
— É verdadeira a acusação que lhe é feita pelo procurador-geral da República? — pergunta o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
— Eu presenciei grande parte dos fatos, mas eu não participei deles — responde o tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens da Presidência da República Mauro Cid.
Assim, teve início o primeiro de oito depoimentos que o Supremo Tribunal Federal (STF) toma nesta semana sobre um movimento que teria havido no Brasil entre 2022 e 2023 com objetivo de romper com a normalidade democrática, impedindo a confirmação do resultado das eleições presidenciais então recém realizadas.
Mauro Cid, que firmou com a Justiça um termo de colaboração e, por isso, foi o primeiro ouvido, ainda confirmaria que foi redigida neste contexto uma minuta golpista, o rascunho de um decreto que seria assinado pelo presidente, prevendo, entre outras coisas, estado de sítio e a criação de uma comissão para refazer a eleição.
Segundo o tenente-coronel, o então chefe do Executivo federal Jair Bolsonaro, um dos réus na ação, não só sabia da existência desta minuta, como teve acesso a ela e solicitou ajustes.
— O presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor ficaria como preso. O resto, não — afirmou Cid em resposta a Moraes, que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) naquele pleito e é relator da ação sobre a trama golpista, na Primeira Turma do STF.
O ex-ajudante de ordens diz que participou de uma reunião com os chefes das Forças Armadas em que o texto, já após os ajustes solicitados por Bolsonaro, foi parcialmente apresentado. Este encontro teria acontecido, com a presença do então presidente e do próprio Cid, na biblioteca do Palácio da Alvorada.
Além do depoimento do ex-ajudante de ordens, a segunda-feira teve a oitiva do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão bolsonarista, Alexandre Ramagem, que hoje é deputado federal (saiba mais sobre o depoimento abaixo).
A Primeira Turma do STF retoma os interrogatórios na manhã desta terça-feira, a partir das 9h. O primeiro ouvido será o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos.
Ramagem diz que documentos apreendidos eram "anotações privadas"

No começo de seu depoimento, o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e hoje deputado federal Alexandre Ramagem afirmou que não é verdadeira a acusação que a PGR faz contra ele, de participação em suposta trama golpista. Ramagem foi apontado como responsável por produzir materiais que embasariam falas públicas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas. Parte do suposto plano antidemocrático seria minar a confiança da população no sistema eleitoral.
No interrogatório desta segunda-feira, o deputado foi frequentemente questionado sobre arquivos encontrados em dispositivos, como computador e celular, dele. Trata-se de textos, alguns expressamente direcionados a Bolsonaro. Alexandre Ramagem afirmou, porém, que nunca enviou qualquer destes conteúdos a ninguém:
— Não houve difusão, encaminhamento qualquer deste documento. Era algo privado, com opiniões minhas, anotações privadas diversas.
O ex-diretor da Abin também foi questionado sobre ter usado a agência para monitorar autoridades ou mesmo para fins particulares do ex-presidente. Ele negou e citou a investigação chamada de "Abin paralela", que apontou o suposto uso de um software no órgão para indicar localização de pessoas, sem autorização judicial.
Ramagem disse que, ao assumir a agência, conduziu uma auditoria deste sistema, que teria sido contratado na gestão anterior. O deputado acrescentou que, enquanto dirigiu a Abin, encerrou o uso do software supostamente usado nos monitoramentos ilegais:
— Se há alguma Abin paralela, foi de servidores oficiais de inteligência da Abin, não foi de quem estava auditando.
Próximos depoimentos
O ex-ajudante de ordens da Presidência da República Mauro Cid foi o primeiro interrogado por ter firmado termo de colaboração premiada com a Justiça. Os depoimentos seguintes tiveram a ordem definida pelo primeiro nome do réu. Quais ainda serão feitos:
- o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos
- o ex-ministro da Justiça Anderson Torres
- o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno
- o ex-presidente Jair Bolsonaro
- o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira
- o ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na eleição de 2022 Walter Braga Netto
O interrogatório de Braga Netto, general da reserva, será o único realizado por videoconferência, em decorrência de ele estar preso preventivamente desde 14 de dezembro de 2024. A detenção aconteceu pelo entendimento de que o militar procurou atrapalhar as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado.
Próximas sessões
Além da sessão que começa às 9h de terça, outras três foram convocadas para:
- quarta-feira (11), às 8h;
- quinta-feira (12), às 9h; e
- sexta-feira (13), às 9h.
Elas serão realizadas conforme a necessidade, até que se encerrem os interrogatórios dos réus.
A PGR denunciou 34 pessoas, divididas em núcleos, pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Responsável pelo julgamento do caso, a Primeira Turma do STF é composta, além de Moraes, pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino.
Cid diz que não sabia sobre 8 de Janeiro e Punhal Verde Amarelo

Na posição de "réu colaborador", Mauro Cid foi mais longamente inquirido, inclusive pelos advogados de defesa dos demais investigados. No interrogatório desta segunda, o ex-ajudante de ordens reiterou as informações de sua delação e afirmou que as deu de forma espontânea, sem ter sido, de qualquer forma, coagido ou pressionado por investigadores.
Cid foi questionado sobre o plano chamado de "Operação Punhal Verde e Amarelo" — que teria sido discutido no contexto da trama golpista e previa, inclusive, o assassinato do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro do STF Alexandre de Moraes — e afirmou que não ouviu falar dele enquanto atuava no Planalto.
— Fiquei sabendo pela imprensa — atestou.
O advogado de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, perguntou a Cid se este teve informação antecipada ou se ouviu, no entorno do então presidente, qualquer incentivo aos atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos três poderes foram invadidas e vandalizadas em Brasília.
— Não, senhor — respondeu o tenente-coronel.
Segurança reforçada
O Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou as medidas de segurança para as sessões em que são ouvidos na Primeira Turma o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus.
A principal mudança no protocolo de proteção foi o aumento no número de barreiras com detectores de metal. Antes para acessar a Primeira Turma era preciso passar por apenas uma inspeção. Os réus, advogados e demais pessoas interessadas em acompanhar os interrogatórios desta semana são submetidas a duas revistas de detecção.
O STF posicionou duas viaturas e um número maior de agentes da Polícia Judicial na área externa da Primeira Turma, por onde geralmente passam as pessoas que vão acompanhar as sessões de julgamento. No mesmo local também foram posicionados policiais e cães farejadores responsáveis por varreduras e monitoramento de ameaças.
Essas medidas se somam ao aumento no número de policiais judiciais mobilizados para atuar na segurança da Primeira Turma. O reforço no protocolo de proteção se deve ao fato de a sessão contar a presença de um ex-presidente, três ex-ministros de Estado, um ex-comandante da Marinha e um deputado federal, além dos cinco ministros que integram a Primeira Turma.