
Estudada há oito anos pela prefeitura, a proposta de concessão dos serviços de água e saneamento de Porto Alegre se materializou nesta quarta-feira (21). O prefeito Sebastião Melo foi até o salão nobre da Câmara de Vereadores para formalizar o protocolo do projeto de lei que autoriza o repasse de parte das atividades hoje exercidas pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) à iniciativa privada.
O plano da prefeitura é repassar a uma empresa ou consórcio a prestação e exploração econômica desses serviços, hoje efetuados integralmente pelo poder público. A medida é contestada pela oposição.
O projeto tramitará por pelo menos três meses no Legislativo antes de ser votado. Após a chancela da Câmara, a prefeitura ainda precisará formular o edital, promover audiências públicas e submeter a documentação ao Tribunal de Contas antes de lançar a licitação, o que está previsto para a metade de 2026.
O modelo desenhado em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mantém sob controle público a coleta e o tratamento da água, os serviços de drenagem urbana e o controle do sistema de proteção contra enchentes.
Caberia ao parceiro privado efetuar a distribuição da água e a manutenção e ampliação das redes de distribuição, além da coleta e o tratamento de esgoto. A futura concessionária também ficará com a cobrança das faturas.
Na licitação por concorrência, vencerá aquele que oferecer o maior valor de outorga — parcela paga ao poder público para explorar os serviços. Essa verba poderá ser revertida pela prefeitura para subsidiar a tarifa paga pelos usuários e para obras de drenagem.
Após assinar o projeto, Melo concedeu entrevista e ressaltou por duas vezes que a concessão não é sinônimo de privatização, o que ocorre quando um bem público é passado para um ente privado de forma permanente.
— Não vamos privatizar o Dmae e nem subir a tarifa. Quero andar pela rua de cabeça erguida depois do final do mandato e dizer que melhoramos nesse tema, que é desafiador para o Brasil — afirmou o prefeito.
A discussão sobre o repasse dos serviços de água e saneamento de Porto Alegre a um parceiro privado teve origem em 2017, na gestão de Nelson Marchezan. Na época, o ex-prefeito enfrentou resistência de vereadores, mas conseguiu uma vitória na Justiça ao derrubar restrição expressa na lei orgânica municipal que impedia a concessão dessas atividades.
A principal justificativa do governo municipal para a concessão é a necessidade de ampliar investimentos, sobretudo no saneamento. O marco legal do setor estipula que 90% dos domicílios tenham esgoto tratado até 2033. Em Porto Alegre, esse percentual é de 52,84%.
Além disso, o plano municipal de saneamento prevê um conjunto de obras que custariam R$ 10 bilhões, enquanto o investimento médio do Dmae é de cerca de R$ 100 milhões por ano.
Cinco artigos
O projeto de lei apresentado por Melo que começou a tramitar na Câmara tem apenas uma página e cinco artigos. Não há menções sobre as regras e o tempo da concessão, estimado entre 25 e 35 anos. Esses itens, de acordo com a prefeitura, serão detalhados no edital e no futuro contrato.
Além de autorizar a concessão, no texto que será analisado pelos vereadores constam outros três comandos:
- Veda que a captação e o tratamento de água bruta sejam repassados à iniciativa privada
- Garante estabilidade a servidores e impede extinção de cargos do Dmae em razão da concessão
- Permite que recursos arrecadados com a operação sejam usados para subsidiar a conta dos consumidores (modicidade tarifária) e para financiar obras relacionadas ao saneamento, sobretudo no manejo de águas pluviais e na proteção contra cheias
A partir do protocolo, começa a correr o prazo de 90 dias para a tramitação do projeto — prazo mínimo exigido pela Lei Orgânica para matérias que tenham impacto ambiental.
Nesse período, a Câmara Municipal vai promover audiências públicas nos bairros para discutir a matéria. A presidente da Casa, Comandante Nádia (PL), prevê encontros nas 17 regiões do Orçamento Participativo (OP).
— Vamos oportunizar que as pessoas tirem dúvidas, possam contar o que elas desejam e também destruir algumas narrativas de que a água vai aumentar ou que as pessoas não terão a dignidade de que precisam — afirmou Nádia, que é aliada do prefeito.
Força política
Com maioria no Legislativo, o plano do governo municipal é colocar o projeto em votação a partir do final de agosto. Melo tem ao seu lado 23 dos 35 vereadores, cinco a mais do que o necessário para aprovar a medida. Na cerimônia de entrega do projeto, o prefeito ouviu de parlamentares e partidos aliados que há compromisso em aprovar a matéria em plenário.
Prevendo questionamentos sobre o aumento na tarifa paga pelos consumidores, Melo mencionou que o projeto de lei da autoriza a prefeitura a aportar recursos para conter reajustes vultosos.
— Temos compromisso político e social com a modicidade tarifária. Vamos ficar com a produção e a venda da água. Então quem terá o controle da água somos nós (poder público) — ressaltou.
Em minoria, a oposição vai instalar no dia 5 de junho uma CPI para investigar supostas omissões e denúncias de corrupção no Dmae, que será utilizada como instrumento de pressão ao governo.
Em paralelo, a estratégia é tentar atrelar a concessão proposta por Melo à privatização da CEEE, que foi vendida em 2021 pelo governo estadual ao grupo Equatorial e teve piora no indicador de desempenho nos últimos anos.
— Nosso papel será de fazer com que a população receba essa informação como a mesma informação que tem sido experenciada com a Equatorial — disse Atena Roveda (PSOL), única parlamentar da oposição que assistiu ao protocolo do projeto.
Para evitar desfalques na base, Melo colocou a diretoria do Dmae à disposição dos vereadores para tirar dúvidas e prestar explicações sobre o projeto.
Na cerimônia, o prefeito ainda disse que não está definida como será feita a fiscalização do serviço. O governo municipal mantém conversas com a Agergs, agência reguladora estadual, mas também cogita criar uma entidade própria do município para assumir essa função.
Próximos passos da concessão
- Aprovação do projeto de lei
- Conclusão da elaboração do modelo de concessão
- Consulta pública e audiências públicas sobre o projeto
- Análise do Tribunal de Contas do Estado
- Publicação do edital
- Assinatura do contrato e repasse dos serviços