
Após uma sessão exaustiva na quarta-feira (10) — foram mais de 12 horas —, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação Penal 2668, que trata da tentativa de golpe de Estado, às 14h23min desta quinta (11).
O voto da ministra Cármen Lúcia deu maioria para as condenações do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais sete réus por todos os cinco crimes imputados a eles na denúncia (veja o placar abaixo).
A ministra destacou que Bolsonaro era o líder da organização criminosa denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
— O Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado democrático de direito e todos nós, com as nossas compreensões diferentes, estamos resguardando isso e só isso, o direito que o Brasil impõe, que nós, como julgadores, façamos valer.
Ontem, o ministro Luiz Fux proferiu seu extenso voto em que absolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro de todos os crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República. Além disso, votou pela absolvição de outros seis réus: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Fux votou pela condenação de Mauro Cid e Walter Braga Netto pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de direito.
A expectativa em cima do voto da ministra Cármen Lúcia foi confirmada logo ao final da primeira frase proferida pela magistrada:
O que há de diferente nesta ação penal é que nela pulsa um Brasil que me dói. Este processo é quase um encontro do Brasil com seu passado, presente e futuro, especialmente nas áreas de políticas públicas e golpe de Estado.
Cármen Lúcia fez um pronunciamento enfático sobre a importância e a complexidade do julgamento que envolve atos contra o Estado democrático de direito. Segundo ela, embora o processo penal siga um rito jurídico claro, a tarefa do julgador é desafiadora.
Juridicamente, trata-se de uma ação penal em que atos são denunciados como práticas delituosas, tudo conforme o devido processo legal. Mas, mesmo com essa estrutura, a atuação do julgador não é simples.
Cármen Lúcia também fez uma reflexão histórica, lembrando que o Brasil realizou 10 eleições desde a promulgação da Constituição de 1988, mas enfrentou momentos difíceis para a democracia.
Nem tudo foram rosas. Se houve dor, também houve muita esperança.
Ela apontou que, desde 2021, além da pandemia de covid-19, surgiram novos focos de tensão sociopolítica no país, impulsionados por estratégias voltadas a objetivos espúrios.
— Práticas que comprometeram ou tentaram abolir o Estado democrático de direito — declarou.
O ministro Flávio Dino pediu um aparte. A ministra concedeu a fala ao colega e brincou: "Todos, mas lembro que nós, mulheres, ficamos dois mil anos caladas. Queremos ter o direito de falar".
Segundo a magistrada, os apartes estão no Regimento do STF e devem ser usados.
Na sessão de quarta, Luiz Fux falou por mais de 13 horas de forma ininterrupta. Na terça, Fux deixou claro que não gostaria de ser interrompido pelos colegas.
Cármen Lúcia lembrou que quatro dos oito réus no julgamento assinaram a lei que institui os crimes contra o Estado de direito.
— Não se podia dizer que não se conhecia.
Para ela, a denúncia da PGR não aponta apenas um fato isolado que teria levado ao golpe de Estado, mas sim "estratégias e ações encadeadas".
A ministra ressaltou que o objetivo deste julgamento é fazer "valer a norma vigente" e que criar um novo tipo penal para punir os réus seria um ato de autoritarismo.
Cármen Lúcia concluiu afirmando que os atos de 8 de janeiro não foram "banais" e que o STF é "absolutamente intangível à ignorância crassa da força bruta".
8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois do almoço de domingo, em que as pessoas saíram passear.

Questões preliminares
Cármen Lúcia rejeitou a preliminar acerca da competência do plenário, ela lembrou que o tema já foi amplamente debatido e resolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
A ministra também abordou a competência da Corte em relação à prerrogativa de foro. Ela afirmou que o tema já está consolidado no STF, reforçando que, neste caso, não seria possível reverter o entendimento.
Cármen Lúcia também rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa.
A ministra seguiu falando sobre o acesso às provas. "Muito se fala, 'foi rápido demais esse julgamento'."
Algo de tamanha gravidade, que atinge o coração da República, era preciso que se desse preferência, por isso os julgamentos estão acontecendo. Não dá para comparar um mundo diante do mundo de agora.
Cármen Lúcia também rejeitou a preliminar sobre a anulação do acordo de delação premiada de Mauro Cid.
Uma pessoa que fez a vida toda numa corporação sujeita a uma hierarquia, mencionar atos obviamente ilícitos de seus superiores não é tarefa fácil mesmo. É preciso ver isso com a humanidade que é própria.
Com o voto de Cármen Lúcia, todas as preliminares apresentadas pelas defesas estão sepultadas.
Em um recado direto ao ministro Luiz Fux, a ministra Cármen Lúcia afirmou que, ao analisar os fatos isoladamente, é fácil apresentá-los como menos importantes.
Cármen Lúcia, por sua vez, alinhou-se a Moraes e Dino, enfatizando a importância do encadeamento dos fatos.
Análise do Mérito
Após rejeitar todas as preliminares, a ministra seguiu para o mérito da denúncia. Ela defendeu que o Ministério Público fez "prova cabal" de que o grupo liderado por Jair Bolsonaro — composto por figuras-chave do governo, Forças Armadas e órgãos de inteligência — desenvolveu e implementou um plano sistemático para atacar as instituições democráticas.
Acho e já antecipo que fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário.
O objetivo, segundo Cármen Lúcia, era prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos outros poderes, especialmente o Judiciário.
Aparte de Moraes e organização criminosa
Durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes fez um aparte no voto de Cármen Lúcia e rebateu diretamente os argumentos de Luiz Fux, que defendeu a absolvição de Jair Bolsonaro.
Para ilustrar seu ponto, Moraes exibiu um vídeo do ex-presidente, na Avenida Paulista, em setembro de 2021.
— Uma imagem vale mais do que mil palavras, disse o ministro, mostrando Jair Bolsonaro em um evento público, ameaçando-o e afirmando que Moraes teria que arquivar investigações contra ele. Moraes, então, ressaltou que esse tipo de comportamento, vindo de um político e dirigido a qualquer juiz, seria considerado um ataque criminoso.
— Aqui não está Mauro Cid presidente. Aqui não está Walter Braga Netto presidente. Aqui está o líder da organização criminosa.
O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, complementou a fala de Moraes, classificando o ato como uma "coação institucional".
Com o voto de Cármen Lúcia, o STF forma maioria para condenar os réus do núcleo crucial por formação de organização criminosa armada.
Golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito
Cármen Lúcia votou pela condenação dos oito réus pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado.
Cármen Lúcia afirmou que o grupo denunciado agiu em "conluio" e classificou o conjunto dos atos como de "enorme violência", tanto física quanto institucional. Ela também destacou que, segundo a doutrina jurídica, o crime de golpe de Estado não absorve o de tentativa de abolição do Estado democrático de direito, acompanhando o entendimento do relator Alexandre de Moraes.






