
Depois de 20 anos da primeira legislação, entra em fase final a discussão sobre a atualização da Lei das Águas de Caxias do Sul — que define as regras para o uso do solo nas áreas de captação. A proposta com as mudanças foi elaborada pelo Samae e entregue na última semana à Secretaria Municipal de Planejamento e ao Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (Conseplan). Depois de avaliação, o projeto é enviado à Câmara dos Vereadores.
Na prática, a proposta amplia as permissões nestas áreas, como para práticas esportivas e atividades econômicas. Contudo, como destaca o diretor-presidente da autarquia, João Uez, mantendo o foco de preservação ambiental, o que também garante a qualidade da água do município.
— Trabalhamos a modernização, mas ao mesmo tempo trabalhamos a preservação também não liberando tudo. Até porque não dá para liberar tudo, mas sim aquelas atividades que serão liberadas através do licenciamento. Nós temos que modernizar, que deixar essas comunidades crescerem e terem as mesmas opções de comércio de serviço e atividades que o resto da cidade tem. Ao mesmo tempo nós temos que preservar, para garantir uma água de qualidade para 500 mil habitantes — destaca Uez.
As Zonas das Águas abrangem as áreas das bacias Dal Bó, Maestra, Faxinal, Marrecas, Piaí, Sepultura e Mulada. Alguns dos bairros e distritos nas ZAs são Vila Seca, Fazenda Souza, Ana Rech, Serrano, Capivari, São Ciro, Século XX, Mariland e Fátima.
Principais mudanças na lei
Além da ampliação de atividades econômicas e esportivas nas áreas de Zona das Águas, Uez destaca que há a criação de um sistema para auxílio da população, o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Outra mudança que poderá ser vista na prática também será a altura permitida de edificações nas áreas urbanas, que passa de dois para até seis andares (imóveis com até 18 metros de altura).

A primeira versão da lei, de 2005, foi baseada especialmente no Código Florestal de 1965 e em um plano diretor de 1996 — a atualização mais recente é de 2019.
Liberação de atividades econômicas
De acordo com a proposta, nas áreas urbanas e sede dos distritos, a lei permitirá a abertura de negócios como consultórios médicos ou veterinários, padarias, borracharias, estéticas automotivas, elétricas, oficinas mecânicas e agrícolas, centros comerciais e hipermercados, complexos científicos e tecnológicos — empresas de tecnologia, alojamentos de cavalos, laboratórios industriais ou de testes, farmácias (sem manipulação), transportadoras de cargas (exceto produtos químicos), pontos de frete e mudança, aeroportos, lavanderias self service, revendas de veículos, empresas de móveis e soldagens.
Uez defende que a liberação observa o desenvolvimento econômico das regiões e o oferecimento de serviços primários que antes não podiam funcionar nesses bairros. O diretor-presidente do Samae lembra que a legislação de 2005 não permite, por exemplo, atividades simples como fabricação de pães ou tortas nas áreas urbanas das ZAs (pode existir a padaria, mas sem produção própria) ou o funcionamento de uma pet shop.
— A pessoa podia vender pão francês, podia vender torta, brigadeiro, branquinho, cajuzinho, mas não podia fabricar ali. Onde que ela fabricava? Na casa, no andar de cima? Na casa do lado? — questiona Uez.
As liberações, como destacou o diretor-presidente, necessitarão de licenciamento ambiental.
Oportunidade para atuar no bairro
A mudança na lei é vista de forma positiva por empresários que moram nas regiões das ZAs. Dirlei Correoa, 58 anos, é dono de serralheria e mora no Serrano desde 1988.
Sem a possibilidade de abrir a empresa no bairro, passou o negócio para Flores da Cunha. Se a legislação for aprovada, Correoa cogita levar a serralheria para perto de casa.
— Se conseguir regularizar isso, vai estar gerando emprego também. Hoje, por exemplo, nós estamos com a empresa lá em Flores e vamos quatro vezes por dia para lá. Fizemos umas contas e dá 880 quilômetros por mês só para ir trabalhar. O impacto de custo é bem grande — relatou o empresário.
Programa de Pagamento por Serviços Ambientais
Já nas áreas rurais serão permitidas agroindústrias de pequeno porte, ampliação de lavouras e queimadas. Além disso, construções, reformas e ampliações poderão ser feitas desde que fora das Áreas de Proteção Permanente (APPs).
Há ainda uma mudança em relação às APPs, em que açudes artificiais (exceto barramento) deixam de estar definidos nesta categoria e podem ser limpos, assim como bebedouros e valas.
Junto disso, moradores das áreas rurais poderão contar com o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), previsto no projeto.
A ideia, como descreve Uez, é que o Samae forneça serviços para as comunidades que moram nas áreas rurais das bacias, que são os locais com mais restrições. Agricultores apontaram os altos custos para realização de obras, uma vez que dependem de projetos para autorização.

— Aprovada a lei, o Samae vai se organizar internamente e vai contratar via licitação uma empresa que tenha profissionais como advogado, engenheiro, arquiteto, engenheiro ambiental, geólogo, biólogo. Porque, por exemplo, se o agricultor que mora lá na Criúva da Mulada, que é na zona das bacias, resolver ampliar a lavoura, o Samae autoriza. Só que tem que entrar com um projeto. Esse escritório estará à disposição — explica Uez.
Outra ideia futura para o PSA é a autarquia adquirir máquinas agrícolas para serem disponibilizadas a essa população. O orçamento desse sistema será 1% da arrecadação bruta anual do Samae.
O diretor-presidente não vê a situação como um benefício a esse morador, mas, sim, "uma devolução" para a população que cuida da água que abastece Caxias.
Um piloto do projeto está em andamento junto ao Sebrae, com 41 propriedades inscritas.
Práticas esportivas nas bacias
Vista como uma forma de trabalhar na conscientização ambiental e potencial turístico de Caxias, a proposta traz a possibilidade da prática esportiva nas bacias e represas.
Esportes e atividades náuticas (como canoagem, competição de vela ou provas de triatlon) poderão ser realizadas, desde que não utilizem motores a combustão. Ao mesmo tempo, a pesca esportiva poderá ser feita, a partir de autorização e fiscalização do Samae e da Secretaria Municipal do Esporte e Lazer.
O objetivo é que calendários oficiais para as atividades sejam criados. Como teste, uma atividade de pesca esportiva foi autorizada na barragem Marrecas. Uez contou que o resultado foi positivo, com os participantes cuidando da área:
— A pessoa vai lá e pesca de forma amadora, então deixa o caniço, o balde, deixa duas ou três garrafas de cerveja, ou uma latinha de refrigerante. Então o trabalho que fizeram de limpeza (no teste) foi muito maior.
Elaboração da lei
A proposta foi elaborada em 10 meses a partir de uma comissão de técnicos do Samae. Uez afirma que as comunidades que estão nas Zonas das Águas foram ouvidas e também houve reuniões com entidades, como o Mobi Caxias e o Sindicato Patronal das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon), além de sugestões de vereadores.
Antes da proposta ser encaminhada ao Conseplan e ao Executivo, houve mais um período para comunidade fazer apontamentos. Cerca de 10 sugestões foram recebidas pelo Samae.
A expectativa é que a análise pelo Executivo e Conseplan aconteça neste mês de novembro e o projeto seja encaminhado à Câmara na primeira semana de dezembro.


