
Ao sepultar a PEC da Blindagem, o Senado ressoou o eco das manifestações de domingo (21) contra a medida e, de quebra, desmanchou um acordo fechado na Câmara entre o centrão e a bancada bolsonarista. Por consequência, a decisão deve prejudicar também o andamento do projeto da anistia. O perdão aos implicados no 8 de Janeiro perdeu força e não tem data para ser votado.
Concebida para frear a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), submetendo à aprovação do Congresso a investigação criminal de parlamentares, a PEC da Blindagem chegou natimorta ao Senado. Logo na primeira votação na Casa, a matéria foi rejeitada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na manhã desta quarta-feira (24). Foram 26 votos contrários e nenhum favorável.
Horas mais tarde, o presidente do Senado, David Alcolumbre (União Brasil-AP), sacramentou o arquivamento, sem necessidade de votação pelo plenário da Casa.
— Não há o que esclarecer. Assim, tendo em vista que a CCJ aprovou, de forma unânime, parecer concluindo pela inconstitucionalidade da PEC e no mérito pela sua rejeição, esta Presidência determina seu arquivamento, sem deliberação de plenário — anunciou Alcolumbre.
Relator da PEC, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) criticou a aprovação do texto pela Câmara na semana passada, quando 353 deputados votaram a favor.
— Equívoco é a palavra mais leve para descrever o que aconteceu. Você tem dois tipos de parlamentar que vota a favor de um projeto desses: aqueles que querem proteger bandido e aqueles que não sabem no que votam — disse
Nem mesmo os senadores do PL, partido que liderou a pressão pelo tema na Câmara e cujos deputados rezaram em plenário em comemoração à votação da semana passada, se manifestaram a favor da PEC.
— Criaram um monstrengo na Câmara e o Senado da República, como casa revisora, está enterrando esse monstrengo — disse o senador Márcio Bittar (PL-AC).
Centrão e bolsonaristas planejaram estratégia
O arquivamento da blindagem coloca dúvidas sobre o acordo firmado entre o centrão e os bolsonaristas com relação à anistia. Relembre, abaixo, a cronologia do plano firmado pelos parlamentares dos dois grupos:
Julho - Nasce a ideia

Os dois projetos ganharam tração durante o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, no início do mês, mas a ideia de uma votação casada surgiu no recesso do Congresso, em julho.
Na época, o ministro Alexandre de Moraes havia determinado a colocação de tornozeleira eletrônica em Bolsonaro por coação no curso de processo judicial. A decisão foi tomada no inquérito que apura a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao governo dos Estados Unidos por represálias ao STF e ao governo brasileiro.
Agosto - Motim na Câmara

Na retomada dos trabalhos legislativos, em agosto, os bolsonaristas articularam um motim, ocupando a Mesa Diretora da Câmara em protesto para acelerar a votação da anistia. Ex-presidente da Casa e com trânsito fácil tanto no centrão como entre os bolsonaristas, o deputado Arthur Lira (PP-AL) reuniu os interesses dos dois grupos.
Pelo acerto, o centrão votava a favor da anistia se, antes, os bolsonaristas votassem a favor da PEC da Blindagem. Lideranças do centrão argumentaram à época que só protegidos de eventual revide do STF poderiam deixar as digitais num perdão judicial que afrontasse a Suprema Corte. Por trás desse discurso, porém, estava o receio dos congressistas no avanço das investigações sobre irregularidades no pagamento de emendas parlamentares.
Setembro - Votos garantidos

Consumado o acordo, a Câmara aprovou a PEC na terça-feira da semana passada e, no dia seguinte, a urgência para votação da anistia, ambas as medidas com mais de 300 votos.
Todavia, o centrão optou por uma anistia "light", sem perdão total a Bolsonaro.
Setembro - Escolha do relator

A nomeação de um relator próximo a Moraes, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), irritou os bolsonaristas. A escolha do nome coube ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos -PB), e expôs a preferência por uma anistia costurada com o Senado e chancelada pelo STF, postura condizente com o pragmatismo do centrão na tomada de decisões políticas.
A ideia era levar a plenário, ainda nesta quarta-feira (24), um texto que tirasse da prisão os sentenciados pelo 8 de Janeiro, sem reverter a condenação nem a inelegibilidade de Bolsonaro. Os aliados do ex-presidente não aceitam a iniciativa e insistem numa anistia "ampla, geral e irrestrita".
Futuro da anistia é incerto
O anúncio de novas sanções do governo dos Estados Unidos ao STF e membros do governo fragilizou o apoio ao projeto de Paulinho. Emissários do Tribunal sinalizaram ao relator que o revide da Casa Branca à condenação de Bolsonaro prejudicou o aval da Corte à anistia "light".
Sem garantia de que uma eventual aprovação do projeto será mantida pelo Supremo, Paulinho empurrou a votação para a próxima semana, na tentativa de reconstruir a base de apoio à medida.
Os bolsonaristas também ganharam tempo para arregimentar forças por um texto alternativo que beneficie o ex-presidente. O objetivo do grupo agora é constranger o centrão em plenário, expondo o acordo anterior e pedindo votação nominal para que cada deputado vá ao microfone rejeitar o perdão a Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, o relator mantém reuniões com a bancada governista, que indicou ser contrária até mesmo à anistia "light". Para pressionar o Planalto, Paulinho da Força ameaça impedir a votação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil antes que a Câmara vote a anistia.
— Se não votar isso, não vai votar IR — disse, segundo o jornal O Globo, após encontro com deputados do PT.




