Não tinha tempo de ir atrás de internet, ligação de luz, comprar móveis. Precisava de algo para entrar e morar — conta Almeida.
No início, achei que ficaria meio preso. A vida toda morei em casa ou apartamento próprio. Pensei que não fosse me adaptar, mas foi totalmente o oposto. É como se fosse a casa de uma grande família. Cada um tem o seu espaço, mas tem horas que precisamos conviver.
GIOVANI ALMEIDA
Investimentos na Capital
Em Porto Alegre, a abertura de colivings tem se dado em prédios que já existiam e foram transformados para ganhar nova função. Um caso recente ocorreu no bairro Moinhos de Vento, onde a rede Swan reformou seu hotel na Rua 24 de Outubro com investimento de R$ 4 milhões. Além de manter quartos para hospedagem diária, o prédio agora conta com unidades menores voltadas para moradia de estudantes e jovens profissionais.
Este, porém, foi um investimento fora do padrão da Capital, já que a maior concentração de colivings está no bairro Bom Fim. O motivo, segundo especialistas, é a proximidade com os prédios da UFRGS.
A empresa Uliving, de São Paulo, abriu seu primeiro coliving em Porto Alegre há dois anos. Na época, dois prédios residenciais na Avenida Osvaldo Aranha foram reformados e adaptados para abrigar quartos de 18 a 25 metros quadrados. Depois, um outro edifício foi erguido no terreno ao lado, sendo integrado aos demais espaços.
No empreendimento podem morar apenas estudantes, que precisam apresentar matrícula que os vincule a uma instituição de ensino. A eles, são oferecidos três tipos de apartamentos: studio individual (com copa, frigobar e pia de cozinha), studio compartilhado (igual, mas com duas camas) e apartamentos compartilhados (com sala, cozinha e quartos com banheiros individuais). O preço do aluguel varia de R$ 1,6 mil a R$ 2,9 mil, além de ser cobrada uma taxa mensal do condomínio.
— É o primeiro contato do jovem fora da casa dos pais, com nível de independência e responsabilidades maiores. Uma fase importante na vida dessa pessoa. Criamos comunidades em nossos empreendimentos. Fazemos eventos mensais para promover esse ambiente que existe para além da nossa gestão — diz o CEO do Uliving, Ewerton Camarano.
Além do Bom Fim, o Centro Histórico é outro bairro com grande concentração de colivings. Eber Pires Marzulo, professor da Faculdade de Arquitetura e da pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) diz que isso ocorre em razão da proximidade com os prédios das faculdades, mas também por causa da oferta de prédios desocupados no bairro.
Em 2018, a empresária Gabriela Cunha reformou uma clínica abandonada no Centro Histórico e a transformou em um coliving. Essa foi a primeira unidade do Rent Coliving, empresa gaúcha que hoje tem mais duas casas no Centro, três no Bom Fim e uma no Floresta — todas em prédios históricos. O valor do aluguel nelas varia de R$ 990 a R$ 1,9 mil, já com a taxa de condomínio inclusa.
A reportagem visitou a unidade do Rent na Rua Vigário José Inácio. Assim como no prédio da Uliving, a casa tem ambientes compartilhados, como lavanderia, cozinha e área de estudos, mas tudo em escala menor. São 30 quartos no total, sendo que metade não tem geladeira ou banheiro próprio. Quem mora nessas unidades divide pia e chuveiro com outros moradores. Nas geladeiras da cozinha compartilhada há marcações para delimitar a prateleira de cada andar do prédio.
— Há regras que precisam ser seguidas, como retirada do lixo e o dia de uso da lavandeira para cada quarto. Temos poucos moradores que não são estudantes. Uma senhora de mais de 70 anos começou a estudar depois que veio morar aqui, inspirada pelos vizinhos. Fez o caminho inverso — diz a CEO do Rent Coliving, que pretende abrir mais uma unidade da rede no bairro Bom Fim.
Aposta do setor
As unidades de colivings em Porto Alegre costumam partir de 16 metros quadrados, similar a de alguns studios, categoria de apartamentos pequenos e com espaços integrados. Este segmento de moradia foi o mais lançado pelas construtoras na Capital nos últimos quatro anos, conforme levantamento do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS).
Claudio Teitelbaum, presidente do Sinduscon-RS, diz que esta opção de moradia é desejada por investidores, que as compram para alugar a estudantes e jovens profissionais.
— Essa tendência é claramente associada ao comportamento das novas gerações, que buscam soluções habitacionais mais compactas, flexíveis e integradas ao estilo de vida urbano. Em uma cidade como Porto Alegre, a demanda tende a se manter firme, especialmente em áreas centrais e próximas a polos de conhecimento e mobilidade — avalia Teitelbaum.
De acordo com o Censo da Educação Superior 2023, do Ministério da Educação (MEC), cerca de 9,9 milhões de estudantes estavam matriculados em cursos de graduação no Brasil naquele ano. Um levantamento feito por empresas do segmento de colivings diz que 30% desse montante é formado por estudantes que precisam sair de suas casas para estudar, pois foram aprovados em faculdades localizadas em outras cidades ou Estados.
Somado a este fato, o fechamento de residências estudantis no Rio Grande do Sul, bancadas por governo federal, estadual e municipal, fez com que esta lacuna do mercado ficasse ainda maior.
O MEC detalhou que hoje há apenas quatro Casas do Estudante em Porto Alegre para alunos da UFRGS, onde moram 361 estudantes. A mais antiga delas, na Rua Riachuelo, foi desativada em 2019.
Mesmo com poucas casas à disposição, o governo federal paga um auxílio a estudantes de baixa renda, que podem usá-lo para aluguel em outros imóveis, como os próprios colivings.
O professor Eber Marzulo, da UFRGS, diz que o segmento de colivings cresceu desde a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), plataforma que permite a seleção de estudantes para instituições públicas de ensino superior usando a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
— Vem de um movimento das últimas duas décadas de aumento do acesso às universidades. Por esse motivo, muita gente se muda de outras cidades ou Estados para estudar. Em vez de ter uma adaptação das antigas repúblicas, que ainda existem, onde jovens dividem apartamentos entre três, cinco pessoas, o mercado imobiliário decidiu ele mesmo produzir prédios com esse perfil, com espaços compartilhados — analisa o professor, que completa:
— Os jovens estão trabalhando mais e estendendo seus estudos, fazendo pós-graduação, mestrado, doutorado. Esse movimento também se reflete nas mudanças tecnológicas. As pessoas podem trabalhar no seu local de residência. Se tu produz um produto mais barato e com áreas comuns que atendem a essa demanda, isso vai atrair público. É algo que vai ficar, mas se adaptar de acordo com as necessidades desse grupo.



