
Caxias do Sul completa 135 anos nesta sexta-feira (20). É tempo de celebrar a cidade que é berço, morada e sustento para 463.501 habitantes, conforme o Censo de 2022. Porém, parte essencial dessa história está além dos limites geográficos. Nos dez municípios que fazem divisa com Caxias, é possível encontrar trabalhadores, estudantes, pacientes, turistas e empreendedores cuja rotina está essencialmente ligada à cidade-polo da Serra.
Seja na busca por oportunidades, serviços, cultura ou mercado consumidor, milhares de pessoas se deslocam todos os dias rumo à cidade vizinha, mantêm laços estreitos com o município e desenvolvem a trajetória profissional (e até política) em Caxias. Como resultado, a conexão entre as cidades influencia trajetos individuais ao mesmo tempo em que impacta o crescimento da região.
Para mostrar como essa relação se reflete na prática, o Pioneiro ouviu personagens de cada uma das cidades limítrofes. São histórias que revelam a importância de Caxias do Sul no presente e projetam seu papel no futuro da Serra Gaúcha, mas também expressam como os 135 anos foram construídos.
Campestre da Serra
por Alana Fernandes

Bianca Carraro, 30 anos, não se recorda exatamente o título ou o gênero do filme. A certeza é que foi em Caxias do Sul que a moradora de Campestre da Serra teve o primeiro contato com uma tela de cinema, ainda na infância. A professora e pedagoga representa uma parcela importante de jovens de cidades vizinhas que veem no maior município da Serra uma referência quando o desejo é encontrar lazer e diversão.
Localizado entre São Marcos e Vacaria e distante cerca de 73 quilômetros de Caxias, o município de 3,2 mil habitantes mantém as festas de emancipação e em celebração à uva e ao pêssego como carro-forte da programação cultural.
— Campestre é um município menor, tem mais as festas de capela e poucos restaurantes, que nem sempre funcionam à noite. Quando queremos fazer alguma coisa diferente, conhecer um lugar novo, vamos para Caxias — comenta Bianca.
A estrada sinuosa e a viagem de cerca de uma hora e meia não são impeditivos para os passeios, que costumam ser realizados de duas a três vezes por mês com o namorado, familiares e amigos. Para Bianca, se Caxias pudesse ser resumida em uma palavra seria "diversificada".
— Porque as pessoas sempre encontram alguma coisa que gostam dentro da cidade. Tem para todos os gostos. Se você não gosta de algo mais agitado, como show ou festa, pode frequentar um parque, um museu histórico. Tem os shoppings para fazer compras e ir no cinema. A gente passeia, vê o movimento da cidade, é muito legal — enfatiza.
Canela
por Bruno Tomé

Semanalmente, desde 2018, a professora Roberta Faoro, 49 anos, transita entre os campi de Caxias e Canela da Universidade de Caxias do Sul (UCS). É um dos inúmeros casos que ligam os dois municípios da Serra por meio de uma história de cerca de quatro décadas com a criação do campus da Região das Hortênsias - regionalizado há mais de 30 anos. A própria educação, como relata a professora, se conecta ao turismo, principal setor econômico do município com quase 49 mil habitantes.
— Somos bem acolhidos lá, os funcionários são muito bacanas e toda a parte da direção. Os alunos têm um carinho muito especial por nós. Têm alunos de Canela, Gramado, São Francisco de Paula e também tem muitos alunos de fora, por ser uma cidade turística — menciona a doutora em administração e coordenadora dos cursos de Administração e Negócios e de Marketing na Região das Hortênsias.
Como conta Roberta, muitos dos professores que lecionam nos dez cursos de Canela realizam o mesmo trajeto, de carro ou pela van disponibilizada. O que é visto é que a comunidade de Canela "abraçou" a universidade fundada em Caxias e que hoje é regional.
— Caxias que impulsiona tudo. Ela impulsiona, quando falamos em Serra Gaúcha. Eu respeito e acho muito importante todas as regiões ao redor. Mas eu acredito que se não fosse Caxias, esse empreendedorismo que temos, essa força de vontade de lutar, de trabalhar, de empreender reflete em toda região — destaca a professora, há 22 anos na UCS.
Farroupilha
Por Luca Roth

Há quem pense que o ex-governador José Ivo Sartori, 77, é caxiense. Afinal, são inúmeros os vínculos do político com a cidade: integrou o movimento estudantil e formou-se em Filosofia na UCS, elegeu-se vereador, deputado estadual e federal e prefeito. No ano que vem, contudo, completam-se 60 anos da primeira vez em que pisou em Caxias. Sartori nasceu em Farroupilha em 25 de fevereiro de 1948.
— O vínculo territorial é bem aproximado, praticamente não tem limite. E (as duas cidades) têm características semelhantes em termos industriais, especialmente na área metalúrgica — analisa.
Aos 10 anos, Sartori presenciou o surgimento da RS-122, que hoje é a principal conexão dos municípios:
— Antes não era essa ligação que tem hoje, de Caxias, Farroupilha e Bento. Vi nascer a estrada ali, porque até meio-dia, a gente ia jogar bola nos cascalhos, festejando o começo da estrada.
Depois, em 1961, Sartori foi com a família para Antônio Prado. Aos 18 anos, em 1966, finalmente chegou a Caxias, onde foi acolhido, construiu a trajetória e mora até hoje, como milhares de pessoas que se mudam à cidade todos os anos.
— Dá alegria ver a cidade que me acolheu, que me ajudou a crescer, que me fez como eu sou, continuar crescendo, se desenvolvendo e dando oportunidade para mais gente. Chegar a 135 anos com capacidade econômica, industrial, comercial, agrícola e de formação educacional... Acho que isso se fez em pouco tempo. Tem cidades, estados e países milenares que ainda não chegaram ao desenvolvimento que se tem por aqui — garante Sartori, que, desde 2023, é Cidadão Caxiense, nomeado pela Câmara de Vereadores.
Flores da Cunha
Por Marcos Cardoso

Flores da Cunha tem laços históricos com Caxias que são costurados, principalmente, pela RS-122. Cerca de 20 quilômetros separam as duas cidades e, diariamente, milhares de pessoas fazem esse trajeto. Muitas delas são levadas por Ivanir Negrini, 63 anos, que desde 2005 trabalha com transporte coletivo no roteiro.
— Na época era mais tranquilo, tu andavas mais de boa. Teve épocas que ia para Caxias e voltava, e encontrava um carro ou dois, e isso não é tanto tempo, 22 ou 23 anos atrás. Dentro de Caxias do Sul também mudou bastante — relembra Negrini.
Para ele, Caxias é fundamental para as cidades vizinhas, principalmente pelo acesso à saúde e educação, por exemplo. Diariamente, são centenas de histórias que ele leva nos bancos do ônibus:
— Tu pegas Antônio Prado, Ipê, Nova Roma do Sul, Nova Pádua, Farroupilha, Garibaldi, é ali (em Caxias do Sul) onde o pessoal busca as coisas melhores. Em Flores da Cunha não tem universidade, aí tu tens que buscar saúde melhor, educação, segurança, eu acho que Caxias do Sul suporta bastante isso.
Para o futuro, espera que o maior município da Serra possa continuar sendo uma referência para as cidades ao redor, como o caso de Flores:
— Para mim é tranquilo (fazer a rota), mas hoje temos a necessidade de duplicar a RS-122 de Flores da Cunha a Caxias do Sul porque são muitos veículos, o fluxo é grande, e por isso que atrasa os horários. Tu sais fora (da pista) para largar um passageiro ou na hora que vai embarcar alguém, para voltar na pista é um caos, e é um veículo pesado.
Gramado
Por Pablo Ribeiro

Gramado está localizada a cerca de 70 quilômetros de Caxias do Sul. Mesmo morando atualmente na cidade da região das Hortênsias, onde foi diretor administrativo da Gramadotur, o aposentado Alfredo Galafassi guarda em Caxias do Sul as raízes de sua formação, de sua trajetória profissional e de sua família. Aos 82 anos, ele relembra com gratidão o impacto da cidade em sua vida.
Natural da Linha Palmeiro, no interior de Farroupilha, Galafassi chegou em Caxias ainda criança, aos 12 anos, trazido pelo pai, que desejava dar educação aos filhos. Estudou no Colégio do Carmo e se formou em Economia pela UCS. Ao longo da carreira, trabalhou em diversas empresas da cidade, começando como balconista até se tornar diretor financeiro.
Conheceu a esposa Eunice (já falecida) durante um curso de datilografia. Criou os três filhos na cidade e construiu uma vida marcada pelo esforço e pelas oportunidades. Em 1999, mudou-se para Gramado. Mesmo assim, mantém forte vínculo com Caxias:
— Além de Caxias ter me propiciado a oportunidade de estudar e constituir uma família, também me deu vários amigos que tenho até hoje. Então, para mim foi uma escola de vida — conta.
Na visão de Alfredo, Caxias do Sul é símbolo de oportunidade e desenvolvimento.
— Quem chega em Caxias com vontade, supera todas as adversidades, e Caxias cresceu porque todo mundo luta para ter uma vida melhor, assim como foi comigo — diz.
Para Gramado, Alfredo também reconhece o peso de Caxias.
— Quando eu vim para Gramado, eu era um dos poucos caxienses aqui. Agora, mudou. Muitas pessoas têm uma casa em Caxias, uma na praia e outra em Gramado.
Monte Alegre dos Campos
Por Pedro Zanrosso

Hoje, Micael Fonseca de Carvalho, 28 anos, mora com a família em um sítio de Monte Alegre dos Campos, mas nem sempre foi assim. Distante cerca de 150 quilômetros de Caxias, o município faz divisa pelo distrito de Criúva. Porém, a falta de uma ponte sobre o Rio das Antas obriga o desvio por Vacaria, Antônio Prado e Flores da Cunha.
A distância obriga quem procura trabalho em Caxias a se mudar de cidade. Foi o que Carvalho fez em 2019 para trabalhar como garçom, juntar dinheiro e abrir seu próprio negócio na terra natal.
— Morei quatro anos com minha tia, trabalhei como garçom em dois restaurantes e cheguei a ser chefe da equipe de um deles. Saía no sábado de madrugada para passar o domingo em casa. A rotina é completamente diferente, o movimento, o trânsito e a correria, mas me adaptei muito bem. Só saí mesmo para montar meu negócio, mas foi a melhor experiência que tive.
Em Monte Alegre, Carvalho trabalha na prefeitura e, com o dinheiro que juntou em Caxias, investe em uma pousada rural.
Em 1990, o metalúrgico hoje aposentado Adão Pinheiro de Jesus, 56, fez o mesmo movimento que Micael. Depois e por recomendação médica, voltou para a terra natal para descansar.
— Naquela época era assim, quando completava 18 anos o pai mandava a gente se virar e escolhi Caxias. Fiquei 31 anos, minha filha nasceu aí e ainda tenho relação com a cidade, comprei dois imóveis que hoje estão alugados. Não tinha em mente voltar, mas veio a covid, já tinha problema de saúde e o clima daqui é menos úmido, me sinto melhor.
Nova Petrópolis
Por Andrei Andrade

Moradora de Nova Petrópolis e escolhida para representar o município como rainha do Folclore Alemão em 2025 e 2026, Francieli Tais Herrmann, 20, é uma entre dezenas de nova-petropolitanos que diariamente fazem o percurso pela BR-116 para estudar em Caxias do Sul. Desde 2023, Francieli cursa Ciências Econômicas na UCS.
— Por já ter Caxias como uma referência de cidade grande próxima a Nova Petrópolis, foi uma escolha natural que deu certo quando passei no vestibular — conta.
Os nova-petropolitanos que cursam o ensino superior em Caxias ou no Vale do Sinos têm à disposição um ônibus custeado em parte pela prefeitura. Outra parte é paga pelos próprios estudantes em forma de mensalidade à Associação dos Universitários de Nova Petrópolis, entidade criada ainda nos anos 1990.
A viagem normalmente leva 1h. Apenas no período pós-enchente passou a levar 2h30min devido à necessidade de alteração no percurso, até a recuperação da ponte da BR-116, que passa sobre o Rio Caí. Francieli comenta, contudo, que o costume com o trajeto e também a amizade entre os estudantes faz que o tempo e a distância mal sejam percebidos:
— Como Nova Petrópolis é uma cidade menor, é normal que todo mundo já se conheça de algum grupo de dança ou da mesma escola, por isso as viagens costumam ser também um momento para conversar e colocar os assuntos em dia. Às vezes a gente conhece alguém que faz o mesmo curso, ou que cursa as mesmas disciplinas, e então aproveita para falar sobre as matérias. Ter essa interação torna essas horinhas que passamos no ônibus mais divertidas e produtivas.
São Francisco de Paula
Por Gabriela Bento Alves

Na localidade de Lajeado Grande, em São Francisco de Paula, distante cerca de 50 quilômetros de Caxias do Sul, a família Lucena Scheifler produz e cultiva a riqueza de sabores da Serra: o queijo serrano, doce de leite e "chimias" artesanais com frutas produzidas na propriedade da família, às margens da Rota do Sol.
Além de representar um mercado consumidor importante para a produção da agroindústria "Bolicho do Chapéu", Caxias está presente no DNA da família. Elisana Lucena nasceu em Caxias, assim como os dois filhos, Emanuel e Augusto.
— Eu era uma pessoa urbana, trabalhava em uma empresa e vim morar no campo com o meu marido. A gente mora num lugar longe, então acaba indo procurar hospital, por exemplo, em Caxias, que é mais perto do que São Francisco de Paula — conta.
Quando se mudou da cidade para o campo, sentiu que era onde pertencia:
— Foi ótimo. Eu gosto dessa vida mais tranquila, de produzir um alimento melhor. Nossos produtos são naturais, sem conservantes e com menos açúcar.
Apesar de sair de Caxias do Sul, a cidade nunca deixou de fazer parte da vida de Elisana, por meio do estudo dos filhos ou do mercado consumidor dos produtos feitos no Bolicho. Ela, inclusive, já participou de edições da Feira da Maesa e projeta voltar a participar quando o filho mais novo voltar de um intercâmbio no Canadá.
— A gente vende muito para o público de Caxias, o pessoal passa no caminho da praia, ou vem buscar. Foi o público de Caxias que salvou a nossa economia na época da pandemia, meus filhos faziam as encomendas por WhatsApp e iam entregar lá de porta em porta — relembra.
São Marcos
Por Tamires Piccoli

Caxias do Sul também é feita por aqueles que, diariamente, deixam suas casas e vêm ao município para trabalhar. O consolidado polo metalmecânico do município, historicamente, cativa profissionais das cidades vizinhas que buscam espaço para se desenvolver profissionalmente.
Entre as centenas de pessoas que começam o dia em trânsito até Caxias está Micael de Jesus, morador de São Marcos. O bate e volta entre as cidades, que totaliza cerca de 38 quilômetros, começou há 25 anos, quando ele foi admitido na Marcopolo. Desde então, a conexão entre as cidades se tornou parte essencial da rotina.
— Caxias sempre teve um mercado de trabalho mais amplo que São Marcos. Então, aos 19 anos, comecei a trabalhar na Marcopolo, sobretudo pela possibilidade de ter um salário maior. Com o tempo, passei a me perguntar o que queria no futuro. Não tinha faculdade e nem perspectiva de voltar a estudar. Foi aqui que tudo mudou — conta.
Impelido pelo trabalho, o são-marquense fez um curso técnico e ingressou no ensino superior, se tornando técnico em mecânica industrial e bacharel em administração. Hoje, é um dos supervisores no setor de montagem, uma conquista que atribui às oportunidades que Caxias do Sul lhe proporcionou.
Apesar do trânsito diário, dividir a rotina entre as cidades se tornou o melhor de dois mundos: em Caxias construiu uma carreira e em São Marcos mantém a vida tranquila, típica de cidades do interior.
— Além de mim, minha esposa também trabalha em Caxias. Então, nossa rotina de trabalho, nosso desenvolvimento profissional sempre foi aqui. Em meia hora chegamos em casa. Temos tudo o que precisamos nessas duas cidades, que juntas, nos proporcionam uma qualidade de vida muito boa.
Vale Real
Por Renata Oliveira

Com pouco mais de seis mil habitantes, Vale Real é uma dos municípios que busca Caxias quando o assunto é saúde. Em média, 35 moradores são trazidos para Caxias diariamente para consultas, exames ou tratamentos. O prefeito, Marcelo Bettega (PSDB), inclusive lembra de uma situação em que a cidade vizinha foi essencial:
— Uma criança estava com apendicite e, em outra cidade referência de Vale Real, não foi atendido porque os médicos não quiseram operar por ele ser muito novo. Então, ligamos para Caxias e conseguimos atendimento no Hospital Geral. A gente agradece muito pelo suporte — conta Bettega.
Outra moradora que é beneficiada pelos serviços públicos de saúde de Caxias é Nelci Massing, 76 anos. Há três anos, a aposentada viaja para tratar o câncer que, inicialmente, foi no intestino e agora faz quimioterapia devido a doença ter chegado ao fígado. Com sete filhos, um falecido, e nove netos, a família se organiza para acompanhar dona Nelci nas consultas pelo menos três vezes na semana.
— Eles sempre vão comigo. Sou muito bem cuidada tanto no hospital quanto aqui no postinho. Eles são muito queridos — garante Nelci.
Em meio à rotina intensa, Nelci busca na fé e nas plantas medicinais a força para manter-se ativa.
— Eu rezei muito para não precisar fazer uma cirurgia e deu certo, a médica me liberou para fazer somente o tratamento. Ainda tenho a minha chácara, tenho minha horta com meus chás e minhas verduras. Meus netos me visitam toda hora, logo nascem meus bisnetos, então tenho muito o que viver ainda — disse.