
O segundo dia de interrogatório dos réus do chamado núcleo 1 da suposta trama golpista começou, nesta terça-feira (10), com os depoimentos do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno.
Os interrogatórios antecederam a fala, prevista para esta tarde, do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por cinco crimes envolvendo a tentativa de golpe de Estado em 2022. Ao todo, 34 pessoas respondem pelos atos.
Os dois primeiros interrogados, Garnier e Torres, responderam perguntas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e de seus próprios advogados. Ambos negaram a apresentação de uma minuta golpista, com termos para a oficialização da ruptura institucional. Já Heleno ficou em silêncio nas indagações feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, respondendo apenas perguntas da defesa (veja detalhes abaixo).
Ainda serão interrogados o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na eleição de 2022 Walter Braga Netto.
Na segunda-feira (9), a Primeira Turma do STF ouviu o ex-ajudante de ordens da Presidência da República tenente-coronel Mauro Cid e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão bolsonarista, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal.
Almirante negou ter colocado tropas à disposição de golpe

O ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos foi o priemeiro a ser interrogado nesta terça. Ele confirmou ter participado de reuniões, ao longo de dezembro de 2022, com a cúpula do governo Bolsonaro, mas negou a discussão acerca de um eventual golpe.
— Havia vários assuntos, o principal era a preocupação que o presidente tinha, que também era nossa, das inúmeras pessoas que estavam, digamos assim, insatisfeitas e se posicionavam no Brasil todo, em frente aos quartéis do Exército — afirmou Garnier.
Questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, o militar negou ter dito que colocaria as tropas da Marinha à disposição para auxiliar em golpe de Estado, conforme dito pelo ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, em depoimento.
— Não houve deliberações. O presidente não abriu a palavra para nós. Ele fez as considerações dele, expressou o que pareciam para mim mais preocupações e análise de possibilidades — disse.
Garnier e Torres negam discussão sobre minuta
Ainda durante o interrogatório, o ex-comandante da Marinha negou que tenha sido apresentada uma "minuta de golpe" na reunião entre as autoridades. O rascunho de documento previa a declaração de estado de defesa no país e a prisão de autoridades para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Garnier afirmou que foi exibida uma apresentação com "preocupações" de Bolsonaro quanto à segurança pública.
— Nenhum documento foi apresentando nesta reunião. Essa reunião foi, para dizer o mínimo, estranha. Estranha porque ela terminou antes de começar — disse.
Já Anderson Torres, ouvido na sequência, disse que nunca discutiu o assunto da minuta.
— Eu nunca tratei isso com o presidente da República, eu nunca tratei isso com ninguém. Isso veio até o meu gabinete no Ministério da Justiça, foi organizado pela minha assessoria — disse.
O ministro Alexandre de Moraes perguntou, então, por que o documento foi encontrado na casa do interrogado.
— Foi parar na minha casa, mas eu nunca discuti esse assunto, eu nunca trouxe isso à tona, isso foi uma uma fatalidade que aconteceu. Era para ter sido destruída há muito tempo — argumentou.
Torres ainda classificou o texto como uma "minuta do Google".
— Não é "minuta do golpe", eu brinco que é a "minuta do Google". Eu levava duas pastas para a minha residência, uma delas contendo a agenda do dia seguinte, eventuais minutas de discurso, coisas nesse sentido, e outra com documentos gerais que vinham no ministério — alegou o ex-ministro da Justiça.
Interferência das polícia e segurança das urnas

Anderson Torres também respondeu sobre sua viagem para os Estados Unidos no dia 8 de janeiro de 2023, quando aconteceram os atos golpistas em Brasília. Na época, ele era secretário da Segurança do Distrito Federal. Interrogado, o depoente afirmou que "houve uma falha muito grave no cumprimento do protocolo".
Questionado por Cezar Bitencourt, advogado de Mauro Cid, o ex-ministro afirmou que jamais houve o direcionamento do policiamento ou de operações da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal em relação ao segundo turno das eleições.
— Não houve interferência nenhuma. O Ministério da Justiça atua como uma parte estratégica, não é uma parte operacional. As instituições têm toda a liberdade para fazer seus planejamentos — disse.
Sobre os ataques às urnas eletrônicas durante live com Bolsonaro e os questionamentos sobre os resultados das eleições de 2022, Anderson Torres disse que fazia "sugestões de melhorias" ao sistema eleitoral. No entanto, ele reconheceu que não havia elementos que comprovassem uma suposta fraude nas urnas.
— Tecnicamente falando, não temos nada que aponte fraude nas urnas. Nunca chegou essa notícia até mim — afirmou.
— Eu passava isso e quando era questionado pelo presidente e por qualquer autoridade, eu sempre passei isso: não tínhamos tecnicamente nada a dizer sobre as urnas eletrônicas — prosseguiu Torres.
Heleno só responde a advogado

O general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), decidiu fazer uso do direito ao silêncio no interrogatório. O ministro Alexandre de Moraes leu todos os questionamentos que haviam sido formulados para constar na ata da sessão.
Heleno seria questionado sobre o suposto uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão vinculado ao GSI, para produzir notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. O militar também seria perguntado sobre a agenda apreendida na casa dele, com anotações sobre supostas fraudes na eleição. O general seria cobrado a explicar as declarações que fez na reunião ministerial de 5 de julho de 2022.
Após essa etapa, Hele respondeu os questionamentos da própria defesa. Na oportunidade, negou qualquer envolvimentos com um suposto plano de golpe de Estado, respondendo somente "sim" ou "não" às perguntas.
No entanto, em uma das perguntas, sobre a politização do GSI, Heleno deu mais detalhes:
— É uma acusação que não tem o menor fundamento. É preciso entender que o GSI chegava a ter entre 900 e 1 mil servidores, que vinham das mais diferentes origens, homens e mulheres. Não havia clima para fazer pregações políticas, nem utilizar os servidores do GSI para atitudes politizadas. Então, isso não acontecia, eu não tratava disso no GSI — afirmou.
Heleno foi repreendido pelo advogado e ouviu uma brincadeira do ministro Alexandre de Moraes:
— A pergunta é só "sim" ou "não" — alertou o advogado Matheus Milanez.
— Porra, desculpa — respondeu Heleno.
— Não fui eu, general Heleno, que fique nos anais aqui do Supremo, foi o seu advogado — completou Moraes.