
Já são quase 10 anos sem automóvel. Para o desenvolvedor de softwares Helton Moraes, 36 anos, é difícil traçar uma retrospectiva detalhada de 2004 para cá, mas nesta segunda-feira, no Dia Mundial sem Carro, lembra com felicidade da década em que declarou independência do motor. Apesar dos dias de chuva, das pedaladas cansativas e da hostilidade de muitos motoristas - que compõem o cenário de dificuldades dos que abrem mão do veículo individual -, Helton acredita que as pessoas não são tão dependentes do carro quanto imaginam ser.
Em sua casa, no bairro Bom Fim, vive com a mulher e o enteado. Ela vai para o trabalho de ônibus; ele, de bicicleta, e o menino caminha para a escola. Poderiam comprar um carro, mas, contrariando um dos principais argumentos dos defensores do transporte individual, acreditam ter mais liberdade não motorizados.
- Ter um carro implica gastar com garagem e combustível. Não é barato. Então a nossa pergunta número um foi: precisamos ter um carro? Pesou o fator logístico, que implica estacionar. E um acidente é uma despesa, é na verdade um custo psicológico - explica Helton, que só se rende ao automóvel para fazer viagens longas. - Tu alugas o carro, ele está com a manutenção em dia, quando tu devolves te livras do problema - argumenta.
Em Porto Alegre, há um veículo para cada 1,9 habitante, segundo levantamento realizado pelo professor de transportes da UFRGS João Fortini Albano. O estudo também aponta que a Capital está na média dos grandes centros europeus, como França e Itália, e acima do índice nacional, de um veículo para cada 2,5 habitantes. Mas especialistas encontram otimismo na cultura da bicicleta, que cresce principalmente entre os jovens.
- A bicicleta tem muitas vantagens, e a cultura da modernidade, de sustentabilidade ambiental, marcha nesta direção. Vai encontrar resistências? Vai. Tem correntes muito radicais, o usuário do carro é muito cativo, mas eu acho reversível - pondera Albano.
Mais de R$ 60 por dia
De acordo com uma pesquisa produzida pela analista de Educação Financeira do Estúdio de Finanças da PUCRS Nahiane Pastro, o motorista porto-alegrense gasta R$ 60,91 por dia para ter um carro. O cálculo considerou um veículo de R$ 45 mil, que consome dois tanques de gasolina por mês. Foram contabilizadas despesas com estacionamento, seguro anual, depreciação do veículo, manutenção e IPVA.
Pensando em se libertar dos encargos financeiros que vêm de carona com o carro, André Snia, 31 anos, passou a levar a vida no ritmo das pedaladas. Locomover-se sobre duas rodas modelou seu dia a dia de tal maneira, que hoje trabalha com manutenção de bicicletas. Cruzar a Avenida Coronel Bordini com o filho de seis anos na cadeirinha acoplada à bike é parte da rotina. Há pelo menos 10 anos dividindo a via com veículos motorizados, André percebe um trânsito ainda mais intolerante e agressivo com os ciclistas.
- Os motoristas não nos respeitam nem um pouco. Sabem que o carro é mais forte e se aproximam da bicicleta - relata André, que, embora reconheça a importância da data, encara o 22 de setembro como um dia qualquer: - Para nós dois, todo dia é Dia Mundial sem Carro.
Um dia pelo planeta
- O Dia Mundial sem Carro foi criado na França em 1997, pela ONG Mobility Week. O objetivo é chamar a atenção das pessoas para a poluição do ar e o trânsito cada vez mais complicado nas cidades.
- Em Porto Alegre, a data é oficial desde 2006. Nesta segunda-feira, a EPTC promove duas atividades: às 9h30min, tem ação educativa na estação de ônibus do Shopping João Pessoa e, às 13h, uma caminhada da Praça da Alfândega até a prefeitura.
- A comunidade de ciclistas também preparou um evento para o dia especial: um piquenique embaixo do Viaduto dos Açorianos, onde será erguida a Oficina Comunitária Cidade da Bicicleta. Também vai ter atrações artísticas, apresentação de ideias para construção do futuro espaço e projeção de imagens e vídeos.