
A Rua dos Andradas — uma das mais tradicionais do comércio de Porto Alegre — mostra sinais de recuperação. Nos últimos seis meses, a via ganhou 15 novas operações, com destaque para empreendimentos da área de gastronomia.
O levantamento é de Zero Hora. Em fevereiro, a Andradas tinha 46 pontos para lojas, na calçada, desocupados. Comerciantes atribuíam, então, a saída de marcas aos altos preços dos aluguéis, ao atraso da obra do Quadrilátero Central, que atrapalhava o fluxo de pedestres, à concorrência com o e-commerce e à redução no movimento do Centro, motivada pelo crescimento do teletrabalho.
Passados seis meses, 15 novas marcas são vistas na rua. Neste período, porém, duas salas que antes estavam ocupadas foram esvaziadas. Com isso, em agosto de 2025 são 33 as lojas vazias.
Segundo o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas-POA), as aberturas na rua se devem a dois fatores.
— Está acontecendo uma retomada geral do Centro. Parte se deve ao fim das obras de revitalização do Quadrilátero Central. Tinha muita movimentação de máquinas. O fim do serviço deu uma sinalização para quem queria fazer investimentos maiores na rua. Quem estava segurando, começou a tirar os projetos do papel — diz Victor Pires, assessor para assuntos governamentais do Sindilojas-POA.
O segundo elemento da retomada, segundo Pires, foi a renegociação de valores de aluguéis. Segundo ele, o preço mensal de grandes salas na rua baixou após a publicação da reportagem sobre o esvaziamento da região. Quem também faz esta avaliação é o empresário Edemir Simonetti, diretor do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre (Sindha) e dono de restaurantes no Centro Histórico.
— Deu luz a um problema que estava crescendo. Mesmo assim, nos últimos anos, um polo gastronômico começou a se formar entre a Usina (do Gasômetro) e a Rua Caldas Junior. Hoje, é um dos lugares com mais opções de restaurantes na cidade. Agora, estamos vendo esses negócios preencherem outras partes da rua. É um novo ciclo da Andradas — diz Simonetti.
A confeitaria Dolce Gusto, inaugurada há três meses, é um exemplo desse movimento. Ela foi instalada em um grande imóvel próximo à Rua Doutor Flores — em uma quadra onde não há concorrentes diretos a esse tipo de negócio. Antes, o espaço abrigava uma "loja de R$ 1,99" (segmento que não existe mais com esse nome).
— Os comerciantes chamavam aqui de "quadra vazia". Depois que vi o projeto arquitetônico para essa loja, bati o pé de que seria nessa loja. Acreditamos na rua e no nosso produto. Nessa quadra não tinha nada de gastronomia, só o Burger King. Todo mundo dizia para irmos para o Moinhos de Vento ou o Bom Fim. Mesmo assim, optei pelo Centro — diz o proprietário da unidade, Luciano Berwig.

O empresário confiava no ponto porque já tinha experiência: foi sócio de uma confeitaria na Andradas e, após sair da sociedade, decidiu apostar na franquia, na mesma rua. A Dolce Gusto foi criada há 52 anos em Bento Gonçalves, onde possui três lojas.
Também da serra gaúcha, a Dauper abriu uma loja em frente à Dolce Gusto, onde vende bolachas, cookies e alfajores. Criada em 1988, a empresa tem indústria em Canela. Começou fornecendo para o McDonald's, quando a rede chegou ao Rio Grande do Sul, justamente com um ponto na Rua dos Andradas. Depois, passou a produzir para outras grandes marcas, como Nestlé, Kellogs, Hershey's e Cacau Show.

Agora, a Dauper quer se expandir com sua própria marca. Primeiro, inaugurou uma loja em Canela para apresentar os produtos ao consumidor final. Quando quis vir para a Capital, o sócio Lucas Peres escolheu o ponto na Andradas pela visibilidade e pelo fluxo de pedestres:
— Tem um público bem legal. As pessoas falam que está abaixo do que já foi, mas estamos bem contentes. A expectativa era de que começasse devagar, mas em pouco tempo o fluxo já está muito bom. Às vezes, as pessoas trazem mais do mesmo para cá e esperam um bom movimento. Mais uma ótica, mais uma loja de roupas. No fim, acabam disputando o mesmo cliente — diz Lucas, que abriu a loja em uma espaço onde funcionava uma loja de roupas.
Nessa mesma quadra, a Andradas ganhou recentemente uma agência do banco BMG. Um outro ponto está em obras para receber uma loja de bolsas e calçados nas próximas semanas.
"Dança das cadeiras"
Apesar da abertura de novas lojas, a Andradas também teve fechamentos nesse último semestre. A Belshop, de cosméticos, acaba de encerrar a operação da unidade que tinha em frente ao Edifício Santa Cruz; e a Panvel também fechou a farmácia que tinha na esquina com a Avenida Borges de Medeiros.
No entanto, as duas marcas seguem com lojas em outros pontos da Andradas. A Panvel tem duas: uma na esquina com a Marechal Floriano Peixoto e outra no térreo do Edifício Santa Cruz; e a Belshop permanece com operação em frente à Galeria Chaves.
Em outra época, era comum que grandes marcas tivessem mais de uma loja na Andradas. Já foi o caso da Marisa, que fechou em 2023 uma das suas duas unidades; e da Multisom, que deixou de ter operação física depois que foi comprada por um grupo de Santa Catarina.

Empresário e corretor de imóveis no Centro Histórico, Kleber Sobrinho diz que a Andradas é a nova queridinha das empresas. Um caso recente é o da Vivo, de telefonia, que transferiu a loja que tinha Rua Uruguai para um prédio inteiro no número 1.512 da Andradas.
— Houve uma dança de cadeiras de estabelecimentos mudando de lugar no Centro. A Andradas está ganhando nova vida com esse movimento. A gente já viu isso em outras regiões da cidade. Os bares da Padre Chagas foram para a Rua Nova York. O comércio acaba buscando os melhores ambientes.
Além da Vivo, o Banrisul também voltará a ter agência na Andradas. A inauguração do espaço ocorrerá nos próximos dias, em um grande ponto onde antes havia uma operação da Casa Maria — que foi transferida para o antigo imóvel da Livraria do Globo, na mesma rua.
Antes da pandemia, o Banrisul tinha uma agência na última quadra da Andradas, entre a Doutor Flores e Senhor dos Passos. Esse segue sendo o trecho da rua com mais lojas desocupadas, com 14 pontos vazios. Há dois meses, eram 15, pois a Ótica Laura abriu recentemente uma unidade nessa parte da via.
Segundo dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS), o Centro Histórico, como um todo, tem sofrido com fechamentos de lojas. De 2019 para cá, o número de espaços vagos no bairro mais do que dobrou. Enquanto o preço médio do aluguel no bairro subiu 20% — passando de R$ 40,96 para R$ 49,33 pelo metro quadrado.
Presidente do Secovi-RS, Moacyr Schukster, diz que o esvaziamento de pontos comerciais não se restringe ao centro de Porto Alegre. Ele cita como exemplos as avenidas Farrapos e Assis Brasil, que também estão com dezenas de espaços desocupados.
— A economia do país não está ajudando. Essa questão de lojas vazias atinge praticamente toda a cidade, e não somente a Rua da Praia. Há uma espécie de falta de confiança do empreendedor e que deriva justamente da questão econômica. Nós estamos passando por uma situação muito complicada.
Ainda assim, no caso da Andradas, Schukster acredita que mais espaços serão ocupados nos próximos meses:
— É uma recuperação lenta, mas que tende a continuar. À medida que o tempo vai passando, os empreendedores vão ficando mais confiantes. O Centro Histórico seguirá sendo um ponto importante da cidade. A prefeitura está fazendo esforços tornar essa parte da cidade mais atrativa — completa o presidente do Secovi-RS.

Gastronomia domina aberturas
Quanto mais se avança em direção à Orla, mais surgem novos negócios — quase todos de gastronomia. A única abertura que não é desse segmento foi a da Natura, que inaugurou uma loja de cosméticos na entrada do Rua da Praia Shopping, onde antes ficava a Paquetá, de calçados.
Os frequentadores da Praça da Alfândega ganharam novas opções para comer doces. Uma delas é a tradicional confeitaria Maranghello, que transferiu sua loja do bairro Menino Deus para um ponto na Rua dos Andradas, onde há anos funcionou um Subway.
Perto dali, a aposentada Analice Tonello abriu com seu marido uma loja especializada em donuts. A filial da Dóffee Donuts & Coffee, marca de Curitiba, fica no térreo do prédio do Clube do Comércio. Por dia, o negócio atende 120 pessoas, segundo a empresária.
— Meu marido se aposentou no final do ano passado e não queríamos ficar em casa parados, sem fazer nada. Quando decidimos abrir a franquia, andamos Porto Alegre inteira procurando lojas. Achamos esse ponto na frente da praça, tem muita visibilidade. Não passa carros, então tem bastante fluxo de pedestres. Estamos bem contentes — diz Ana.
Passando a Rua Caldas Júnior, fica cada vez mais difícil de achar um ponto vago na Andradas. A maioria já abriga algum bar, cafeteria ou restaurante. Entre as aberturas recentes, está a da padaria Pão & Maria, que instalou, em um prédio de 1907, sua segunda loja no Centro Histórico. Outra novidade é a confeitaria Cantina, bem perto da Orla, que além de vender doces e salgados, tem xis no cardápio.
Em breve, este trecho da Andradas ganhará mais uma novidade: a galeteria Famiglia Lando, que está reformando um palacete de 1914. Com investimento que passa de R$ 1 milhão, o restaurante terá dois ambientes: no primeiro piso funcionará a galeteria, e no segundo, um pub.
Presença de ambulantes
A Rua dos Andradas tem muitos ambulantes nas calçadas. O trecho com mais "camelôs", como são popularmente chamados esses vendedores, fica entre a Rua Marechal Floriano Peixoto e a Praça da Alfândega. No chão, eles expõem principalmente roupas e eletrônicos.
O problema é antigo, e a prefeitura prometeu resolvê-lo após o fim da obra do Quadrilátero Central. Porém, mesmo com a reforma concluída e o mobiliário urbano já instalado, o comércio irregular segue forte nas calçadas — e tem até aumentado, afirmam empresários dos arredores.

A prefeitura diz que fiscaliza e retira os ambulantes da rua, mas que entre os que atuam na Andradas há indígenas e, nestes casos, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) precisa providenciar a realocação deles.
Uma das propostas da prefeitura é construir um espaço exclusivo para os indígenas venderem seus produtos na Rua José Montaury. Uma reunião foi realizada recentemente com o Ministério Público Federal para tratar do assunto.





