
Mais de um ano depois, os efeitos da enchente de maio de 2024 ainda afetam a operação hidroportuária no cais de Porto Alegre. Parte dos problemas foi remediada, mas ainda há trabalho — e investimento — a ser feito.
Obras de recuperação estão em curso, informa Cristiano Klinger, presidente da Portos RS, empresa pública responsável por organizar, gerenciar e fiscalizar o sistema hidroportuário do Rio Grande do Sul:
— Ainda hoje sofremos com o que aconteceu. Para a recuperação da navegação, estão ocorrendo as obras das dragagens. Mas ainda temos muitos sedimentos e problemas nos terminais.
O Cais do Porto foi um dos locais de Porto Alegre mais impactados pela enchente. Alguns dos armazéns históricos ainda estão danificados, apresentam resquícios de detritos no seu interior e permanecem inoperantes.
O porto da Capital tem oito quilômetros de cais, espaço compartilhado entre os cais Mauá, Navegantes e Marcílio Dias. A estrutura engloba 25 armazéns. Em parte dessa área ocorrem operações navais de grãos, de fertilizantes e de carga em geral. Tudo ficou submerso pela água.

Reparos em armazéns
A área que concentra a operação hidroportuária do Cais do Porto começa em um portão situado depois de se passar pelas instalações do Catamarã, do Corpo de Bombeiros e do antigo prédio da Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa).
— Tivemos alguns impactos de estrutura de armazéns e de equipamentos — diz Klinger, informando que os investimentos em reparos em alguns armazéns custaram em torno de R$ 400 mil.
Ainda hoje sofremos com o que aconteceu. Para a recuperação da navegação, estão ocorrendo as obras das dragagens. Mas ainda temos muitos sedimentos e problemas nos terminais.
CRISTIANO KLINGER
Presidente da Portos RS
A recuperação do telhado do armazém D4 depende da conclusão do processo de licitação. O E1, que está com o telhado caído próximo à Avenida Castello Branco, foi licitado — uma empresa que vai explorá-lo por 10 anos deve investir em torno de R$ 5 milhões.
O ciclone extratropical do final do mês passado ainda destelhou alguns armazéns. Atualmente, produtos químicos e fertilizantes ficam abrigados na maior parte desses espaços.
Receita não recebida
Segundo a Portos RS, apenas a limpeza da área de operações portuárias custou R$ 5 milhões. O presidente lembra que as tarifas das embarcações ficaram isentas nos primeiros seis meses pós-enchente. Depois disso, houve 95% de desconto. Tudo isso representa receita que deixou de entrar no caixa da empresa pública.
— Se pegarmos só isso, temos quase R$ 2 milhões de receita não recebida em função da enchente — estima Klinger.
O presidente da empresa diz que, se a conta da dragagem na hidrovia for acrescentada, os valores crescem:
— Estamos falando em mais de R$ 300 milhões (somando todas as despesas de recuperação pós-enchente até o momento).
A empresa pública elaborou um projeto de R$ 41 milhões, já aprovado pelo Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), para ser investido na recuperação física da área onde ocorrem as operações hidroportuárias.
— Engloba a parte de recuperação elétrica, lógica (cabeamento de internet e fibra ótica por onde trafegam dados) e dos equipamentos, como balanças que foram perdidas — explica o presidente.
Prédio da Guarda Portuária será reconstruído
Os problemas não se limitam a essas questões, observa Klinger:
— O prédio que tinha a estrutura da Guarda Portuária e da operação terá de ser desmanchado e refeito. Por ter ficado embaixo d'água, apresentou rachaduras e ficou condenado.
Os investimentos necessários para a área do cais passam até pelos acessos ao setor das operações:
— Todos os portões de acesso à área ficaram submersos. Tudo o que havia de equipamento foi perdido. Então, hoje é tudo feito de forma manual. Precisaremos refazer toda essa infraestrutura.

Projeto resiliente
Neste momento, a Portos RS está preparando os editais da licitação para uma nova etapa da obra de recuperação. O objetivo é elaborar um projeto resiliente que proteja mais a parte onde ocorrem as operações portuárias contra possíveis futuras enchentes.
Segundo o mandatário, têm sido discutidas alternativas para que a água não entre mais nos armazéns.
— Temos alguns armazéns recuperados para receber carga e haver operação. Mas ainda precisamos fazer coisas neles. Há problemas nos telhados e estruturais, porque ficaram submersos. Teremos de fazer reforço de parede — sinaliza o presidente da Portos RS.
De qualquer maneira, está afastada a possibilidade de ser construído algum tipo de proteção física perto das margens do Guaíba:
— Não podemos pensar em criar uma nova barreira, porque ali acontecem as operações portuárias. Precisamos pensar na estrutura de beira de cais para que, ao subir a água, não seja perdida.
O prédio que tinha a estrutura da Guarda Portuária e da operação terá de ser desmanchado e refeito. Por ter ficado embaixo d'água, apresentou rachaduras e ficou condenado.
CRISTIANO KLINGER
Presidente da Portos RS
Lição da tragédia
Refletindo sobre o trauma, Klinger defende que é preciso olhar de forma consciente para os eventos climáticos em curso:
— Uma grande lição que fica de tudo que passamos é repensar nossa atuação, operação e investimentos para fazer tudo de forma resiliente, entendendo que estamos sujeitos a todos esses eventos climáticos.
Os armazéns onde ocorre o South Summit, explica Klinger, não é zona de atividade portuária. A recuperação desses espaços, segundo ele, deverá acompanhar o futuro cronograma de concessão do Cais Mauá.
Participação de universidades
Parcerias com universidades gaúchas devem colaborar para o processo de recuperação. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) elaborou um projeto com sugestões de iniciativas para proteger o cais. Já a Universidade Federal do Rio Grande (Furg) tem monitorado o nível da água em toda a Lagoa dos Patos.
Visão integrada
A Portos RS tem contrato com a UFRGS — responsável por fazer a gestão ambiental do porto da Capital —, que elaborou um relatório a partir de um workshop realizado em março último. Foram discutidas propostas que assegurem a viabilidade econômica do Cais do Porto e promovam uma visão integrada entre infraestrutura, inovação e sustentabilidade.
Segundo o relatório, o foco foi a proposição de soluções de médio prazo para os próximos cinco anos. Foram estabelecidas prioridades estratégicas para o porto da Capital, de maneira a direcionar esforços para sua modernização, integração sustentável e aumento da resiliência.
— O Porto de Porto Alegre é inundável— afirma a professora Tatiana Silva, do Instituto de Geociências da UFRGS e coordenadora do Programa de Gestão Ambiental Portuária (PGA-POA). — Não pode ser tratado como outros portos que não têm esse risco ou que tenham risco menor. A estrutura precisa ser diferenciada e a maneira como se relaciona com a cidade necessita mudar.
Processo de reconstrução
Após a enchente de maio de 2024, iniciou-se um processo de reconstrução, com apoio técnico da UFRGS e colaboração do grupo holandês Dutch Risk Reduction (DRR). Foram elaboradas notas técnicas sobre cheias e dragagem, e houve articulação com a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e mineradoras para viabilizar dragagens.
O Porto de Porto Alegre é inundável. Não pode ser tratado como outros portos que não têm esse risco ou que tenham risco menor.
TATIANA SILVA
Professora do Instituto de Geociências da UFRGS
De acordo com o relatório, a resiliência operacional do porto depende de adequações físicas estratégicas na infraestrutura. O documento cita a implantação de um sistema tolerante a inundações.
— É um sistema no qual se tenha um plano de remoção de carga caso seja necessário e um local para colocá-la. E que se tenha uma estrutura fácil de ser reconstruída caso seja destruída — explica a professora.
Entre as ações de curto prazo recomendadas estão a revisão do Plano de Contingência e a modernização de armazéns.
Monitoramento do nível da Lagoa dos Patos
Já a Furg levou para a Portos RS a proposta de instalação de uma rede de monitoramento de nível da Lagoa dos Patos.
O serviço utiliza linígrafos com visão computacional, que são equipamentos que observam a régua e registram a leitura, produzindo imagens da régua a cada cinco minutos. A leitura tem precisão milimétrica e dados auditáveis.
Elisa Helena Fernandes, professora titular do Instituto de Oceanografia da Furg, observa:
— Essa tecnologia atende todos os padrões definidos para sistemas de monitoramento. Em maio de 2024, nossos dados já passaram a integrar o portal da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que é o banco nacional de dados hidrológicos.
Teremos essa capacidade de observar e de prever o comportamento do ambiente. Isso nos dá tempo para organizar as medidas de enfrentamento a futuros eventos extremos.
ELISA HELENA FERNANDES
Professora do Instituto de Oceanografia da Furg
Vinte e quatro horas por dia
Segundo Elisa, a Portos RS poderá utilizar as informações sobre o nível da água para saber como está o calado (distância entre a parte mais baixa do casco da embarcação e a linha de flutuação) disponível para navegação e assim planejar as manobras de atracação e desatracação de navios, e quais as janelas mais seguras para a realização dessas ações.
— Temos um financiamento permanente da Portos RS para a manutenção desse sistema de medição — diz a professora. — Esse sistema vai funcionar permanentemente, fornecendo previsões do comportamento de toda a Lagoa dos Patos 24 horas por dia e sete dias por semana.
Para Elisa, trata-se de conferir resiliência ao Estado:
— Teremos essa capacidade de observar e de prever o comportamento do ambiente. Isso nos dá tempo para organizar as medidas de enfrentamento a futuros eventos extremos.