
Após ser retomado nesta quarta-feira (4), o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a responsabilização das redes sociais pelos conteúdos postados pelos usuários será retomado na quinta-feira (5). O ministro André Mendonça, que ocupou praticamente toda a sessão desta quarta com a leitura de seu voto, terminará suas considerações nesta quinta.
Em dezembro, o julgamento foi interrompido depois que Mendonça pediu vista. Ele devolveu o processo para julgamento na semana passada. Já proferiram seus votos os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Todos votaram contrários à exigência de notificação judicial para retirada de conteúdo ofensivo.
Como foi o julgamento nesta quarta
Nesta quarta-feira (4), o julgamento teve início com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fazendo algumas considerações e relembrando como já votaram ele mesmo e os outros ministros.
Após, o ministro Dias Toffoli relembrou que, em seu voto, afirmou que "é inconstitucional" o artigo 19 do Marco Civil, que estabelece que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros caso elas deixem de cumprir uma ordem judicial de remoção:
— Qual é o momento do início da responsabilidade civil do dano causado? Da forma como está hoje o artigo 19, essa responsabilidade só surge se descumprida a decisão judicial. Não se trata de censura ou liberdade de expressão, porque ninguém diz que a responsabilidade é possível. Não estamos tratando de censura, estamos a tratar o momento que surge a responsabilização — argumentou Toffoli.
Após a fala do colega, Mendonça deu início à leitura de seu voto e avisou que faria "uma leitura detida" e que provavelmente utilizaria todo o tempo da sessão desta quarta e possivelmente parte da sessão de quinta-feira.
Em tópico no qual abordou a liberdade de expressão, Mendonça afirmou que "não se deve negligenciar o aspecto central que esse direito fundamental ostenta na própria fundação das sociedades democráticas ocidentais".
— Não se pode olvidar que, mais do que um direito individual, a liberdade de expressão tem uma dimensão coletiva, tendo em vista que a sua conservação aproveita não apenas a pessoa individualmente considerada, mas toda a sociedade que tem pelo canal da livre manifestação de ideias e pensamentos — argumentou.
Mendonça destacou também que os usuários das redes sociais não seriam "vítimas indefesas das manipulações promovidas pelos algoritmos desses provedores de conexão e aplicativos", já que as plataformas mapeiam as preferências de cada um para "potencializar o engajamento":
— É preciso atentar para o fato de que, na realidade, elas o fazem a partir da identificação de predileções e predisposições que já manifestamos previamente. Não se trata de incutir novos pensamentos, crenças e opiniões, ou também de alterar aquelas já existentes. Antes, opera-se com a identificação e o reforço das compreensões que cada qual já carrega.
O ministro sinalizou que deve votar pela manutenção da validade do dispositivo do Marco Civil da Internet que prevê a responsabilização das plataformas somente em caso de descumprimento de decisões judiciais.
Os recursos
O Supremo julga de forma conjunta dois recursos extraordinários, com repercussão geral, que debatem a validade e a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). A legislação, aprovada em 2014, estabeleceu os principais direitos e deveres acerca do uso da internet no Brasil.
O artigo 19 da legislação estabelece que "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".
No recurso que tem como relator o ministro Dias Toffoli, o STF analisa a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O autor do recurso foi o Facebook, que buscava derrubar uma decisão judicial anterior que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.
No outro recurso, que tem como relator o ministro Luiz Fux, o STF analisa se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar de forma prévia à intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.
Votos antes da suspensão
Antes da suspensão da deliberação do Plenário, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já tinham proferido seus votos. Com pequenas divergências, os três já tinham se posicionado de forma contrária à exigência prévia de notificação judicial para a retirada de conteúdos ofensivos já publicados.
Barroso, presidente da Corte, votou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19. Para ele, as redes devem retirar postagens com conteúdo envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia e ao Estado Democrático de Direito. Pela deliberação de Barroso, a retirada deve ser tomada após as empresas serem notificadas pelos envolvidos. Barroso, no entanto, excluiu deste entendimento os crimes contra a honra, devendo, estes demandar ordem judicial para sua remoção.
Dias Toffoli, por sua vez, afirmou ser inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil. Toffoli defendeu que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, as plataformas digitais devem fazer a remoção a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de ordem judicial. O ministro reforçou que, em algumas situações, as plataformas devem retirar o conteúdo mesmo sem a necessidade da notificação extrajudicial. Toffoli entendeu ainda que se as plataformas digitais deixarem de agir, devem ser responsabilizadas.
O ministro Luiz Fux também havia votado pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, pois o dispositivo daria uma espécie de "imunidade civil" às empresas. Fux propôs que as empresas sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos à honra ou à imagem e à privacidade que caracterizem crimes (injúria, calúnia e difamação) assim que notificadas, e o material só poderia ser republicado, posteriormente, com autorização judicial.
Fux já havia defendido ainda que, em casos de discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado, as plataformas façam monitoramento ativo e retirem o conteúdo do ar imediatamente, sem necessidade de notificação.