Sônia viu o guarda-chuva quebrar e o enterrou na lixeira mais próxima. Sidnei foi banhado por um carro que passou levantando água perto da parada de ônibus. Luiz Henrique preferiu caminhar quase cinco quilômetros na saída do trabalho a esperar, imóvel, um coletivo aparecer nesta quinta-feira molhada.
Com a roupa encharcada, José Cláudio andava descalço pelas ruas alagadas da zona norte de Porto Alegre. Rodrigo abandonou o carro que, quase submerso, deixou de funcionar. Maria temia que os eletrodomésticos tivessem pifado com a água que invadiu sua casa.
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Das mais prosaicas às mais severas, circunstâncias variadas causadas pelo mau tempo – como o desta quinta-feira – fizeram parte do cotidiano dos gaúchos nos últimos tempos. A ausência de sol, o céu carrancudo, a constante precipitação, a água acumulada nas ruas: cada aspecto dessa intermitente mas duradoura chuvarada acaba alterando a rotina de todos. Mesmo o mais otimista dos seres há de convir que faltarão motivos para comemorar o clima dos dias que passaram.
Começa pela vontade de não sair da cama, passa pela dificuldade de colocar o pé para fora de casa, pelas calçadas esburacadas, pelo trânsito infernal. Continua com as roupas molhadas – e que demoram para secar –, a água entrando pela janela, a chance de se atrasar ou a necessidade de cancelar compromissos. E não para com a perspectiva de que mais dias como esses virão em breve.
– Eu tentei atravessar esse trecho, achei que ia dar certo. Se duvidar, até rezei. Nada deu certo. Agora, é esperar o guincho – lamentou o motorista André Rodrigues enquanto aguardava, abatido, com o carro sobre a calçada, que o volume de água diminuísse no início da Avenida Sertório para poder ir para casa, em Alvorada.
Não sabia por que o motor havia "morrido", mas praguejava a decisão tomada horas antes.
Com somente um boné protegendo-o, por pouco que fosse, da chuva, o copeiro Luiz Henrique Machado, parecia conformado em ter a parada de ônibus como abrigo – porque a linha que aguardava para levá-lo para casa, no bairro Sarandi, não passava por ali havia muito tempo. Ele caminhou por mais de hora da Farrapos até a Sertório, um dos principais pontos de transtornos no trânsito da Capital no dia, atento à passagem dos coletivos, mas nada de um exemplar da linha 715 aparecer.
– Daqui a pouco, vou caminhar até em casa. Os ônibus não vêm e, quando chegam, passam reto, lotados. Tá difícil.
Descalço e cansado em meio à tormenta, o aposentado José Cláudio Cantos caminhava a passos largos por ruas transformadas em lagoas urbanas até ser alcançado pela reportagem. Carregando os tênis em uma das mãos, ele explicava que esse é o jeito encontrado para manter alguma parte do vestuário seca. Reclamou, claro, mas depois chegou a achar graça da situação – e ainda se solidarizou, disposto a garantir um abrigo temporário ao repórter sob seu guarda-chuva.
– Sempre que chove forte, dá nisso. Fui levar meu filho a uma entrevista de emprego, e o jeito foi ir a pé. Pelo menos guiei ele por ruas menos alagadas, recomendei que levasse algumas roupas de reserva, acho que ele chegou bem. Vai que dá sorte e, no meio dessa chuva toda, o entrevistador vê que o guri é esforçado e pelo menos a gente recebe uma boa notícia? – torce o pai.
Para compensar, café quente e guarda-chuva barato
– Vontade, não dá. A gente se obriga a sair de casa.
É assim que a autônoma Luciana Santos descreve o ânimo de acordar diante da perspectiva de dias assim. E olha que nem quando o tempo está seco ela levanta com o sol a postos: toda manhã, às 6h, está na frente da Rodoviária de Porto Alegre vendendo lanches. O principal item do cardápio, para os clientes e para ela própria, tem sido o café, "bem quentinho, para ver se aquece esse tempo ruim".
Ali perto, na entrada de uma das estações da Trensurb, os gritos de "olha o guarda-chuva! Baratinho!" só não eram mais frequentes que o número de pessoas de cenho franzido ao avistar as portas do sistema de transporte fechadas. Nenhum funcionário, nenhum aviso afixado à entrada, e logo dezenas pedem informações à reportagem sobre a situação, querem saber como ir para o trabalho ou voltar para casa se o trem não funciona, como é possível que o alagamento de trilhos aconteça e interrompa o funcionamento de tão importante meio de locomoção.
– Tenho um velório para ir em Camaquã.
– Preciso chegar a Novo Hamburgo para fazer uma prova.
– Sem o trem, vai ser um caos voltar para minha casa em Canoas.
Longe dali, em uma área ainda mais afetada pelo mau tempo que o centro de Porto Alegre, vendo trânsito congestionado, ruas alagadas e roupas molhadas, um colega expõe ao outro um desejo que poderia ser o de qualquer outro gaúcho com um teto seguro nesta quinta-feira chuvosa.
– Que dia para ficar em casa, hein?