
O pescador e mecânico náutico Lauri Goettems, mais conhecido como Neni do Lami, 45 anos, tornou-se um dos moradores mais populares do bairro situado na região do extremo sul de Porto Alegre. Durante a enchente de maio de 2024, o catarinense de Mondaí enfrentou a forte correnteza do Guaíba com a lancha "Sucuri do Lami" para resgatar flagelados e levar mantimentos para comunidades isoladas.
O resgatista estima que, no ano passado, tenha salvado pelo menos 16 pessoas em barcos perdidos e até virados. Além dos resgates, a lancha foi utilizada em viagens para entrega de alimentos.
— Não sei como não morri na enchente — afirma Neni, um ano após a cheia histórica, em frente à casa onde vive há 18 anos, na Avenida Beira-Rio, no Lami.
O barco de Neni, herói na enchente, agora precisa de um motor novo para seguir em ação.
— Pode ser até um motor estragado. Conserto barcos e saberei consertar o motor — assegura Neni.
Batismo inspirado em novela
O nome da lancha à espera de conserto teve como inspiração o Velho do Rio, ou Joventino Leôncio, personagem interpretado por Cláudio Marzo na novela Pantanal, exibida em 1990 pela Rede Manchete. No remake feito pela TV Globo em 2022, Osmar Prado viveu o Velho do Rio, que, na trama, transformava-se em uma sucuri.
Com cinco metros de comprimento, o barco foi construído em fibra e conta com cerca de 80 garrafas pets de cinco litros, localizadas na parte não visível de sua estrutura. A lancha tem capacidade para transportar ao menos seis pessoas. O tanque comporta 40 litros de gasolina.

No ano passado, os ventos e a correnteza eram desafios para a "Sucuri do Lami", construída pelo próprio Neni.
— Na ilha do Morro da Formiga, tinha um pessoal ilhado, porque não tinha como chegar, só de embarcação. Ficaram isolados. Eu pegava mantimentos aqui e levava para os quatro moradores fixos daquela vila de pescadores — conta.
Nas operações, o barco mostrou-se tão versátil quanto seu dono e piloto.
— O mais difícil era a correnteza, que acabou com a minha lancha. Meu motor estourou, e a lancha furou toda — relata o pescador, que costuma pegar bagres e tainhas com redes.
Novamente envolvido com flagelados
Um ano após a pior tragédia climática do Rio Grande do Sul, Neni está novamente envolvido em levar mantimentos para quem precisa. As chuvas dos últimos dias alagaram vários pontos do Lami. O resgatista não teve alternativa vendo o sofrimento de tanta gente que conhece. Colocou o macacão estilo jardineira, pegou outra lancha e partiu em direção a destinos onde poucos aventuram-se em função dos inúmeros bancos de areia do Guaíba.
— Pensei que a enchente não ia vir de novo e está vindo. A água está no limite. Salvamos todo mundo que deu da beira da praia, cachorros e ninguém morreu — compartilha Neni.
A comunidade do Lami criou no WhatsApp o grupo "De olho no que sobrou", que conta com 467 integrantes. Pelo canal, Neni fica sabendo de quem precisa de ajuda e mantimentos.
Na época da cheia de 2024, eram servidos 750 almoços por dia no barracão. As doações vinham da Cozinha Solidária do Lami e até da World Central Kitchen (WCK), organização não governamental e sem fins lucrativos que fornece ajuda alimentar. O resgatista destaca que a Brigada Militar deu suporte para a manutenção da ordem na região durante aqueles difíceis dias.
Moradores do bairro perderam suas casas
A inundação foi impiedosa com a antiga casa de madeira de Neni, localizada às margens do lago. Na época, só o telhado restou após a água destruir a moradia e os móveis. Em função disso, precisou morar em um pequeno barracão erguido na Estrada Otaviano José Pinto. Neste local improvisado, que ainda funciona, eram armazenados os mantimentos que seriam levados para as vítimas das cheias. E ali eram servidas as refeições para quem não tinha mais nada, além das roupas do corpo.
Neni pôde voltar para casa há cerca de três meses. Para construir a moradia nova, agora de alvenaria, o pescador precisou de R$ 42 mil. Endividou-se com uma madeireira, para a qual ainda deve R$ 30 mil, com o objetivo de voltar para o lar, onde vive com o filho Maicon dos Santos Goettems, 16 anos. Os amigos ajudaram na reconstrução da casa, ora doando tijolos, ora colocando as mãos na massa.
O cozinheiro Endrew Silva de Oliveira, 33 anos, tinha uma lancheria bem ao lado da casa de Neni. Perdeu o estabelecimento e precisa viver na casa da sogra até a situação melhorar. No barracão, ele auxilia no preparo dos alimentos.
— Hoje, ainda moro de favor e estou trabalhando de porteiro — menciona o cozinheiro.
O aposentado Paulo Sidney Silveira da Luz, 55 anos, vivia de aluguel em uma casa perto de Neni. O imóvel foi destruído e o jeito foi procurar um canto para dormir no barracão.
— Vou ficar no barracão enquanto der — planeja.
Na quarta-feira (2), os três amigos estavam de olho nas águas agitadas do Guaíba. À espera de conserto, a lancha "Sucuri do Lami" atraía os olhares como se representasse o símbolo de uma vitória. Ninguém morreu nos tantos resgates dos quais a embarcação participou.
— Quem ajudou o Lami foi o povo daqui mesmo — conclui Neni.
Como ajudar
Quem quiser auxiliar pode entrar em contato com o pescador pelo telefone (51) 99564-5834.