Atendimento olho no olho. Mais célere e humano. Sem formalidade. Um lugar em que a pessoa chega carregando um problema e encontra um juiz e um defensor público prontos para ajudar. Um processo pode ser resolvido na hora. No entanto, caso a situação não seja solucionada naquele momento, a pessoa não sairá sem orientação. Um trabalho "essencial para a periferia".
É assim que a Justiça Itinerante, um projeto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), é definida por quem a faz funcionar e por aqueles que buscam ajuda no ônibus azul estacionado na rua.
Criado em fevereiro do ano passado, o projeto realizou 4,3 mil atendimentos até 31 de julho de 2025. A ideia é simples: que moradores de regiões carentes e com dificuldade de acesso a fóruns sejam atendidos dentro de um ônibus equipado com computadores e sala de audiência.
— Foi um ano produtivo. É extremamente importante, neste momento em que estamos falando de Inteligência Artificial, de tecnologia, que a gente tenha esse olhar humano e possa estar diretamente ligado a essas pessoas. Onde uma pessoa vai conseguir chegar e ser atendida na hora por um magistrado, um defensor público e ter naquele dia mesmo as suas coisas resolvidas? É uma Justiça célere — destaca a desembargadora Gisele Anne Vieira de Azambuja, gestora do Projeto Estratégico do TJ-RS Judiciário Solidário.
O projeto começou no bairro Belém Novo, na zona sul de Porto Alegre, em fevereiro de 2024. Foi interrompido por causa dos efeitos da enchente. Até mesmo o ônibus usado para os atendimentos acabou atingido pela água. O serviço foi retomado em julho de 2024 em um CTG até que o veículo estivesse recuperado.
Não existe Justiça justa, se não for célere
GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA
Desembargadora
— A figura do ônibus é familiar para as pessoas. Todo mundo que entra, fica impressionado: "puxa, que bacana". Tem gente que vem só de curioso. E as pessoas saem satisfeitas. É uma forma fácil de falar com um juiz. Quando trabalha assim, o Judiciário passa a ter uma visão local e entender aspectos da comunidade. Isso mexe com a instituição como um todo, passamos a ter outro olhar. Uma coisa é o que papel mostra, outra é o que a realidade mostra — analisa a juíza Patrícia Antunes Laydner, que atua no projeto desde o começo.
Patrícia trabalhou no Belém Novo até meados de junho. Com a ampliação do serviço para a Zona Norte, a magistrada mudou de posto. No bairro Santa Rosa de Lima, o trabalho ainda está engrenando, pois a procura depende de as pessoas saberem o que podem buscar.
— Primeiro, foi preciso entender o tipo de serviço. Começamos a avaliar o motivo de a procura ser baixa. São vários fatores, como, por exemplo, a questão das facções. Muitas vezes, as disputas impedem que pessoas de uma parte do bairro transitem por outra região. Outro ponto é o fato de o local não ser tão central no bairro. Chegamos até a pensar em mudar o ponto de instalação. Mas depois, começou a funcionar e é essencial para a periferia — explica Maria de Fátima Cardoso do Rosário, da Associação de Moradores da Grande Santa Rosa.
— A gente conversa sobre as necessidades, as demandas da comunidade. A Justiça está muito digital, mas nem todo mundo tem acesso à tecnologia. Temos uma grande massa de excluídos digitais que se atrapalha para utilizar todo esse sistema. E a gente acaba sendo um lugar para ajudar as pessoas com isso — afirma a magistrada.
TJ vai ampliar serviço
— Tu vês as pessoas chegando carrancudas, com aquele litígio, e depois saindo com a solução. Isso nos realiza como profissionais do sistema de Justiça. É recompensador. A gente consegue fazer Justiça olho no olho, consegue conversar e ouvir.
Esse é o sentimento do juiz José Luiz Leal Vieira, que começou em junho o trabalho no bairro Belém Novo. Na manhã de 7 de agosto, a primeira audiência envolvia o impasse entre um idoso que teve o celular furtado e bancos. A partir de aplicativos, criminosos não só transferiram valores como fizeram empréstimo parcelado. O total do prejuízo foi de R$ 7 mil. Antes de chegar ao Justiça Itinerante, o idoso, de 79 anos, perambulou em busca de solução.
— Aqui o atendimento é muito bom — disse ele após sair de uma audiência na sala com ar-condicionado e vista para o Guaíba.
Me emociono. Acho que essa é a jurisdição mais bonita que a gente faz. Não podemos ficar encastelados dentro do gabinete sem olhar o próximo.
GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA
— O objetivo é essa aproximação do Judiciário com as pessoas que têm dificuldade de acessar um fórum. Não só acessar, mas de entrar e encontrar o que precisa. No ônibus isso acaba sendo mais fácil — diz o magistrado.
Com a avaliação positiva do trabalho, a meta é ampliar o atendimento. Segundo a desembargadora Gisele, a presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul autorizou, em agosto, a compra de mais dois ônibus: um deve permanecer em Porto Alegre e outro, fazer atendimento itinerante pelo Interior.
Como funciona
O projeto atende à população como se fosse uma unidade da Justiça que se desloca do fórum para o bairro. Nele podem ser ajuizadas ações, realizadas audiências de conciliação, ouvidas testemunhas, assim como feitos julgamentos.
Os casos mais recorrentes são da área de família — como pedidos de pensão e discussão de guarda de filhos — e os de competência do Juizado Especial Cível, como problemas em compras e dívidas. A procura por certidões, que são emitidas pelo cartório de registro civil, e pelos serviços da Justiça Eleitoral também se destacam entre as demandas.
O projeto não atende a casos criminais, mas quem precisar de informação desse tipo de processo, pode ir até o ônibus. Para qualquer dúvida, o serviço está acessível.
Assuntos que podem ser tratados :
Direito Civil
- Ações envolvendo direito do consumidor (problemas com transporte aéreo e rodoviário, compras de bens que não foram entregues ou que apresentaram defeitos, contratos de empréstimos contraídos mediante fraude ou golpe, disputas com concessionárias de energia, água, assim como empresas de telefonia, desacertos nas compras de pacotes de turismo, dentre outros. Também desacertos em contratos, pedidos de indenização por danos morais, acidentes de trânsito e contratos de locação, dentre outros.
Direito de Família
- Ações de divórcio, pedidos de pensão alimentícia, pedidos de guarda de filhos menores, pedido de direito de visita a filhos.
Outros serviços
- A Justiça Eleitoral (emissão de título de eleitor, regularização do cadastro eleitoral e outros) e os Cartórios de Registro Civil (emissão de 2ª via de certidão de nascimento, de casamento) também atendem nos locais, em revezamento, ou seja, cada semana é um serviço que está no local.
O ônibus se instala nas comunidades com parcerias para ter espaço para a Defensoria Pública atuar. O Ministério Público também faz parte do projeto, além de advogados voluntários.
Todos os serviços são gratuitos.
Endereços
- Zona Norte: todas as quartas-feiras, das 9h às 15h, na Rua Tarcila Moraes Dutra, 799, no bairro Santa Rosa de Lima, ao lado do Centro Assistencial Paz (CAPAZ).
- Zona Sul: todas as quintas-feiras, das 9h às 15h, na esquina da Avenida Beira Rio com a Avenida Desembargador Melo Guimarães, em frente à Subprefeitura Extremo Sul da Capital, em Belém Novo.



