Quem visita a orla de Porto Alegre, nos últimos dias, tem tido a atenção retida não apenas pela pista de skate ou pelas ruínas do Anfiteatro Pôr do Sol. A queda do nível das águas do Guaíba, entre a primeira e a segunda semana de novembro, contribuiu para o aparecimento de bancos de areia nessa região.
No dia 8, a régua de medição do Cais Mauá variava de 70 a 80 centímetros. Nesta terça-feira (15), caiu quase pela metade, segundo a hidróloga Ingrid Petry, da Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema).
— Conforme o nível baixa, devido a menores volumes precipitados durante o verão e grande evaporação de água no lago, os bancos ficam visíveis — explica.
Do espaço de lazer, são notórias grandes áreas mais escuras de banhado, localizadas próximo da faixa de areia ocupada pela população. Garças e outros pássaros de médio porte se movem fora d’água, onde antes estariam submersos. A extremidade do Arroio Dilúvio e o perímetro atrás do palco para shows da Avenida Edvaldo Pereira Paiva também têm o fenômeno observado de maneira expressiva.
Sedimentos
Um segundo motivo listado pela especialista - para a aparição desses montes de terra - tem a ver com o excesso de sedimentos que se desprendem do solo e são arrastados pela correnteza. De acordo com Ingrid Petry, há uma condição favorável para deposição no encontro das águas dos rios com o lago.
— A ação das chuvas em solos desprotegidos gera o desprendimento e transporte de sedimentos para água dos rios, que são depositados em áreas onde a velocidade da água é baixa — complementa a hidróloga.
A redução das precipitações somada às altas temperaturas, características do verão, acendem outro alerta: a estiagem, que mesmo ainda distante de ser decretada, exige atenção dos órgãos de controle.
— Não estamos atualmente em uma situação de estiagem, mas começamos a nos preparar para uma possível estiagem no verão — afirma a hidróloga.
Diretor-geral do Departamento de Águas e Esgoto de Porto Alegre (Dmae), Alexandre Garcia explica que a captação da matéria-prima que será tratada e levada às torneiras ocorre em pontos de grande profundidade, distantes da margem - no Parque Marinha, 1,5 quilômetro rio adentro, e no bairro Belém Novo, a dois quilômetros. Nesses locais, o nível é pouco afetado e, por enquanto, nada foi alterado no fornecimento do insumo aos porto-alegrenses.
Mas a autarquia pode enfrentar dificuldades no processo de filtragem futuro, pela escassez de chuvas: com o Guaíba em menor volume, o sol atinge de forma mais direta as algas, que se multiplicam em velocidade acelerada.
— Com mais luz, mais algas se proliferam e mais carga orgânica vai para a estação de tratamento. Desse jeito, precisamos usar mais químicos na clarificação, o que reduz a velocidade na água produzida, e traz dificuldade de abastecimento — explica.
Lixo na água
O Dmae integra conselhos de monitoramento das bacias. O órgão já recebeu alertas de que há chance de escassez, devido ao período de seca, semelhante ao que ocorreu no último verão.
— Ainda assim, se espera uma situação melhor — pondera o diretor.
Em nota, a Portos RS diz monitorar os níveis do Guaíba, “visando a segurança da navegação”. No texto, ressalta os bancos de areia encontrados pela reportagem de GZH: “Os níveis apresentados não oferecem restrições à navegação, alertando aos usuários que fora dos canais de navegação deve-se atentar para o aparecimento de bancos de areia. A Portos RS, juntamente com a secretaria dos transportes, vem trabalhando para a manutenção das hidrovias do Estado”.
Pedalando na orla, a paisagem que mais incomoda a bióloga Mara Ritter, 61 anos, não é a dos bancos de areia. O lixo, mais aparente onde a água recuou, gera problemas sociais e ambientais, classifica a ciclista.
— Falta cidadania para pessoas. O Dilúvio é um problema sério, que tem de ser resolvido desde a origem, onde se joga lixo — afirma, em referência ao longo trajeto que o arroio percorre desde a Região Metropolitana.