
Um dos mais atingidos pela enchente de maio de 2024, o bairro Mathias Velho, em Canoas, está novamente alagado. A chuva que atinge a Região Metropolitana desde a terça-feira (17) causa diversos problemas na cidade. Traumatizados pela cheia do ano passado, moradores começaram a elevar móveis e retirá-los de casa.
Na Rua Santa Catarina, a reportagem de Zero Hora encontrou um casal que se negava a deixar a residência, mesmo com a água começando a invadir o imóvel. José Amaro da Silva, 60 anos, Elaine Sabine, 62, chegaram a fazer uma pequena barreira em frente ao portão de aço na tentativa de evitar que ondas formadas por carros que passavam pela água invadissem o terreno.
Mesmo assim, o casal é precavido. Após a enchente do ano passado, José comprou um barco, pensando no caso de uma nova cheia.
— Eu só tinha um caiaque. Andei por tudo com ele em maio do ano passado. Ver isso acontecendo de novo desanima. Troquei todo o forro e o piso da casa. Dá vontade de largar tudo — diz José, morador do bairro desde 1983.
— Isso que está acontecendo é um descaso com quem mora aqui — completa a esposa.
Na manhã desta quarta (18), o gerador de energia elétrica da casa de bombas responsável por escoar a água do Mathias Velho foi flagrado parcialmente submerso por conta da chuva. Com isso, a unidade ficou inoperante por mais de 30 minutos.
Após a casa de bombas voltar a operar, a água começou a baixar. Nesta tarde, em algumas ruas do bairro, o nível dos alagamentos passava de 30 centímetros.
Moradores deixam suas casas
Na Rua Novo Hamburgo, Gabriel Rocha, 18 anos, estava retirando eletrodomésticos de casa. Ele os levaria para a residência de familiares que moram em regiões que não estão alagadas.
— Às 2h da madrugada, a água começou a sair pelo ralo e pelos rejuntes. O pátio ficou cheio de água. Coloquei o que deu no carro e saímos. Agora, viemos pegar os mais caros — explica Gabriel.
O jovem mora com a namorada no imóvel há pouco mais de um ano. Antes da enchente de maio de 2024, haviam recém-terminado de reformar a casa. Na época, a água atingiu mais de 6 metros de altura, ultrapassando o telhado da moradia.
— Agora, quando passou maio, pensamos que tínhamos nos livrado. Chega junho e acontece tudo isso de novo. É recém o segundo dia de chuva. Imagina como vai estar na semana que vem? — indaga o morador do bairro Mathias Velho.

Na casa ao lado, José Luiz Antunes, 57 anos, começou a construir um segundo pavimento. Mesmo inacabado, já está servindo como abrigo para móveis e eletrodométricos que ficavam no primeiro piso. Ele mora no imóvel com o filho, Robson Antunes, 36, e a nora, Fernanda Lopes, 33.
— Nem dormimos, foi um caos. Fizemos uma força-tarefa para levantar tudo — diz Fernanda.
Novas perdas após a reconstrução
Mais adiante, o motorista Paulo Ricardo Almeida Pacheco, 62, começava a elevar móveis dentro de sua casa. Sua filha acabara de ir para a casa do namorado, no bairro Partenon, em Porto Alegre, fugindo do alagamento.
Paulo mora na casa há quatro anos. Antes, ela pertencia à sua mãe. Depois da enchente do ano passado, ele ganhou novos móveis e eletrodomésticos. Agora, está com medo de perdê-los.
— Estou pensando em demolir uma parte da casa e construir um segundo piso de madeira para "nos garantir" caso isso siga acontecendo. Não vale a pena ir para outro lugar. Se eu for vender agora, quem vai querer pagar?

Indignado com a situação, o pintor Carlos Alberto dos Santos, 74 anos, tentava retirar a água de dentro de casa com um rodo. Ele vive com a esposa e os filhos no imóvel, que foi completamente reformado após a enchente do ano passado. O investimento chegou a mais de R$ 40 mil em materiais de construção, mão de obra e novos eletrodomésticos.
— Troquei o piso, as portas, pintei paredes. Comprei televisão cara, móveis, máquina de lavar. Tudo. E agora isso vai acontecer de novo? Se eu tivesse condições, me mandava daqui. Sem pensar duas vezes.
Morador do Mathias Velho há 40 anos, Carlos diz que os alagamentos são frequentes nessa parte do bairro:
— Os governos não fazem nada. A sensação que fica é de abandono. Um ano e ainda não limparam os canos embaixo do solo. Se continuar assim, vai sempre alagar.

Cem mil afetados
A chuva que atinge a Região Metropolitana de Porto Alegre causa diversos problemas em Canoas. De acordo com a Defesa Civil, são cerca de cem mil pessoas afetadas no município. O número leva em conta problemas envolvendo transporte público, casas afetadas e alagadas.
Dos atingidos no município, 700 estão fora de casa devido a alagamentos, com 78 moradores acolhidos em um abrigo no bairro São Luís. O restante em casa de amigos e parentes. Os bairros afetados são: Mathias Velho, Olaria, Niterói, Cinco Colônias, Harmonia, Fátima e Estância Velha.