
Era uma vez uma família que costumava ler e sempre presenteava o filho com livros.
Era outra vez uma outra família avessa à leitura que jamais deu livros para o filho.
Se não é possível garantir que a primeira conseguirá transmitir o hábito para o herdeiro, o destino da segunda é previsível como os infortúnios causados pela maçã envenenada da Branca de Neve: 87% dos brasileiros que não leem nunca ganharam livros e mais de 60% deles nunca viram seus pais lendo.
Os resultados, analisados no livro Retratos da Leitura no Brasil 3, que reúne dados da pesquisa divulgada em 2012 pelo Instituto Pró-livro, reforçam a importância do exemplo doméstico na formação de novos leitores. A boa notícia é que, mesmo quando o início dessa história não é animador, o enredo pode mudar. Na falta de incentivo familiar, cabe à escola cumprir esse papel. Tanto que 45% dos leitores consideram o professor como o principal influenciador da leitura. E as crianças e adolescentes em idade escolar formam o principal contingente de leitores do país.
Mas como fazer com que a rotina de leitura perdure depois que deixa de valer nota no boletim?
Se não há receitas, há consenso de que o exemplo de pais e dos professores é determinante. Mas a referência ainda é capenga: apenas 50% da população brasileira lê.
- Infelizmente, a pesquisa mostra que os alunos não estão sendo despertados como leitores autônomos, quando saem da escola deixam de ler porque liam por obrigação. Os índices mostram que as políticas públicas não estão sendo efetivas - observa Zoara Failla, organizadora do livro Retratos da Leitura no Brasil 3 e gerente de projetos do Instituto Pró-Livro.
Uma das constatações preocupantes é que mesmo os professores leem pouco. Ao desdobrar dados de 150 participantes que se identificaram como educadores no estudo, os pesquisadores se surpreenderam ao encontrar índices semelhantes aos da população em geral. O livro mais lido entre os educadores estava longe de ser um clássico literário: era uma obra do Padre Marcelo.
- O professor não é um leitor. E isso é muito preocupante porque o professor tem que ter lido para poder indicar e despertar o interesse nas crianças. Existe um problema de formação, que começa na faculdade e continua depois - analisa Zoara.
Referência em pesquisas de leitura e formação do leitor, a professora da UFRGS Regina Zilberman observa que a ausência de tradição de leitura tem base histórica. Enquanto, no país, as questões educacionais só se tornaram prioridade depois de 1930 (quando é criado o Ministério da Educação pelo governo Vargas), na Argentina, um país reconhecido como leitor, o governo já tinha políticas de formação de professores por volta de 1870. Por outro lado, o cenário está mudando - e já há motivos para comemoração.
- Temos mais de 200 milhões de exemplares vendidos por ano, são números muito altos, e se tem tanto livro é porque alguém compra. É um mercado muito promissor. Mas tudo começa na família. Não se pode cobrar da escola algo que não se faz em casa. Da mesma forma que um pai corrupto não pode esperar que o filho seja honesto, se o pai não lê é difícil esperar isso do filho - alerta Regina.
O escritor Pedro Bandeira, um dos campeões de vendas entre o público juvenil, também contempla com otimismo a expansão do mercado editorial no país. E chama a atenção para o fato de que um de seus livros mais populares, A Droga da Obediência, vende hoje mais do que quando foi lançado, há 30 anos. Começou com 15 mil exemplares por ano, no ano da estreia, e hoje vende 40 mil anuais. Nem a concorrência da internet o preocupa.
- O que está na internet, senão letras? Não importa muito onde as letras estão, o importante é que leiam. E minha experiência mostra que os jovens estão lendo cada vez mais, como os livros de mil páginas do Harry Potter. Hoje em dia, os jovens estão lendo mais do que seus pais jamais leram. Não sejamos pessimistas - defende.
Adaptações literárias dividem educadores
Quando se discutem estratégias para incentivar a formação de novos leitores, as adaptações literárias surgem como uma alternativa que divide educadores.
Ao mesmo tempo em que são defendidas como uma possibilidade de alcançar os chamados "neoleitores", jovens e adultos sem boa escolarização ou com escolarização tardia, também são temidas pelo risco de empobrecimento da linguagem - especialmente se a conversão for malfeita.
Um dos defensores das adaptações como forma de democratização do acesso à leitura, o professor de literatura brasileira da UFRGS Luís Augusto Fischer baseia-se em sua própria experiência para justificar a importância dessas obras.
- Eu me tornei um leitor autônomo por causa das adaptações, por volta dos 12, 13 anos, lendo uma série de narrativas de aventura da editora Abril, que tinha obras como Dom Quixote e Odisseia. Para mim foi decisivo - conta Fischer, que coordena uma coleção de clássicos adaptados pela editora L&PM.
Diante das críticas de que a facilitação da linguagem implicaria simplificação da experiência de leitura, Fischer faz uma comparação com a implantação de cotas nas universidades. Embora o ideal fosse que não precisassem existir, já que todos deveriam ter condições de acessá-las, desigualdades históricas as tornaram necessárias.
- Adaptação é cota. É um reconhecimento de que fracassamos em oferecer escola para todos. Mas, se não fizermos nenhum passo nessa direção, essas pessoas vão permanecer excluídas a vida inteira - argumenta.
A professora da UCS Flávia Brocchetto Ramos, que pesquisa mediação de leitura literária voltada à infância, concorda que a adaptação pode ser um caminho para o leitor iniciante. Mas pondera que "há adaptações e adaptações".
- Tem que cuidar para não simplificar demais. Algumas versões tiram aspectos fundamentais do enredo. Quem tem condições de analisar é alguém que tenha lido o original. Muitas vezes só a adaptação por si não basta, precisa de um leitor mais experiente para acompanhar - analisa.
Com tantas ofertas no mercado, prestar atenção à credibilidade de quem a produz é essencial.
- O professor deve ler o original, sem adaptações. Tem que conhecer para poder avaliar se a adaptação é bem feita - aconselha Maria Conceição Pillon Christofoli, professora aposentada da PUCRS, que tem trabalhos e pesquisas em mediação de leitura e alfabetização.
Apesar das ressalvas, a professora da UFRGS Regina Zilberman discorda da ideia de que as adaptações seriam capazes de provocar um "rebaixamento" dos leitores, por simplificar a linguagem.
- Tu gostas de um livro que tu entendes. Não adianta ser uma obra-prima se tu não entendes. Tudo o que temos nesses 3 mil anos de criação literária é sempre uma criação a partir de outras criações, desde a Bíblia, da Ilíada - ressalta.
Adaptadas ou não, Regina defende que a frequência da leitura é mais importante do que o conteúdo das obras.
- Tem que ler o que se consegue ler, mas tem que ter frequência. Sem frequência não se lê - conclui.
Prêmio destaca projetos de mediação de leitura
Para valorizar as práticas que estimulem a compreensão de textos, o 2º Prêmio RBS de Educação - Para Entender o Mundo irá premiar iniciativas de estudantes e educadores das redes pública e privada que desenvolvam práticas de mediação.
Nesta segunda edição, a premiação destacará projetos de professores de todas as disciplinas e educadores em geral (como gestores e bibliotecários), desde que atuem na Educação Básica, além de jovens protagonistas. A iniciativa é do Grupo RBS e da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho.
INSCRIÇÕES
Pelo site:
www.premiorbsdeeducacao.com.br
CATEGORIAS
Escola Pública: voltada para educadores de escolas públicas no RS e em SC.
Escola Privada: voltada para educadores de escolas privadas no RS e em SC.
Jovens Protagonistas: voltada para jovens entre 14 e 24 anos, estudantes de escolas públicas e privadas do RS e de SC.
CRONOGRAMA
Inscrições: até 18/07
Envio do relato: até 11/08
Divulgação dos finalistas: 28/08
Júri popular: 03/11 a 21/11
Premiação: 21/11
PREMIAÇÃO
R$ 156 mil para finalistas, vencedores e instituições de ensino.
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Quem lê no Brasil
A terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada em livro em 2012, é a mais abrangente análise do cenário no país. Confira alguns resultados:
- 50% dos brasileiros são leitores. Em 2007, o índice era maior, de 55%
- Mulheres representam 57% dos que leem
- A Região Sul soma 13% dos leitores do país. Seu percentual de leitores caiu de 53%, em 2007, para 43%, em 2011
- O livro mais lido pelos brasileiros é a Bíblia
A influência da família
- Entre os leitores, 22% viam ou veem a mãe sempre lendo, enquanto entre os não leitores o índice cai para 10%
- 63% dos não leitores nunca viram/veem sua mãe lendo, situação comum para apenas 39% dos leitores
- 87% dos não leitores nunca ganharam livros
Analfabetismo funcional
- 40% dos entrevistados informaram que não gostam de ler porque apresentam alguma dificuldade para fazê-lo (leem devagar, não compreendem o que leem, não têm paciência ou são analfabetos)
- O índice representa 85,4% do total de não leitores
Concorrência
No tempo livre:
- 85% das pessoas preferem assistir TV
- 52% preferem ouvir música ou rádio
- 28% preferem ler (7ª posição)
Estudantes lideram
Veja a distribuição de leitores por faixa etária
5 a 17 - 25%
18 a 24 - 13%
25 a 29 - 9%
30 a 39 - 16%
40 a 49 - 14%
50 a 69 - 18%
Acima de 70 - 5%
Os escritores mais admirados:
1º Monteiro Lobato
2º Machado de Assis
3º Paulo Coelho
Razão para não ter lido mais nos últimos três meses
1º Falta de tempo 53%
2º Desinteresse/não gosta de ler 30%
3º Prefere outras atividades 21%
Outros motivos
7º Ausência de bibliotecas próximas 6%
9º Falta de dinheiro 5%
10º Dificuldades de compreensão ao ler 4%
11º Porque livro é caro 4%
Fonte: pesquisa Retratos da Leitura do Brasil 3, publicada em 2012