Para cobrir o rombo na Previdência dos servidores, o governo Eduardo Leite teve de desembolsar, em 2019, três vezes mais do que a verba destinada à saúde. A conta bateu a marca de R$ 12,5 bilhões, um recorde histórico. Com a reforma aprovada no fim de janeiro –a maior dos últimos 30 anos –, a sangria de recursos tende a diminuir, mas o problema não terá solução imediata.
Em comparação com 2018, o déficit no regime financeiro de repartição simples (incluindo civis e militares) cresceu R$ 821 milhões, o dobro do valor aplicado em transporte escolar, merenda e manutenção de escolas. O montante consumiu 31,3% da receita corrente líquida no período e manteve o Rio Grande do Sul na pior situação do Brasil.
Em tese, as contribuições dos servidores em atividade deveriam ser suficientes para financiar os benefícios dos inativos, mas na prática isso não ocorre há anos. Isso se explica pelo fato de que, no passado, gestores demoraram a fazer ajustes capazes de dar sustentabilidade ao sistema.
Até meados da década de 1990, os servidores contribuíam apenas para o custeio das pensões e do plano de saúde. Em 2011, foi criado um fundo de capitalização e, em 2015, um plano de previdência complementar. As alíquotas cresceram ao longo do tempo, mas o cenário seguiu piorando, porque, desde 2015, o número de inativos superou o de ativos.
Para corrigir o descompasso financeiro, o governo Leite aprovou medidas duras, com a imposição de alíquotas progressivas crescentes e o fim da incorporação de gratificações aos proventos, entre outras alterações (saiba mais no fim do texto). Mas também teve de fazer concessões, retirando da pauta o projeto que ampliava a contribuição de policiais militares.
Outros Estados conseguiram avançar no tema, mas entre os maiores, com déficits mais volumosos, ninguém fez o que o RS fez.
PEDRO NERY
Economista
Em uma década, os ganhos previstos com a revisão das normas previdenciárias podem chegar a cerca de R$ 12 bilhões, considerando despesas que deixarão de ser feitas e receitas novas em caixa.
No primeiro ano de vigência das regras revisadas (que começam a valer a partir de abril, em razão da noventena), o impacto será próximo de R$ 950 milhões. É pouco diante do tamanho do déficit, mas, na avaliação do governo, é o início de um novo caminho.
— Sem as concessões feitas, talvez não tivéssemos o benefício que conseguimos. Isso faz parte do processo. É por isso que se chama reforma e não revolução. E é só o começo. Daqui a 20, 30 anos, os ganhos serão exponenciais — garantiu a secretária de Planejamento, Leany Lemos, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A projeção, na avaliação de Pedro Nery, doutor em Economia pela Universidade de Brasília, está correta. Especialista em Previdência Social, o consultor legislativo do Senado afirma que a reforma não vai zerar o déficit, mas vai ajudar o Estado a ampliar os recursos destinados a áreas essenciais.
— O que ajuda mais, em curto prazo, é o ganho com as novas contribuições (que hoje são de 14% e chegarão a 22%). Em médio e longo prazo, a reforma vai ajudar o Estado a investir mais em saúde ou em politica social, e a evitar mais aumento de impostos — avalia o economista.
Nery classifica o esforço feito pelo governo como "exemplar". Sobre o recuo em relação à Brigada Militar, o especialista avalia que não havia outra saída diante da reforma previdenciária das Forças Armadas, capitaneada pelo governo federal (que definiu alíquotas menores para militares, deixando os governadores de mãos amarradas).
— A principal dificuldade não é o que o Estado não fez, mas o que a União fez. A União ganhou um poder grande para tratar dos militares estaduais. Esse é um grupo próximo do presidente, um grupo que está com força em Brasília e que tem conseguido vantagens. Então, nessa questão da Previdência, o Rio Grande do Sul fez bem o dever de casa. Outros Estados conseguiram avançar no tema, mas entre os maiores, com déficits mais volumosos, ninguém fez o que o Rio Grande do Sul fez — opina Nery.
Na sexta-feira, o Piratini ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal questionando a lei que limitou a contribuição dos militares a 9,5% em 2020 e 10,5% em 2021. O argumento é de que a legislação federal viola o pacto federativo ao reduzir as receitas decorrentes das contribuições dos militares.