
A vida noturna agitada em um ponto do bairro Rio Branco, em Porto Alegre, tem gerado reclamações de moradores dos arredores. A aglomeração é tanta que pessoas chegam a invadir o asfalto para beber e conversar. O movimento começou há pelo menos três anos, com a abertura de diversos bares na Rua Mariante, no trecho entre a Vasco da Gama e a Cabral. O movimento, que passa da meia-noite em alguns estabelecimentos, tem incomodado vizinhos.
O bairro Rio Branco não é visto historicamente como um reduto boêmio. Fica entre o Bom Fim e o Moinhos de Vento e é repleto de prédios residenciais, muitos deles antigos. Perturbação sonora e sujeira são as principais queixas de moradores da região sobre o movimento noturno no entorno dos bares. Segundo a Brigada Militar, foram registradas 40 reclamações desde janeiro.
Em 2023, três estabelecimentos da região chegaram a ser interditados após fiscalização da prefeitura. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), a medida foi tomada após uma série de denúncias de poluição sonora, perturbação ao sossego dos moradores e obstrução do passeio público. Depois do episódio, dois dos negócios envolvidos, El Aguante e Pito, passaram a funcionar até a meia-noite, conforme permitido em seus alvarás.
Os dois bares ficam em ruas diferentes da região. De lá para cá, o El Aguante mudou de gestão e não é mais foco de queixas dos vizinhos. Segundo os relatos, o barulho agora se concentra na Rua Mariante, onde ficam o Pito e outros estabelecimentos, como Sheik Conveniência, Metz, Mukifo, Dad's Burguer e Sunrise Drink Bar.
A estudante Valentina Zanardi, 22 anos, começou a frequentar o bar Pito em 2023. Antes era cliente do El Aguante, que, segundo ela, "começou a esvaziar" depois que passou a fechar à meia-noite. Hoje, ela também é cliente do Metz, onde diz encontrar bebida por um preço mais baixo.
— O Pito é mais um ponto de encontro do que qualquer outra coisa. Eu vou porque realmente a vida noturna em Porto Alegre para o nosso círculo virou aquilo ali. Toda sexta-feira a única certeza é de que vamos acabar no Pito. É um lugar em que sei que vou encontrar quase todo mundo que conheço e que não me demanda nem muita energia nem muito gasto — explica.
Queixas
Segundo morares do bairro Rio Branco ouvidos por Zero Hora, o movimento começa por volta das 22h e vai até até o final da madrugada. A aglomeração maior se dá entre 23h e 2h — depois, o público começa a dispersar.
Juliano Dupont, 42 anos, mora na Miguel Tostes, entre os bares El Aguante e Pito. Sua principal queixa é em relação ao barulho. Segundo ele, carros são estacionados com som alto ligado e motos fazem competição de roncos de motores.
— O problema não são os bares, são os frequentadores. Em geral, os bares respeitam a lei, exceto os clandestinos. É um problema de saúde pública. Ouvidos não têm pálpebras. Se eu não quiser olhar para algo, desvio ou fecho o olho. Mas do barulho ninguém consegue desviar. Barulho é uma violência, um abuso que se comete contra os outros — diz Juliano.
Um vizinho da Rua Liberdade, que não quis ser identificado, diz que há um êxodo de moradores da região para outros bairros. Ele está há 20 anos no Rio Branco e acompanhou a chegada dos estabelecimentos.
— Além da poluição sonora, consideramos que a sujeira, a urina que a multidão de frequentadores da área despeja nas calçadas, e o lixo que os bares produzem é incompatível com o nosso direito humano a um ambiente saudável — diz.
— Quanto mais avança na madrugada, maior é a gritaria — acrescenta.
O problema que mais atrapalha a moradora Kellen Dayane dos Santos Oliveira, 37 anos, é a ocupação das ruas:
— O El Aguante e o Pito sempre tiveram música, mas nunca me incomodei com isso. Normalmente, eles param de vender bebida cedo e encerram à meia-noite. A partir disso, as pessoas que estavam nesses bares vão para as lojas de conveniência, se aglomeram e bloqueiam a rua. Nas sextas-feiras, não consigo entrar na Rua Liberdade pela mão certa da via, preciso entrar do outro lado, pela contramão.
Fiscalização
A Brigada Militar diz que tem feito ações todas as semanas para tentar controlar as aglomerações e o som alto. De acordo com o coronel Hermes Völker, comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar de Porto Alegre, as equipes orientam as pessoas a sair do asfalto, recolhem caixas de som e fazem a fiscalização das condições dos estabelecimentos. Nas visitas, o Corpo de Bombeiros acompanha para verificar se os bares estão equipados para casos de incêndio.
— Os bares não comportam tanta gente, as pessoas ficam nas calçadas e tomam a via pública. Existe a preocupação com atropelamentos. Estamos aumentando o número de ações no local porque entendemos que está ficando grave — diz Völker.
— Deve existir um equilíbrio entre a comunidade local e os bares. Por parte dos bares, eles precisam respeitar e obedecer às leis. Deve haver o entendimento de que quem mora ali precisa dormir, descansar. Tem bebês recém-nascidos, idosos e crianças com deficiência — completa o coronel.
Procurada, a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG) diz que mantém ações permanentes com fiscalização dos bares e estabelecimentos noturnos na região "com o objetivo de garantir o cumprimento das leis municipais e assegurar o bem-estar da população". Segundo a pasta, diversos estabelecimentos noturnos já foram autuados e notificados pelos agentes da prefeitura.
"As operações são voltadas, principalmente, ao combate de irregularidades como o funcionamento além do horário permitido pela Lei do Sossego, a venda de bebidas alcoólicas durante a madrugada fora dos padrões legais, e outras práticas que possam representar risco à segurança e à ordem pública", diz a SMSeg em nota.
Durante as ações, agentes da Guarda Municipal, junto a fiscais da prefeitura, verificam o alvará de funcionamento dos estabelecimentos e o respeito às normas sanitárias e de segurança e conferem se procedem as denúncias de perturbações do sossego. Estabelecimentos flagrados cometendo infrações estão sujeitos a sanções que variam de multas à interdição.
Vida noturna
Antes de frequentar o Pito, Fábio Bonnel, 28, era cliente do Boteco do Paulista, no Centro Histórico. Ele migrou para os bares do Rio Branco em 2023. Hoje, é cliente do Pito, do Metz, do Sheik Conveniência e do Dad's Burger.
— Comecei a frequentar o Pito nesse período, pois havia música ao vivo e era mais perto de onde moro em comparação ao Paulista, e todos os meus amigos já tinham começado a ir ao Pito também. Hoje, vou para a região em todos os finais de semana — diz Fábio.
Já o músico Rafael Severo, 25, é morador da região e também frequentador dos bares. No entanto, diz que já gostou mais do local:
— Quando comecei a ir, era para tomar uma cerveja, relaxar um pouco e ir embora. Com o tempo, a coisa mudou. Quanto mais gente, mais bagunça. E assim, mais cedo isso vai acabar. Ainda vou, mas não curto tanto como antes. É fácil para mim porque vou a pé. Mas para o meu gosto está demais, parece saída de show. Quando ouço som de garrafa quebrando, sei que é hora de ir embora.
O que dizem os bares:
Pito
As sócias dizem que a música ao vivo é tocada somente dentro do estabelecimento. Junto dos bares Dad’s Burger e Mukifo, contrataram uma equipe de segurança para fazer o controle de caixas de som na rua e para apartar eventuais confusões. Os funcionários do bar fazem a limpeza da calçada no dia seguinte.
Dad's Burguer
Os donos do estabelecimento reconhecem que há problemas na região, como som alto e pessoas urinando na rua. Dizem que, apesar de o problema ocorrer na rua, estão dispostos a "achar uma solução e fazer o que é melhor para o bairro para que haja uma harmonia entre todos". Junto do Pito e do Mukifo, pagam uma equipe de segurança.
Mukifo
Sócios alegam que a região era mais insegura antes da presença dos bares. Para resolver o problema de urina e de lixo na rua causado por frequentadores, estão elaborando um pedido à prefeitura para instalação de banheiros químicos e de lixeiras.
Almeida Boer Mercado e Conveniência
O estabelecimento diz que não permite o consumo no interior da loja e que orienta os clientes a não utilizarem o passeio público. Também afirma que não há equipamentos de som na loja e que não aconselha essa prática, uma vez que é ciente "de que a vizinhança precisa descansar e o respeito deve ser mútuo".
Metz
O bar Metz diz que tem apenas som ambiente e que não permite caixas com música no entorno. O espaço é conhecido pela transmissão de partidas de futebol em televisores. Quando há pessoas na via, o dono do estabelecimento diz que solicita que elas saiam. Também acrescenta que está aberto ao diálogo, tanto com os vizinhos quanto com a prefeitura.
Sheik Conveniência
Procurado, não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Sunrise Drink Bar
Procurado, não se manifestou até a publicação desta reportagem.