
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá dar prosseguimento nesta próxima quarta-feira (11) ao julgamento sobre a responsabilização das empresas detentoras de redes sociais por conteúdos postados por usuários. Na última semana, as deliberações foram retomadas, com o voto do ministro André Mendonça.
O julgamento teve início em novembro passado, mas logo em dezembro foi suspenso, após o próprio ministro Mendonça pedir vistas dos autos. Na última quarta-feira (4), o caso foi retomado com o início do voto de Mendonça, que só foi concluído na quinta-feira (5).
O Supremo julga de forma conjunta dois recursos extraordinários, com repercussão geral, que debatem a validade e a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). A legislação, aprovada em 2014, estabeleceu os principais direitos e deveres acerca do uso da internet no Brasil.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".
No recurso que tem como relator o ministro Dias Toffoli, o STF analisa a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O autor do recurso foi o Facebook, que buscava derrubar uma decisão judicial anterior que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.
No outro recurso, que tem como relator o ministro Luiz Fux, o STF analisa se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar de forma prévia à intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.
Dessa forma, na prática, o que os ministros estão decidindo agora é se as empresas detentoras de redes sociais devem ter responsabilidade por conteúdos ofensivos postados por usuários também antes de ordens judiciais específicas.
Votos antes da suspensão de dezembro
Antes da suspensão da deliberação do Plenário, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já tinham proferido seus votos. Com pequenas divergências, os três haviam se posicionado de forma contrária à exigência prévia de notificação judicial para a retirada de conteúdos ofensivos já publicados.
Barroso, presidente da Corte, votou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19. Para ele, as redes devem retirar postagens com conteúdo envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia e ao Estado Democrático de Direito. Pela deliberação de Barroso, a retirada deve ser tomada após as empresas serem notificadas pelos envolvidos. Barroso, no entanto, excluiu deste entendimento os crimes contra a honra, devendo, estes, demandar ordem judicial para sua remoção.
Dias Toffoli, por sua vez, afirmou ser inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil. Toffoli defendeu que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, as plataformas digitais devem fazer a remoção a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de ordem judicial. O ministro reforçou que, em algumas situações, as plataformas devem retirar o conteúdo mesmo sem a necessidade da notificação extrajudicial. Toffoli entendeu ainda que, se as plataformas digitais deixarem de agir, devem ser responsabilizadas.
O ministro Luiz Fux também havia votado pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, pois o dispositivo daria uma espécie de "imunidade civil" às empresas. Fux propôs que as empresas sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos à honra ou à imagem e à privacidade que caracterizem crimes (injúria, calúnia e difamação) assim que notificadas, e o material só poderia ser republicado, posteriormente, com autorização judicial.
Fux já havia defendido também que, em casos de discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado, as plataformas façam monitoramento ativo e retirem o conteúdo do ar imediatamente, sem necessidade de notificação.
Voto de Mendonça abre divergência
Na quinta-feira, o ministro André Mendonça concluiu seu voto, iniciado no dia anterior. Mendonça abriu divergência em relação à posição dos outros ministros que já votaram. O ministro afirmou que as plataformas digitais têm legitimidade para pleitear, em nome próprio, a tutela jurisdicional necessária e a preservação da livre manifestação dos seus usuários.
Na sessão de quarta, ele já havia sinalizado que deveria votar pela manutenção da validade do artigo 19 do Marco Civil, que prevê a responsabilização das plataformas somente em caso de descumprimento de decisões judiciais.
— No que concerne à remoção de conteúdo, entendo que, à luz das balizas constitucionalmente estabelecidas, o dispositivo é, em tese, constitucional — afirmou nesta quinta.
Apesar da divergência, André Mendonça destacou que é preciso interpretar o artigo 19 de acordo com a Constituição. Por exemplo, de acordo com o ministro, é inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos, com atividade ilícita.
Além disso, o ministro disse que as plataformas têm o dever de promover a identificação do usuário violador do direito de terceiro, e que não é possível responsabilizar diretamente a plataforma sem prévia decisão judicial quando se está diante de ilícito de opinião.
Maioria simples definirá julgamento
O julgamento do caso ocorre no âmbito do Plenário do STF. Ou seja, votam os 11 ministros da Corte, e uma maioria simples de seis votos define a decisão.
Após o fim do voto de Mendonça, portanto, os outros sete ministros do Supremo passarão a votar. Ainda não se manifestaram no caso Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Os ministros que ainda não votaram podem optar por apenas manifestar a sua posição, eventualmente seguindo votos já proferidos. Se isso ocorrer, o julgamento pode ser concluído ainda nesta próxima quarta, de forma mais acelerada, caso uma maioria já seja formada.
Por outro lado, os ministros podem também optar por fazer uma leitura mais extensa de seus votos. Neste caso, se os votos extrapolarem o período da sessão de quarta, a conclusão do julgamento ficará para as próximas sessões da Corte.
Há ainda a possibilidade de algum dos ministros pedir vistas do processo para uma análise mais aprofundada, como fez André Mendonça em dezembro passado. Assim, o julgamento seria novamente interrompido, sendo retomado a partir da posterior devolução dos autos.