
Professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, o demógrafo José Eustáquio Alves diz que as eleições municipais de 2020 serão definidas, em grande medida, por mulheres maduras — em especial, as balzaquianas, expressão popularizada a partir da obra A Mulher de Trinta Anos, do escritor francês Honoré de Balzac.
Para o pesquisador, que há décadas se debruça sobre os dados da Justiça Eleitoral, os partidos ainda não se deram conta da importância dessa parcela na disputa por votos.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Quando começou a virada no perfil do eleitorado, que está cada vez mais envelhecido?
Na demografia, chamamos isso de transição demográfica. O mundo inteiro passou por esse processo do século 19 para cá, em momentos distintos. No Brasil, a transição começou na década de 1970. A partir dali, a proporção de idosos foi aumentando na população e, desde os anos 2000, a fatia de crianças e jovens passou a diminuir. Isso, obviamente, se reflete no eleitorado. Por exemplo: o percentual de eleitores de 16 a 24 anos era maior do que o dos votantes de 60 anos ou mais no passado, mas isso foi mudando. As pessoas não percebiam muito, porque os jovens ainda eram maioria. Nos últimos 10 anos, foi ficando mais claro.
O eleitorado, além de mais velho, também está ficando mais feminino. Por quê?
Embora nasçam mais homens do que mulheres, elas vivem mais. No Brasil, a esperança de vida feminina é sete anos maior do que a masculina. Ou seja: quanto mais avançamos na idade, mais haverá mulheres. Vejo duas tendências claras: uma, é um processo de envelhecimento populacional muito grande e, dentro dele, a feminilização. Costumo dizer que as balzaquianas têm e terão cada vez mais mais peso no eleitorado. Muita gente pensa que os jovens decidem a eleição. Nada disso: quem decide a eleição é o eleitorado com mais de 30 anos e, em especial, as mulheres.
Como isso se dá em Estados como o Rio Grande do Sul?
O Rio Grande do Sul é o Estado mais envelhecido do Brasil. Essa tendência de envelhecimento e feminilização do eleitorado vale para o Brasil como um todo, mas ainda mais para os gaúchos. É algo que merece atenção.
Vejo duas tendências claras: uma, é um processo de envelhecimento populacional muito grande e, dentro dele, a feminilização
Há uma redução dos eleitores com 16 e 17 anos, cujo voto é facultativo. Eles de fato diminuíram na população ou o que caiu foi o interesse na política?
Primeiro, a quantidade de jovens de 16 e 17 anos já está diminuindo mesmo. Então essa redução no eleitorado ia acontecer inexoravelmente. Cada vez temos menos jovens de 16 e 17 anos. Agora, tem outro fenômeno que não pode ser ignorado: muitos deles não estão se inscrevendo e estão desiludidos com a política. Isso vale também para os idosos de mais de 70 anos. Aumenta a abstenção.
No caso dos idosos, embora sejam maioria, também poderá haver maior abstenção devido à pandemia, não?
Sim, é possível. Quem tem 70 anos ou mais pode pensar: por que vou arriscar? Provavelmente, vai aumentar a abstenção.
Como essa mudança de perfil pode influenciar nas campanhas? Não falta aos candidatos propor políticas voltadas aos idosos?
Não acho. Os idosos são maioria no Congresso. FHC já era idoso quando foi eleito. Lula era idoso na reeleição. Dilma e Bolsonaro também. Os idosos já dominam a política e há um lobby muito grande por parte deles. Quem é mais desprotegido no Brasil são as crianças, porque não votam e não têm poder de influência na política. Agora, é claro que, como a população está ficando mais idosa, o poder de decisão é cada vez maior e as campanhas municipais vão tocar nisso, é claro. Por outro lado, não vejo muito falarem nas mulheres balzaquianas. Muitos partidos desconhecem esse dado.