
Uma importante iniciativa na luta antimanicomial pode ser acompanhada na Cinemateca Capitólio, no icônico prédio no Centro Histórico de Porto Alegre. Pessoas com algum tipo de sofrimento psíquico trabalham com dignidade e de forma inclusiva na loja de produtos culturais e no café, situados no segundo andar do local, na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro. Trata-se do serviço GerAção POA — Oficina Saúde e Trabalho.
O trabalho ocorre por meio da economia solidária com diversas oficinas disponibilizadas aos 130 integrantes do GerAção POA, serviço oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Porto Alegre. Os oficineiros vêm de locais pertencentes a essa rede, além de moradias residenciais terapêuticas.
— Não sou visto como um qualquer. Sou visto como uma pessoa que tem um ofício e desempenha uma função importante na sociedade — diz Michael Filipe Kahian, 42 anos, oficineiro que trabalha no Capitólio.
As oficinas de aprendizagem incluem serigrafia, vela, costura, bordado e papel artesanal.
— O GerAção POA nasce para pensar e buscar a garantia do direito ao trabalho a pessoas que tenham o sofrimento psíquico — afirma a psicóloga Adriane da Silva, da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), responsável por oferecer o serviço desde 1996.
A profissional explica o porquê da utilização da expressão "sofrimento psíquico" e não transtorno mental, como era comum no passado.
— É uma forma mais ampla, que inclui todas as pessoas que têm algum sofrimento, que pode ser o diagnóstico de um transtorno mental (esquizofrenia, depressão, bipolaridade, entre outros), ou um sofrimento, como ansiedade ou fobia, que, às vezes, também pode ser transitório. Quando a pessoa é diagnosticada com um transtorno isso é uma marca para toda a vida. Entendemos que as pessoas não devem carregar essa marca de um diagnóstico. Por isso usamos sofrimento psíquico — esclarece.
Os participantes produzem camisetas, capas de cadernos, cadernetas, velas, panos de prato, bolsas e sombrinhas. Também há outros itens, como canecas, desenvolvidos por parceiros. A loja GerAção POA está aberta de terça-feira a sábado, das 15h às 18h.
— Há oito anos, temos parceria com a Cinemateca. Os produtos da loja seguem a temática do Capitólio e de filmes — diz a psicóloga, citando que 10 oficineiros atuam na loja, sempre havendo dois de forma fixa no local.
Os produtos também são confeccionados e comercializados em diferentes espaços da Capital (confira mais abaixo).
Oficineiros ficam com a renda de café
Desde outubro de 2023, o Café Mentaleiro funciona ao lado da loja. Quem visita o espaço, que conta com um total de 11 oficineiros, pode provar café orgânico moído na hora, suco integral orgânico, pães de queijo, brownie, bolos, biscoitos e bombons. O horário de funcionamento estende-se de quinta-feira a domingo, das 14h30min às 19h.
— A renda do café fica entre essas 11 pessoas. São profissionais que se capacitaram — menciona a psicóloga.
Conforme a terapeuta ocupacional Cristiane Kroll Lindemayer, que coordena o serviço, os resultados positivos podem ser percebidos por quem acompanha a trajetória dos oficineiros.
— Isso vai dando potência e voz para as pessoas. Elas vão se percebendo em condições de trabalhar. O grupo vai compondo, cada um em seu ritmo, tempo e habilidade — divide a terapeuta.
— Esse é um dos objetivos: gerar renda e estar na cidade — acrescenta.
Oficineiros compartilham suas experiências no Capitólio

Natural de Alvorada, na Região Metropolitana, mas morador da Capital há mais de 30 anos, o oficineiro Michael Filipe Kahian trabalha desde 2021 no espaço da lojinha. Com orgulho, conta que aprendeu tarefas como costurar e fazer colagem de papel para criar capas de cadernos e blocos comercializados para os visitantes.
— Sou bem tratado no GerAção. Não sou o único, todos os oficineiros são tratados como gente. Diferente desses manicômios onde o paciente não é tratado como ser humano — compara.
Para Kahian, o sentimento é de poder exercer uma atividade com dignidade.
— É o nosso trabalho que está sendo reconhecido pelo público. Quando vai um cliente e compra um produto nosso, a gente se sente valorizado — pensa.
Agora estou me sentindo bem. No tempo em que estou no café, não fico pensando em ir embora para casa.
FELIPE CARDOSO FADANELLI
Oficineiro que trabalha no café
Por sua vez, o oficineiro Felipe Cardoso Fadanelli, 39 anos, desempenha a função de barista no Café Mentaleiro. Às vezes, trabalha ainda na Associação Contraponto, situada no Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele aprendeu a função após fazer curso.
— Comecei trabalhando no salão (do Capitólio), que era um local onde eu tinha dificuldade e achava que nunca ia dar certo. Agora estou no caixa, que também era um desafio. Está sendo muito legal — reflete o barista, natural de Torres, no Litoral Norte.
Fadanelli recorda as dificuldades de parar em algum emprego no passado. Conforme seu relato, encaminhava currículos, participava das entrevistas, mas nunca conseguia ir para o trabalho. Desde que participa do GerAção POA, há um ano e cinco meses, tudo mudou:
— Agora estou me sentindo bem. O tempo em que estou no café não fico pensando em ir embora para casa. Fico conversando com o pessoal e sempre tem uma terapeuta junto — conclui.
Saiba mais
A Secretaria Municipal da Cultura (SMC), a Associação de Amigas e Amigos da Cinemateca Capitólio (Aamicca) e os espaços de economia solidária do município também são parceiros na iniciativa.
Onde encontrar os produtos:
Além da loja da Cinemateca Capitólio, os itens desenvolvidos pelos oficineiros podem ser encontrados nos seguintes locais:
- Sede da GerAção POA (Rua Mariante, 500, bairro Rio Branco)
- Associação Contraponto (Campus Central da UFRGS)
- Segundo andar do Mercado Público (espaço da Associação de Artesãos Porto Alegre Solidária)
Encomendas podem ser realizadas pelo telefone (51) 3289-5535 ou pelo e-mail geracaopoa@sms.prefpoa.com.br.