
Vislumbravam-se chapéus, roupas de inverno, calhambeques estacionados e olhos atentos ao céu. A população se aglomerava nas calçadas e nas vias. No alto, para onde todos olhavam, sobrevoava, imponente, o dirigível alemão LZ 127 Graf Zeppelin. Era uma sexta-feira, dia 29 de junho de 1934, em Porto Alegre.
A aeronave havia partido de Friedrichshafen, na Alemanha, em 23 de junho. A viagem em direção a Buenos Aires teria escalas em Recife, onde chegou 72 horas depois, e no Rio de Janeiro, para fazer abastecimento de gás.
Cidades como São Leopoldo, no Vale do Sinos, Porto Alegre e Pelotas, na Região Sul, não estavam no plano inicial. Porém, telegramas com solicitações da Sociedade Austríaca de Beneficência, de representantes da antiga empresa de aviação brasileira Varig e até dos jornais da cidade ao comandante do "charuto voador", Hugo Eckner, e ao capitão e piloto Ernest Lehmann sensibilizaram os responsáveis pelo voo.
Período entre guerras
O professor de História Charles Monteiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), observa que o voo teve, na ocasião, ampla cobertura da imprensa, com jornalistas registrando as evoluções do visitante europeu a bordo de um avião da Varig. Era a inauguração da linha regular para a América do Sul. O zepelim trazia pessoas, encomendas e correio.
O professor contextualiza que o dirigível passou por Porto Alegre no período entre guerras: depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e antes da Segunda Guerra (1939-1945). Em ascensão, Adolf Hitler era chanceler da Alemanha e começava a difundir o nazismo entre a população.
— O zepelim representava um elemento de propaganda da Alemanha — afirma o pesquisador. — Fazia parte de um conjunto de grandes realizações tecnológicas de transporte. Era como se víssemos hoje os satélites do Elon Musk (bilionário da tecnologia, dono da Tesla, da Starlink e da SpaceX) passando no céu. Despertaria a atenção.
Conjuntura local
Segundo o professor, a conjuntura do Rio Grande, que recebeu imigrantes alemães e tinha influentes empresários germânicos vinculados aos meios comercial, político e às reformas urbanas em execução naquele momento, contribuíram para a decisão de sobrevoar Porto Alegre.
— Era uma forma de despertar o germanismo naquela população descendente de alemães, que tinham importância na política local — observa Monteiro, acrescentando que a Varig tinha contrato com o Graf Zeppelin para distribuição de encomendas e correio.
Era como se víssemos hoje os satélites do Elon Musk passando no céu. Despertaria a atenção.
CHARLES MONTEIRO
Historiador e professor da PUCRS
Polo industrial e econômico
A Capital já tinha mais de 250 mil habitantes e vivia uma fase de crescimento urbano. O imponente Viaduto Otávio Rocha, inaugurado em 1932, era um exemplo. E a exposição do centenário da Revolução Farroupilha seria celebrada em 1935, ano posterior ao sobrevoo do dirigível. No evento que seria realizado onde hoje fica o Parque Farroupilha (Redenção), haveria espaço para um estande da Alemanha.
— A passagem do Graf Zeppelin estava diretamente relacionada à política da Alemanha para conseguir aliados e expandir a imagem no mundo — explica Monteiro.
Desta maneira, diz ele, o país europeu colocava-se como um grande polo industrial e econômico.

"Um campo de futebol voando"
Autora do livro Aviação Comercial na América do Sul (1920-1941), a historiadora Cláudia Musa Fay chegou a entrevistar testemunhas da passagem do zepelim e ouviu que seu tamanho impressionava:
— Era um campo de futebol voando, e voando baixo. Imagine aquelas pessoas que nunca tinham visto nada voando. Era uma coisa prateada e muito grande.
A promessa era ligar a Alemanha à América do Sul em três dias. Isso era uma revolução.
CLÁUDIA MUSA FAY
Historiadora especialista em aviação
A historiadora pontua que os passageiros geralmente eram pessoas com elevado poder aquisitivo ou políticos importantes. Os nomes dos viajantes vinham impressos em convites e cada um tinha cabine e desfrutava de conforto durante a viagem. Louças, copos e talheres eram luxuosos, assim como as poltronas e as acomodações. Para ela, o zepelim era sinônimo de modernidade.
— A promessa era ligar a Alemanha à América do Sul em três dias. Isso era uma revolução, pois um navio levava duas semanas — diz. — Todo mundo relata que o bacana do zepelim era a janela, que era enorme e circundava toda a gôndola. A pessoa via de cima os oceanos e as montanhas.
Momento de "catarse coletiva"

Para o jornalista Marcello Campos, referência em temas relacionados à história de Porto Alegre, a passagem foi um momento de "catarse coletiva".
— Não podemos esquecer que, naquela época, a aviação comercial ainda era incipiente, então um objeto voador era motivo de fascínio. Foi marcante na história de Porto Alegre e de outras cidades gaúchas — reflete.
Campos lembra que não havia aparelhos de televisão em 1934 e o rádio estava se desenvolvendo:
— A rádio de massa começa mesmo na metade dos anos 1930 (a rádio Gaúcha existia desde 1927), então o que havia de diversão era cinema, saraus, cafés e música ao vivo. A indústria do disco e a radiofonia estavam em expansão. Era natural que qualquer episódio que fugisse da curva atraísse as pessoas. Imagine um zepelim passando, com sua mística e imponência.
Como foi o voo pela Capital
Os porto-alegrenses estavam ansiosos à espera do dirigível. Desde as 10h, começaram a se formar grupos nas ruas e as pessoas procuravam locais altos para se posicionar. Em cima do telhado da Biblioteca Pública, alguns corajosos aguardavam o visitante dos ares; outros empoleiravam-se nos andaimes da Catedral Metropolitana, então ainda em construção; e um solitário cidadão podia ser visto em cima do Theatro São Pedro.
Também havia gente concentrada em pontos como o Viaduto Otávio Rocha, o Auditório Araújo Vianna (que ficava na Praça da Matriz) e a Hidráulica Municipal. Mas o dirigível não chegava. A culpa do atraso passava pelos fortes ventos sul e sudoeste que reinavam na costa, entre Florianópolis e Conceição do Arroio, e pelo desvio de rota para que o zepelim sobrevoasse São Leopoldo.
Às 10h30min, um avião da Varig passou pela cidade com uma faixa exibindo uma mensagem em caracteres vermelhos: "Zeppelin, 11h". Pouco depois, cruzou os ares anunciando novo horário: "Zeppelin, 12h".
Sirenes acionadas
Em torno das 13h, o dirigível passou sobre as ilhas do Delta do Guaíba. Avançou lentamente rumo aos bairros Navegantes e Floresta. Os vapores ancorados começaram a apitar assim que o avistaram. As sirenes das fábricas e dos jornais também foram acionadas. Emocionada, a população foi para as ruas e acenava com lenços brancos em direção à aeronave alemã, que permitia a cada passageiro viajar com 20 quilos de bagagem.
Com velocidade reduzida (segundo jornais da época, era como se os motores tivessem sido desligados), o zepelim veio dos lados do morro Petrópolis e ficou a cerca de 300 metros de altitude acima das cabeças das pessoas.
Era possível ver os passageiros e tripulantes acenando de volta da gôndola do veículo aéreo. A cauda exibia as cores da bandeira alemã de um lado e a suástica que viria a ser o símbolo nazista do outro. Em solo, muitos aproveitaram para registrar a cena com máquinas fotográficas. Uma mensagem com saudação ao Rio Grande do Sul foi solta pela janela.
Era natural que qualquer episódio que fugisse da curva atraísse as pessoas. Imagine um zepelim passando, com sua mística e imponência.
MARCELLO CAMPOS
Jornalista e pesquisador da história de Porto Alegre
Trotes envolvendo o zepelim
Encontravam-se com os olhos atentos às evoluções do dirigível o prefeito Alberto Bins, que já havia voado em um zepelim com a esposa em 1913, e o interventor federal, o general Flores da Cunha, acompanhado do secretário do Interior, João Carlos Machado.
Curiosamente, ainda no Rio de Janeiro, embarcou para a viagem Rubem Rosa, então chefe do gabinete do ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha.
Após duas voltas sobre o Palácio Piratini, a aeronave começou a se afastar em direção à Zona Sul do Estado. Foram cerca de 15 minutos nos céus da Capital.
Conforme relatos da época, trotes envolvendo o zepelim teriam sido passados por pessoas naquela sexta-feira em Porto Alegre. Os bombeiros e a Assistência Pública teriam sido os alvos principais, sendo chamados para atender vítimas após uma suposta queda da aeronave.
Surpresa e medo nos colonos
No livro Colônia Alemã — Histórias e Memórias, o autor Telmo Lauro Müller narra sua experiência como testemunha da passagem do zepelim. Na ocasião, ainda criança, ele estava na localidade de Quebra-Dente, zona limítrofe com a Aldeia dos Anjos, hoje Gravataí, na Região Metropolitana.
"Recordo que foi um misto de susto, surpresa e estupefação. Ver o zepelim era coisa fora de qualquer medida para quem nasceu e viveu no fundo da colônia. Vejo hoje ainda o grande charuto flutuando no ar e sumindo na direção de São Leopoldo. Uma impressão imorredoura", escreveu.
Lembro-me de se ter falado em gente que se jogou ao chão de medo; gente que começou a rezar por achar que o fim do mundo estava chegando; gente que se escondeu.
TELMO LAURO MÜLLER
Testemunha do sobrevoo do dirigível
De acordo com seu relato, a passagem sobre São Leopoldo foi uma homenagem aos 110 anos da imigração alemã na região.
"Para quem sabia da eventual passagem por aquelas bandas, tudo se resumiu na estupefação. Mas a gente mais modesta, trabalhadores de roça, lenhadores, caboclos e mesmo colonos que nada sabiam a respeito, mal podiam acreditar no que viam. Lembro-me de se ter falado em gente que se jogou ao chão de medo; gente que começou a rezar por achar que o fim do mundo estava chegando; gente que se escondeu".
Registros do zepelim

A passagem do zepelim, há 91 anos, deixou recordações. Cartões-postais foram confeccionados e estabelecimentos e produtos comerciais foram batizados com o nome do dirigível. A Leopoldis Film, pioneira do cinema no RS, registrou imagens da visita. Uma equipe estava no avião Irma, da Varig-Condor, que acompanhou o dirigível desde Torres, no Litoral Norte. Assim, o público poderia ver depois as imagens nas salas de cinema.
O cineasta gaúcho Eduardo Hirtz chegou a registrar uma foto do charuto voador bem em cima do Palácio Piratini. Em 1993, o diretor Sérgio Silva lançou o curta-metragem O Zeppelin Passou por Aqui, com 18 minutos.
Mais recentemente, em 2023, um dirigível modelo ADB-3-3, que integrava a divulgação do South Summit sobrevoou Porto Alegre. O veículo havia sido construído pela Airship do Brasil, integrante do Grupo Bertolini, com sede em Bento Gonçalves, na Serra.
Fim de uma era
O LZ 127 Graf Zeppelin, primeira máquina da história a voar mais de um milhão de milhas ao redor do mundo e do Ártico, começou a ser fabricado em 1928. Em abril de 1940, o militar nazista Hermann Wilhelm Göring emitiu ordem para os zepelins serem desmanchados. As peças de metal seriam aproveitadas para a construção de aviões para lutar na Segunda Guerra. Em maio do mesmo ano, um incêndio nas instalações dos dirigíveis no país queimou o que havia sobrado dos cruzadores dos ares.