
Mãe de três meninas, a enfermeira Danielle Ferreira Cardoso, 37 anos, ficou 10 dias internada na maternidade após perder suas filhas em abril de 2024. A primeira a morrer, após um parto emergencial, pesava 400 gramas e não teve o direito de ser sepultada como as outras duas irmãs que estiveram internadas por cinco horas na UTI.
— Passei os 10 dias seguintes ao parto ouvindo bebês chorando e vivenciando três lutos ao mesmo tempo. Era obrigada a fazer fisioterapia nos corredores e todos sabiam que eu era a mãe que tinha perdido as trigêmeas — lamenta Danielle.
Graças à Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, sancionada na última semana, mães com perda gestacional por óbito fetal ou óbito neonatal têm uma série de direitos agora garantidos por lei. Entre eles a acomodação em ala separada, acompanhamento psicológico às famílias, o direito de atribuir um nome ao filho e a possibilidade de sepultar ou cremar o natimorto.
As situações que Danielle vivenciou, e que considerou violências obstétricas, deverão ser evitadas com a nova lei:
— A lei sancionada obriga a retaguarda para as famílias após as perdas. Antes não tínhamos esse olhar. As famílias precisam de espaço para evoluir o luto, não é fácil acordar com recém-nascidos chorando enquanto teu berço ao lado está vazio. Eu, por ser da área da saúde, sabia onde buscar ajuda, mas a maioria dos pais e mães não têm forças, saem do hospital com o sentimento de que a vida acabou.
Após as perdas, a enfermeira de Atibaia (SP) encontrou conforto no grupo de apoio Aurora, uma iniciativa do Instituto de Psicologia Luspe, de Caxias do Sul, que reúne mães que perderam bebês durante o período gestacional ou nos primeiros meses de vida. Os encontros gratuitos ocorrem a cada 15 dias de forma online.
Entre as coordenadoras está a psicóloga Valderis Guarnieri, que presenciou situações parecidas com as de Danielle trabalhando em hospitais:
— Dependendo o quão pequeno é o feto ele passa a ser chamado de “produto da concepção” e a mãe não tem direito a nada. É uma situação traumática e que não tinha uma legislação. Esse cuidado precisa acontecer, as mães têm o direito de vê-los, entregamos para todas elas e isso é importante no processo. Só que se só oferecer, em um primeiro momento elas vão dizer que não, mas lá na frente vão sentir falta de ter visto seu filho.

O grupo de apoio do Luspe também é coordenado pela psicóloga Fabiana Corso, que passou a estudar o luto há 16 anos, quando perdeu um filho. Para ela, é importante que a atenção às famílias enlutadas possa iniciar logo após a perda, com o auxílio de profissionais, e que não dependa somente da iniciativa das mães:
— A lei garante uma psicoeducação para que os profissionais saibam o que fazer, em um momento de choque onde os pais não sabem. Ninguém está preparado para enterrar um filho, e ouvimos muitos relatos de como as coisas foram realizadas e que não foram corretas. A equipe hospitalar não tem tempo para uma mãe chorando, mas às vezes ela precisar ficar um tempo a mais com o bebê. Então, tem muita violência que pode acontecer nesse momento e que a lei pode proteger que elas não ocorram.
Acompanhamento

Nas quatro interrupções gestacionais da consultora de amamentação Luana Rosemann, 34, procedimentos, como curetagens, foram realizados sem que ela pudesse ter um acompanhante. Para ela, isso poderia ter mudado o enfrentamento do processo:
— O atendimento deveria ser diferente na internação, é um trauma muito grande ver bebês nascendo perto de ti e não poder ter um acompanhante. Mesmo sendo um procedimento de um dia, chegava pela manhã e saía à noite, sem ter nenhum acompanhamento de um familiar. Foi o maior trauma da minha vida sair da maternidade de colo vazio.
Um ano e meio depois da última perda, Luana deu à luz a Otavio, que hoje tem um ano e quatro meses. Entre outras garantias, a política nacional permite que pais e familiares acompanhem as mulheres na internação.
O que muda na prática:
A lei número 15.139 pretende estabelecer um padrão nacional de acolhimento para hospitais e maternidades. Além disso, institucionaliza o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
Em 14 artigos, estabelece como os municípios e hospitais devem agir quando a lei entrar em vigor (90 dias após sua publicação).
- Reservar alas para mães em luto
- Garantir apoio psicológico especializado
- Disponibilizar exames para investigar as causas das perdas
- Capacitar profissionais que trabalham em maternidades
- Garantir o direito a sepultamento ou cremação do feto ou do bebê nascido morto, sempre que possível, com participação dos familiares na elaboração do ritual
- Permitir que seja solicitada a declaração com nome do natimorto, data e local do parto e, se possível, registro da impressão digital e do pé
- Dar direito a um acompanhante no parto de natimorto e assistência social para trâmites legais
- Permitir a doação de leite da mãe, desde que avaliada pelo responsável pelo banco de leite humano ou posto de coleta
Procure ajuda
A Luspe Instituto de Psicologia, uma abreviação de Luta, Separação e Perda, foi criada em 2000 e conta atualmente com 35 profissionais com formação específica para intervenção em circunstâncias de luto e perdas.
Atualmente oferece seis grupos com encontros gratuitos semanais e quinzenais. São eles:
- Grupo de apoio a Perdas Múltiplas: encontros presenciais, quinzenalmente aos sábados das 9h às 11h, na Igreja dos Capuchinhos, em Caxias do Sul
- Grupo de apoio a cuidados paliativos: encontros online, quinzenalmente às quartas-feiras das 20h às 21h.
- Grupo de apoio a viúvos e viúvas: encontros online, quinzenalmente às sextas-feiras das 18h30min às 20h30min.
- Grupo de apoio a perdas gestacionais e neonatais: encontros online, quinzenalmente nas quartas-feiras das 19h10min às 20h40min
- Grupo de apoio a pais que perderam filhos: encontros online semanalmente às quintas-feiras das 19h às 21h
- Grupo de apoio para enlutados por suicídio: encontros online quinzenalmente às quartas-feiras das 20h às 22h