
Quando se fala no Edifício Santa Cruz, situado na Rua dos Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, é impossível não mencionar seus 107m de altura. Com uma vista privilegiada para pontos turísticos, como a Praça da Alfândega, a Catedral Metropolitana e o Guaíba, é o prédio mais alto da cidade.
Esse posto, no entanto, está em xeque, já que projetos para construções mais altas foram aprovados, e o Plano Diretor de Porto Alegre deverá flexibilizar o regramento de futuras edificações, prevendo até 130m de altura.
A reportagem de Zero Hora visitou o Santa Cruz para saber como moradores e funcionários veem a perda da condição de mais alto da cidade e conhecer sua imensa estrutura em 32 pavimentos (sem contar os dois subsolos), que inclui apartamentos e operações comerciais.
Como é a estrutura
Aos 78 anos, o síndico Vitor Hugo Ostrowski mora no 27º andar. Entre idas e vindas, já são 30 anos nessa função. Tarefas não faltam para manter um gigante de aço que necessita do trabalho de 30 funcionários, de uma portaria 24 horas e de uma receita de manutenção de R$ 400 mil mensais.
— As atividades comerciais ocorrem do térreo ao 24º andar. E do 25º ao 31º ficam os apartamentos residenciais. O maior movimento é das 8h às 19h — diz.
Segundo o síndico, o Santa Cruz conta com 27 apartamentos, todos com calefação, e abriga em torno de 400 operações comerciais. Com obra concluída nos anos 1960, o prédio tem atualmente salas ocupadas pelo governo estadual, Caixa Econômica Federal, Sindilojas, tabelionato, laboratório, costuraria, advogados e outros estabelecimentos.
A estimativa é de que aproximadamente 80 pessoas morem no local e outras 4 mil circulem diariamente por lá. Uma curiosidade é que existe uma pessoa encarregada de fazer as compras para os moradores.
— Além do prédio ser o maior, temos que deixá-lo melhor. É muita responsabilidade — afirma Ostrowski.

Quatorze elevadores
Os números para manter a estrutura impressionam. O edifício tem 14 elevadores com capacidade para 16 pessoas em cada um. Sete caixas d'água e um reservatório com 500 mil litros abastecem os moradores e trabalhadores.
Na enchente de 2024, o prédio chegou a fornecer água para a vizinhança, mas precisou ser evacuado e teve os dois subsolos inundados. Nesses espaços, localizados a 12m abaixo do nível da calçada, ficam o gerador e toda a parte elétrica. Não há estacionamento no imóvel.
Em um lugar tão grande, histórias curiosas não faltam. Ostrowski revela uma delas:
— Morou aqui um cônsul da Alemanha que costumava se exercitar nas escadas. Subia e descia correndo. Quem sofria era o segurança, que precisava correr junto (risos).
O que se enxerga do alto

Do 32º pavimento é possível ver a Catedral Metropolitana, o Centro Administrativo do Estado, o Estádio Beira-Rio, a chaminé da Usina do Gasômetro, o calçadão da Rua da Praia, a Praça da Alfândega e o prédio do Banrisul.
— Se fizessem um restaurante aqui em cima, pagaria todo o valor do condomínio — brinca o síndico.
Já do terraço anexo ao salão de festas, voltado para a Rua Sete de Setembro, vê-se o Guaíba, parte dos armazéns do Cais do Porto, a Ilha do Pavão, outras mais distantes, a cobertura do Mercado Público e a Arena do Grêmio.
"É um prédio épico", diz trabalhadora
Claudia Caleffi, 62 anos, trabalha há cerca de 30 anos na edificação. Já saiu e decidiu voltar. Nos últimos oito anos, atua no setor financeiro de um escritório de advocacia no quinto andar. Ela não esconde o orgulho de passar grande parte do dia em um símbolo da Capital.
— Este é um prédio épico. É de uma época em que nem as Torres Gêmeas existiam (os edifícios do World Trade Center, de Nova York, derrubados por ataques terroristas em 11 de setembro de 2001) — afirma.
Sobre a possibilidade de o prédio perder a condição de mais alto de Porto Alegre, Claudia não se perturba:
— Para mim, pode ter dois, três, quatro, cinco mais altos do que ele. O Santa Cruz é ponto de referência de Porto Alegre.
O edifício também tem acesso pela Rua Sete de Setembro, mas a funcionária explica por que prefere estar no lado voltado para a Rua dos Andradas:
— Temos o Planeta Atlântida e o Planeta Andradas. Tem gaiteiro, violinista, o cara da flauta, o maluco que fica cantando. Optei por vir para a frente justamente pela bagunça, porque curto uma bagunça.
O advogado Rodolfo Souza, 47, que é o chefe de Claudia, ressalta o significado do Santa Cruz para a rotina da cidade:
— É um bairro à parte. Todo mundo usa o prédio como referência. É um minimundo dentro do Centro.
O responsável pela manutenção
Vanderlei Gomes Souza, 70, trabalha no Santa Cruz desde 1972. Após mais de meio século, conhece todos os espaços em detalhes. Saiu, voltou e atualmente é o responsável pela manutenção do prédio.
— Temos sistema de água quente para os apartamentos. No inverno, tem aquecimento com caldeira a diesel — relata.
Como há um gerador de eletricidade no subsolo, quando ocorre falta de luz, os elevadores, luzes dos corredores e das subestações seguem em funcionamento.
Mas, afinal, qual seria o imprevisto mais comum em um lugar tão amplo?
— Vazamento de água é semanal — relata.
"Vista maravilhosa", diz morador

O funcionário público Celso Prauchner, 65, escolheu para viver um amplo apartamento do 29º andar, com uma deslumbrante vista para o Guaíba. Lá de cima, enxerga a cidade por outros ângulos, como a cobertura do Mercado Público. E desfruta de um grande silêncio, que contrasta com o intenso movimento de carros e pessoas tão distantes de seus olhos.
— Morava antes em uma casa na Zona Sul mas, devido ao problema de mobilidade, resolvi morar no Centro. Tive a oportunidade de conhecer um apartamento aqui e me apaixonei por esta vista maravilhosa — conta Prauchner, que vive há 15 anos no edifício.
Conforme o morador, residir na região central oferece uma série de comodidades, como ter supermercados e farmácias por perto, assim como poder ir a pé ao trabalho.
— Não tem garagem (no prédio), mas nem é necessário usar carro. Transporte público e carro por aplicativo são muito fáceis de pegar aqui no Centro — observa.
Prauchner elogia a administração e os funcionários do local, além da estrutura oferecida:
— Tem uma calefação que é difícil de encontrar em outros prédios. Nem mesmo alguns modernos têm esse tipo de comodidade.
Acerca da possibilidade de o edifício deixar de ser o mais alto da Capital, ele não se preocupa:
— Se tiver mais prédios maiores, aí é uma questão de vaidade. Não é tão relevante para mim. Mas eu gosto de morar no Santa Cruz.



