Após se tornar um dos mais jovens governadores do Rio Grande do Sul e tentar candidatura presidencial, Eduardo Leite (PSDB) lidera a maior coligação da disputa ao governo do Estado. Aos 37 anos, o tucano cita a preocupação com o equilíbrio fiscal como justificativa à quebra da promessa de não concorrer à reeleição.
Para Leite, a manutenção do Rio Grande do Sul no regime de recuperação fiscal (RRF) é a garantia de que futuros gestores não irão extrapolar gastos para além das receitas, gerando déficit, atrasos em repasses e salários e aumento de impostos. Além da preocupação contábil, o ex-governador define como prioridade de um eventual segundo mandato os investimentos em educação.
Série de entrevistas
De 29 de agosto a 8 de setembro, GZH publica entrevistas com candidatos a governador do RS. O foco é discutir problemas do Estado e aprofundar as propostas de governo. Cada um dos oito postulantes de partidos com ao menos cinco representantes no Congresso terá entrevistas mais longas. Os outros concorrentes dividirão uma reportagem em 8/9. A ordem de publicação é alfabética, conforme o nome que será apresentado na urna.
O senhor garantiu que não iria à reeleição e renunciou para concorrer à Presidência. Como pretende convencer o eleitor a votar no senhor de novo?
A eleição será sobre o que foi feito e o que se deseja fazer no Estado. Mudei de opinião sobre reeleição para que o Estado não mude de rumo. Quando nomes à esquerda e à direita enfrentam da mesma forma o regime de recuperação fiscal, há ameaça à recuperação das contas. Não temo ficar sem mandato, temo é ver todo trabalho que fizemos se perder por conta do populismo fiscal. Me sinto confortável em me apresentar à reeleição porque estou fora do governo, tem alguém governando enquanto estou em campanha. Uma das críticas que sempre fiz é a confusão que se faz entre o governo e a candidatura.
O senhor também descumpriu promessas de botar salários em dia no primeiro ano, revogar o aumento do ICMS no segundo, não privatizar a Corsan. O que houve?
Na Corsan, mudou a lei. O marco regulatório do saneamento estabelece novo contexto no qual a promessa não se sustenta. É melhor eu pagar o preço de ter de explicar do que fazer o povo gaúcho pagar o preço de a Corsan se tornar inviável e frustrar a expectativa da universalização de um serviço essencial como o saneamento. Nos salários, havia um caminho, a oferta de ações do Banrisul geraria receita para ajudar a colocar em dia. Não se viabilizou no primeiro ano, mas sim no segundo. Na questão dos impostos, houve alteração completa do cenário. Fomos eleitos num contexto de crise fiscal, mas tivemos de enfrentar também a crise gerada pela estiagem e a pandemia. Mas chegamos no final do mandato com essas demandas atendidas. Os salários estão em dia, contas também, impostos foram reduzidos e temos o mais amplo conjunto de investimentos da história recente.
O principal ativo da Corsan são os contratos com os municípios, mas grande parte dos prefeitos rejeita a privatização. Como o senhor pretende convencê-los a aceitar a venda?
Há suficiente articulação com os municípios para manter a sustentabilidade dos contratos. O ponto é que a Corsan não atende a contento. Os municípios atendidos pela Corsan têm performance de coleta e tratamento de esgotos muito abaixo do perfil socioeconômico, menos de 20%. Ou seja, para conseguir fazer a universalização até 2033, como exige o marco regulatório, o volume de investimentos teria que triplicar.
Dá para garantir que a privatização não vai gerar aumento de custo ao consumidor?
A Corsan é a operadora do saneamento, mas é a concessão que estabelece regras sobre investimentos, performance e tarifa. Funciona assim com energia, transporte, telefonia, os serviços são prestados por empresas privadas em regime de concessão. Vai mudar o controle da companhia, mas os contratos permanecem os mesmos, com as mesmas regras de cálculo da tarifa. Agora, como os investimentos precisam ser feitos, naturalmente serão computados na tarifa. A lei estabelece universalização do serviço até 2033. Quanto mais retardar o processo, mais vai demandar investimentos no curto prazo, o que pode provocar aumento da tarifa.
Não temo ficar sem mandato, temo é ver todo trabalho que fizemos se perder por conta do populismo fiscal
O regime de recuperação fiscal impõe congelamento de gastos, limita reajustes salariais, contratação de servidores. Como o senhor pretende lidar com essas regras?
O regime estabelece limites às despesas, não às receitas. É garantia de que o Estado vai manter despesas sob controle para nunca mais atrasar salários, repasses e não haver razão para aumento de imposto. Ele dá condição de retomada do pagamento da dívida. É suportável para o Estado, enquanto abrimos espaço no orçamento para que a dívida seja paga integralmente sem deixarmos de cumprir outros compromissos.
Vários candidatos dizem que seria melhor renegociar a dívida com a União.
A dívida foi estabelecida num contrato no mesmo formato que outros Estados. Discutir renegociação na eleição soa como promessa de solução fácil ou empurrar o problema para baixo do tapete, o que historicamente foi feito no Estado. A dívida já foi renegociada em 2014, inclusive com revisão retroativa de juros. Sem dúvida nenhuma, o regime de recuperação fiscal é um caminho seguro para que o Estado possa cumprir seus compromissos sem ser lançado no curto, no médio nem no longo prazo numa situação de insolvência.
Queremos fazer do RS referência em inovação e tecnologia, um espaço para acolher empresas e gerar novos negócios. Isso exige capacidade de mão de obra
O senhor aprovou temas polêmicos, como privatizações, reformas administrativa e previdenciária, plano de carreira do magistério. Qual a prioridade num segundo mandato?A educação. Nosso programa tem R$ 1,3 bilhão em investimento para educação. Queremos fazer do RS referência em inovação e tecnologia, um espaço para acolher empresas e gerar novos negócios. Isso exige capacidade de mão de obra. Dobramos a carga horária de matemática e português, mas temos um desafio na capacitação dos professores. Criamos um processo de avaliação diagnóstica para saber quais são as maiores fragilidades dos alunos, produzimos material pedagógico voltado a essas fragilidades e estamos remunerando professores com bolsa de até R$ 600 para que cumpram programa de capacitação. Criamos um programa de bolsa para reter 80 mil alunos em sala de aula, especialmente no Ensino Médio. Mas é um processo que leva tempo. Não existe varinha de condão que resolva de uma hora para outra todos os problemas.
O senhor pretende privatizar o Banrisul?
Não pretendo, mas é uma discussão que precisa estar na pauta. O Banrisul opera no varejo, em regime de competição. Existem outras opções para os cidadãos. O Rio Grande do Sul é um dos únicos Estados que têm três bancos: Banrisul, BRDE e Badesul. Precisa ter três bancos?
O senhor vai apresentar um projeto para a venda do Banrisul?
Pessoalmente, não sou a favor da venda, mas isso não pode ser tabu. Os bancos públicos perderam valor nos últimos anos e parece ser difícil para um banco estatal, com todas as amarras da burocracia, competir nesse cenário dos bancos digitais.
Há um ano e meio o senhor criou auxílio de R$ 800 para empresários e trabalhadores dos setores de hotelaria, alimentação e eventos, mas, até hoje nada foi pago. Por quê?
Uma dificuldade no acesso dos dados, entraves da burocracia estatal que infelizmente frustraram o caráter emergencial que tinha essa transferência de valores. Mas é para ser pago.
O senhor pretende tentar de novo uma nova reforma tributária?
Não. Essa discussão está superada. O RS tem hoje as menores alíquotas de ICMS do Brasil.
A Assembleia Legislativa impediu o governo de colocar R$ 495 milhões em obras federais. Por que o senhor não priorizou vias estaduais?
O povo que usa as rodovias não é federal, é gaúcho. Não tem um povo federal ou municipal. E nós fizemos aporte de mais de R$ 400 milhões para obras nos municípios, que é onde o povo gaúcho mora. As receitas das privatizações precisam ser canalizadas para aquilo que gera impacto econômico, ganhos de receitas ordinárias para que o Estado tenha capacidade de pagar seus compromissos e expansão dos investimentos.
Eu preciso resolver conflitos rodoviários na Região Metropolitana para reduzir o tempo que o trabalhador perde nessas rodovias e que o turista perde para ir à Serra. Por isso, a escolha do complexo Scharlau, em São Leopoldo e Novo Hamburgo. Não tenho a mensuração desse impacto econômico, mas lembro do prejuízo gerado todas as vezes em que a ponte do Guaíba fechava. Da mesma forma, a BR-290, um corredor bioceânico e um porto na Zona Sul que escoa a maior parte da nossa produção agrícola e industrial. Não faltam obras que demandem esses recursos no Estado, mas não com a mesma repercussão econômica e capacidade de execução imediata.
No seu governo, um PM matou por engano um engenheiro em Marau e uma costureira em Gravataí. Teve o incidente em Torres, em que um soldado matou um policial rodoviário aposentado e as agressões ao torcedor do Brasil de Pelotas. O treinamento não está sendo falho?
As polícias do RS estão entre as melhores do país, o que não impede situações que mereçam punição. São seres humanos e não são imunes a erros. O uso da força tem de ser na proporção do necessário, mas não interessa a ninguém que tenhamos uma polícia com medo de agir. O governo trabalha para melhorar o treinamento. Tivemos situações em que a BM teve de treinar 2 mil policiais, com o mesmo quadro de instrutores. Com turmas de 800, como fazemos, formamos turmas menores com melhor qualidade.
O senhor é a favor do uso de câmeras nos uniformes de policiais?
O governo está fazendo essa implantação de forma dialogada, para que seja percebido pelo próprio policial o quanto isso pode colaborar inclusive com a sua própria proteção. Isso gera dúvidas, receio. A polícia precisa de respaldo do governo e terá. Isso não significa que em situações excepcionais não devam ser eventualmente até punidos com demissão quando se tem comportamento que desborda do razoável.
A única hipótese de eu estar participando de um debate nacional é se apresentarmos resultados concretos de melhoria na vida da população e na performance do governo
Como o senhor pretende evitar a falência do IPE, que tem 1 milhão de usuários?
Assumi com R$ 1,1 bilhão em atraso na saúde e tudo foi pago. No IPE, o Estado ficou sem remunerar a cota patronal por quatro meses, e isso também foi pago no nosso governo. Mas houve despesa crescente na saúde, e as receitas do IPE se tornaram insuficientes. Hoje, o IPE é deficitário e isso vai merecer análise. Os planos privados tiveram reajuste de 20%. O IPE não teve reajuste porque a forma de remuneração é a alíquota cobrada dos servidores, mais a cota patronal. Se não há reajuste de salário, não há aumento de receita. Vamos ter de discutir como reestruturar, não necessariamente com aumento de alíquota.
Se eleito, o quanto a intenção de ser candidato à Presidência em 2026 vai ocupar a agenda do seu mandato?
Esse é um assunto para daqui a quatro anos. Há tantas coisas a fazer que a minha ocupação estará, como sempre esteve neste governo, em resolver os problemas do Rio Grande do Sul. Foi o bom trabalho que fizemos que me guindou à discussão nacional. A única hipótese de eu estar participando de um debate nacional é se apresentarmos resultados concretos de melhoria na vida da população e na performance do governo.
O senhor foi alvo de preconceito, maledicências e fake news sobre sua sexualidade, mas dizia que isso não era assunto. Quando se lançou à Presidência da República, escolheu um programa de TV em rede nacional e, sem ser perguntado, assumiu ser gay. O quanto havia de libertação e o quanto teve de cálculo político naquele ato?
Eu tinha já o desejo de falar abertamente antes de participar do debate presidencial. O que a política impôs foi uma antecipação para que, se o PSDB me escolhesse candidato, não soasse como oportunismo. Mas fiz também porque governar é mais do que gerir números e obras.
É ajudar a liderar a sociedade na direção correta do ponto de vista cultural e comportamental. Respeitando posicionamentos, ideologias, crenças religiosas, mas ajudando a formar consciências especialmente no que penso que é o respeito, o afeto, a harmonia entre as pessoas. Não tenho nada a esconder. Mantive reserva porque fui criado nessa cultura que me fez tentar acreditar que era errado até que eu mesmo me aceitasse, entendesse como algo normal. Levei o meu próprio tempo e entendi que era importante falar publicamente. Fiquei feliz com tantos relatos que recebi de pessoas que se reconciliaram nas suas famílias pelo debate positivo que isso gerou.
Calendário de entrevistas
- Argenta - 29/8
- Edegar Pretto - 30/8
- Eduardo Leite - 31/8
- Luis Carlos Heinze - 1º/9
- Onyx Lorenzoni - 2/9
- Ricardo Jobim - 5/9
- Vicente Bogo - 6/9
- Vieira da Cunha - 7/9
- Demais candidatos - 8/9