Patrimônio cultural do Rio Grande do Sul e importante ponto turístico da Capital, o Jardim Botânico tem recebido cada vez menos visitantes. Localizado em uma movimentada via da cidade, a Terceira Perimetral, o parque, que já chegou a receber 64 mil pessoas, em 2017, nunca mais alcançou esse patamar. Em 2024, foram 22 mil, segundo dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), o que representa redução de 65% em relação ao pico de visitações (veja os números, ano a ano, no infográfico).
Bem conservado, com jardinagem e passeio em dia, a queda na visitação é atribuída em consenso entre funcionários dos setores do Jardim Botânico — museu, vendas, pesquisa, administração — a fatores relacionados à falta de divulgação, que passaria por redução nos investimentos e se refletiria em possível desinformação do público sobre o funcionamento do parque.
— Queria que fosse mais divulgado, que tivesse mais pessoas visitando. Às vezes, a gente pega carros de aplicativo para vir para cá, e os motoristas nunca tinham vindo — lamenta a pesquisadora de doutorado do setor de paleontologia Nicole Luiz Souza, 27 anos.
Com a extinção, em 2018, da Fundação Zoobotânica (FZB) — antiga administradora do local, que foi incorporada à Sema —, os recursos e a autonomia do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, que fica dentro do espaço, foram reduzidos.
O número de funcionários, por exemplo, diminuiu. E a comunicação nos perfis próprios do Jardim e do Museu no Instagram é gerida por um engenheiro agrônomo e uma pesquisadora.
Faltam sinalização e guias
Quem caminha pela sombra das árvores muitas vezes não sabe que anda ao lado de espécies raras, nativas, exclusivas de determinadas regiões e até em ameaça de extinção. Isso porque a maioria das plantas carece de placas identificadoras ao lado das raízes.
Há apenas um QR Code disponível perto da recepção, que leva a um mapa ilustrado. Na entrada do Jardim Botânico, inclusive, ainda há uma placa orientando o caminho para a extinta "Administração FZB".
— Este lado aqui remonta o ambiente de Barra do Quaraí, na Fronteira Oeste, somente com vegetação típica de lá. Infelizmente, não temos placas que indiquem isso — mostra Leandro Pacheco, 53 anos, técnico agrícola da Divisão de Pesquisa e Manutenção de Coleções Científicas, que trabalha há 11 anos no Jardim Botânico.
Para o coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e professor de Botânica Paulo Brack, 65, a sinalização com informações científicas das plantas é fundamental para a valorização das espécies presentes no Jardim.
— Ali é um patrimônio valiosíssimo, com plantas como erva-mate, imbú e araucária. Tem tanta planta importante, mas ela tem que ter uma plaquinha — avalia Brack.
Museu de Ciências Naturais: progresso científico com dificuldades
A professora Ana Maria Ribeiro, 60 anos, é a única funcionária no setor de paleontologia. Concursada desde 2001, desenvolveu, junto à equipe de quatro bolsistas de pesquisa de mestrado e doutorado, a exposição que está prevista para ser inaugurada no Museu de Ciências Naturais em junho.
Com temática sobre os dinossauros do RS, levou três anos para ser concluída e contará com fósseis e reproduções produzidas com impressora 3D. Ana Maria, que foi bolsista de pesquisa do museu na década de 90, sente falta de mais pessoal na equipe.
Não temos mais aquele corpo de pesquisadores da época da Fundação Zoobotânica. Nos faltam técnicos, porque temos muito trabalho.
ANA MARIA RIBEIRO
Professora no setor de paleontologia
Apesar de ter reconhecimento internacional e receber colegas pesquisadores de países como Itália, Inglaterra e Estados Unidos, o setor de paleontologia enfrenta dificuldades com recursos técnicos, como internet sem fio.
Wi-fi a gente não tem. Temos os computadores daqui, e eles têm acesso à internet pelo cabo e só. E se botar o cabo no nosso notebook, não vai. A gente tem que ir roteando do celular mesmo.
NICOLE LUIZ SOUZA
Pesquisadora de doutorado
A doutoranda Nicole revela o seu sonho para o futuro do Jardim Botânico:
— Espero que tenha mais recurso para que as pessoas continuem trabalhando aqui, que continue com uma curadoria, e que a gente possa guardar todos esses fósseis do Rio Grande do Sul para que pesquisadores continuem vindo. O que eu mais espero, para daqui a 10 anos, é que o Jardim Botânico ainda esteja aqui e que um de nós (bolsistas) seja o curador.
Obras de recuperação
Uma obra iniciada em março e com previsão de conclusão para setembro, custeada em conjunto pela Sema e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), vai recuperar o telhado da sede administrativa e da Divisão de Pesquisa e Manutenção de Coleções Científicas, que abrange o Museu de Ciências Naturais. A reforma, pensada para reparar danos causados pela ação do tempo, deve solucionar o problema de goteiras dentro do espaço.
A recepção no museu fica a cargo de Gustavo Casapicola Neto, 72 anos — 47 deles trabalhados no Jardim Botânico. Gustavo passou, portanto, pela transição dos escritórios da Fundação Zoobotânica de dentro Jardim para a sede da Sema, no Centro Histórico, em 2018.
Naquele tempo da Fundação, tudo era mais forte. Tinha mais apoio para pesquisa, era um quadro bem completo (de funcionários).
GUSTAVO CASAPICOLA NETO
Recepcionista do Museu de Ciências Naturais
Quando a Fundação foi incorporada à Sema, as funções da autarquia foram diluídas em dois setores: a gestão do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais ficou sob responsabilidade do Departamento de Projetos e Pesquisa, enquanto coube ao Departamento de Biodiversidade administrar o Parque Zoológico de Sapucaia do Sul.
Concessão não avançou
Em 2022, um edital de concessão foi lançado, no valor de R$ 247 milhões e com validade de 30 anos, mas acabou suspenso por falta de interessados. No ano seguinte, a Secretaria Estadual de Parcerias e Concessões (hoje Serg) chegou a prever um novo edital, mas não houve publicação. Atualmente, o governo não cogita novos editais ou leilões para o Jardim Botânico, mas a Serg afirma que as instituições "seguem na carteira de Parcerias Público-Privadas do Executivo Estadual".
Para o técnico agrícola Leandro Pacheco, a saída para os problemas de investimentos no Jardim Botânico não é a concessão da gestão do espaço, mas poderia envolver empreendimentos privados dentro do local.
— Um estacionamento, um restaurante, um café, algo nesse sentido (seria positivo) — opina.

A visita mais comum no museu hoje, de acordo com Gustavo, é de escolas: cerca de três a quatro instituições de ensino por semana.
— Está tudo bonito, o pessoal faz bastante elogio — comemora.
A poucos metros dali, também é possível visitar o serpentário, que tem mais de 15 cobras, incluindo uma jiboia. Com parte dos animais resgatada de apreensões, o acervo é utilizado para pesquisa e extração de peçonha.
Entre as atrações do parque, além de um amplo espaço verde para piqueniques, há uma lancheria com opção de almoço, passeios e ensaios fotográficos. O Jardim Botânico ainda vende mudas de espécies como araçá piranga, butiá, jerivá, cerejeira e araucária, com valores entre R$ 10 e R$ 70.
O que diz a Sema
Procurada para uma entrevista, a Sema optou por se manifestar por nota. Em respostas enviadas à reportagem, argumenta que "não é possível afirmar o motivo da diminuição dos visitantes", mas estima que "a pandemia" e "uma sequência de eventos climáticos extremos" possam ter contribuído.
A pasta também afirma que a divulgação do parque é feita por sua Assessoria de Comunicação, utilizando plataformas oficiais do governo estadual (portal, mídias sociais e rádio web), e que a equipe foi recentemente reforçada com duas novas funcionárias. E acrescenta que a carência de sinalização será resolvida como parte das "estratégias de adaptação e reconstrução resiliente do governo do Estado", que planeja reformas estruturais no Jardim Botânico, no Parque Zoológico e nas 24 Unidades de Conservação geridas pelo Estado.
Funcionamento do Jardim Botânico de Porto Alegre
- O Jardim Botânico da Capital abre de terça a domingo, das 9h às 17h.
- Os ingressos custam R$ 6 (adultos) e R$ 3 (estudantes e idosos a partir de 60 anos). Crianças até cinco anos não pagam.
- O estacionamento é cobrado nos finais de semana e em feriados, no valor de R$ 11 para automóveis e R$ 5,50 para motocicletas. Ainda é possível adquirir por R$ 14 o passaporte válido para o mês inteiro.
- A aquisição do ingresso e a compra de mudas no Jardim Botânico exigem dinheiro em espécie. A Sema prevê a implementação do pagamento via Pix até o início de 2026.
Telefones
- Recepção - (51) 3320.2000
- Portaria - (51) 98427.0460
- Vendas de mudas - (51) 98409.6873
Agendamento
- O agendamento para visitação de grupos, como escolas, pode ser feito pelo email agendamento-jb@sema.rs.gov.br.
Produção: Fernanda Axelrud