
O barulho dos motores, o calor do asfalto e o vaivém de pedestres pintam a rotina frenética da Avenida Ipiranga em plena tarde de quinta-feira (15). Nas esquinas da Ipiranga com as ruas Silva Só e São Manoel, veículos avançam apressados, freiam de última hora e buzinam. É em meio a esse turbilhão que um detalhe se repete com frequência: as mãos ao volante dividem o espaço com os olhos em telas.
Entre 13h45min e 15h35min desta quinta-feira, a reportagem da Rádio Gaúcha acompanhou o movimento no cruzamento — entre os mais movimentados da zona leste da Capital, com a Avenida Ipiranga. A cada nova leva de veículos que parava no sinal, a cena se repetia: mensagens sendo respondidas, vídeos rolando na tela, chamadas sendo feitas com o celular apoiado no volante. No período, foram 102 motoristas flagrados usando o celular, tanto com o carro parado no semáforo quanto em movimento, quase um a cada minuto.
A prática é considerada infração gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e preocupa especialistas em segurança viária. Mesmo quando o veículo está parado, o uso do celular compromete a atenção e a capacidade de reagir a imprevistos, ou mesmo de pôr-se em movimento quando o sinal abre.
— A gente percebe aumento do uso nos últimos anos, principalmente com a chegada dos aplicativos. Hoje em dia, vemos as pessoas mais manuseando o celular, que é algo muito mais grave. O motorista acaba tirando o olho da pista por cinco, 10 segundos e isso pode causar acidentes graves, até óbitos — aponta o gerente de Educação da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Leandro Coelho, que também gerencia a Escola Pública de Mobilidade.
No cruzamento da Ipiranga com a São Manoel, seis acidentes aconteceram entre janeiro e abril deste ano. Na esquina com a Silva Só, do outro lado da avenida, outros nove acidentes foram registrados no mesmo período, segundo dados da EPTC. No ano passado, estes pontos estiveram entre os 10 com mais acidentes na Capital.
— A gente não tem como fazer uma relação direta de cada sinistro com o uso do celular. Porém, diariamente, temos visto o número de sinistros crescer e conseguimos relacionar no que vemos no dia a dia quanto ao número de motoristas usando o celular. Muitos estão ocorrendo por falta de atenção e isso é atribuído ao uso do celular ao volante — avalia o gerente de Educação da EPTC.

Os condutores não estão olhando para a frente, e não tem como isso não causar acidentes.
LEANDRO COELHO
Gerente de Educação da EPTC
Apesar da avaliação das autoridades de que o uso de celular durante a condução de veículos tem crescido, o número de multas vem apresentando queda nos últimos anos em Porto Alegre, como mostra o gráfico abaixo.
Leandro Coelho reconhece a queda no número de infrações e aponta que há dificuldade dos fiscais para comprovar a irregularidade:
— Com o manuseio do celular, também tem aquele motorista que procura esconder o aparelho, colocando no colo ou entre as pernas. Então, verificar isso complica mais o flagra do uso. Esse fator pode ser uma hipótese. Os motoristas escondem o aparelho para evitar.
Em todo o ano passado, os cruzamentos da Ipiranga com a Silva Só e a São Manoel, onde a reportagem esteve nesta quinta, somaram 255 infrações pelo uso do celular ao volante. Até 15 de março deste ano, o dado mais recente da EPTC, foram 35 multas aplicadas neste local.
O que diz a lei e como funciona a autuação
Segundo o artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), conduzir veículo segurando ou manuseando o celular é infração gravíssima. A penalidade é multa de R$ 293,47 e sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
O agente de trânsito precisa flagrar o uso no momento da infração. Isso significa que não é possível autuar baseado em imagens encaminhadas por terceiros, a não ser em operações específicas ou sob regulamentação específica. A abordagem nem sempre é necessária, desde que o agente visualize com clareza o ato do motorista.
— Hoje, os agentes precisam flagrar e ter, de forma clara, a imagem de que o condutor está mesmo usando o aparelho. Se conseguir, a gente aborda, identifica e lavra o auto de infração. Só cabe a multa, e o condutor é liberado em seguida. Quando não conseguimos abordar o condutor, lavramos o auto e depois o motorista recebe junto à CNH Digital — afirma Coelho.
Maio Amarelo
Uma das medidas adotadas pela EPTC para tentar reduzir o número de acidentes na Capital e ao mesmo tempo orientar os motoristas quanto ao comportamento no trânsito, está no movimento Maio Amarelo. Segundo o órgão, a campanha realizada anualmente busca alertar os motoristas para o alto número de ocorrências. No ano passado, 84 pessoas morreram em acidentes na Capital.
Para este ano, campanha tem o mote "Desacelere, seu bem maior é a vida", e um dos focos é a orientação quanto ao uso dos smartphones nos veículos.