
Há seis meses, o Rio Grande do Sul despertava em meio a um desastre aéreo que deixou 11 mortos e 17 pessoas feridas em Gramado, na Serra. Uma aeronave modelo Piper Cheyenne saiu do Aeroporto de Canela às 9h25min e, minutos após decolar, caiu na Avenida das Hortênsias, no Centro de Gramado. Mais de 180 dias depois da tragédia, o caso segue em investigação pelas autoridades.
O avião tinha como destino Jundiaí (SP) e era pilotada pelo empresário Luiz Cláudio Galeazzi. Todos os ocupantes eram familiares dele e não sobreviveram. De acordo com a investigação, no meio do percurso, o avião bateu contra a chaminé de um prédio, perto da Avenida das Hortênsias. Na sequência, a aeronave acertou o segundo andar de uma residência e, então, caiu sobre uma loja de móveis.
Os destroços ainda alcançaram uma pousada, onde duas pessoas ficaram gravemente feridas com queimaduras. Uma delas, a camareira do estabelecimento, identificada como Lizabel de Moura Pereira, morreu três meses depois de ficar internada. Lizabel teve 43% do corpo queimado no acidente. A outra pessoa que também estava na pousada e precisou ser hospitalizada recebeu alta em fevereiro. Valdete Maristela Santos da Silva chegou ao hospital com queimaduras de 2º e 3º graus em 30% do corpo.
No cenário da queda, pouca coisa mudou. A área antes ocupada por uma loja de móveis segue fechada por tapumes. O prédio que abrigava a pousada está para locação. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o local foi desinterditado após os proprietários apresentarem laudos que atestam a segurança do local. Atualmente, o prédio passa por reformas estruturais e troca de telhado.

— Como a pousada era um prédio comercial, tinha alvará de PPCI. Como mexeu na estrutura do prédio, ele foi interditado por cerca de três meses. Depois, o engenheiro contratado pelo proprietário da pousada nos forneceu um laudo no qual declarou que não havia danificado a estrutura do prédio. Diante disso, desinterditamos — destaca o tenente Juliano Napp, comandante dos bombeiros de Gramado.
Quem circula pelas proximidades da Avenida das Hortênsias, uma das mais movimentadas da cidade, não esquece do ocorrido.
— A gente passa todo dia aqui em frente e lembra. Em alguns pontos ainda tem cheiro de querosene. Era um avião pequeno, mas deu um estrondo tremendo e um abalo na população — relata Leonardo dos Santos, que trabalha em um hotel nas proximidades.
Já Karina Novello é funcionária de uma loja ao lado da pousada em que o avião caiu. A secretária acredita que a cena ainda vai demorar para sair da cabeça de quem viu o desastre de perto:
— O próprio turista passa aqui e pergunta se foi onde caiu o avião. Então, fica aquela imagem. E vai ficar, não adianta.
Cenipa segue investigando
A investigação sobre os fatores que podem ter contribuído para a queda da aeronave é conduzida pelo Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Em janeiro, o órgão divulgou um relatório preliminar que apontou duas hipóteses para o desastre.
A primeira delas foi classificada como voo controlado contra o terreno (CFIT, na sigla em inglês), também conhecido como "Controlled Flight Into Terrain". A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) explica que o CFIT acontece quando uma aeronave, apesar de ter seus sistemas e equipamentos funcionando e estando sob o controle do piloto, colide com o solo, água ou algum obstáculo.
De acordo com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Força Aérea Brasileira, esse tipo de acidente pode ser causado por uma falha do piloto, sem conseguir perceber corretamente a posição da aeronave em relação ao solo ou obstáculos.
A segunda causa identificada foi a perda de controle em voo (LOC-I, na sigla em inglês), conhecido como "Loss of Control in-Flight", que se caracteriza por uma mudança extrema na trajetória da aeronave.
Em nota, o órgão informou que a investigando segue em andamento e não tem data para emitir um relatório final.
De acordo com o Cenipa, neste momento, a investigação encontra-se na "fase de análise de questões relacionadas à operação da aeronave, seus sistemas, componentes e aspectos de manutenção".
Também estão sendo examinadas questões ligadas ao desempenho técnico do ser humano e condições meteorológicas, com o objetivo de elucidar a sequência de eventos e os possíveis fatores que tenham contribuído para o acidente.
O Cenipa informa ainda que já foram extraídos sistemas e componentes relevantes para elucidar a sequência de eventos e possíveis fatores que contribuíram para o ocorrido.
Devido à complexidade desse acidente, a investigação conta com uma equipe multidisciplinar formada por investigadores e especialistas em fator operacional (pilotos e mecânicos), fatores humanos (médicos e psicólogos) e fator material (engenheiros mecânicos e aeronáuticos).
A Polícia Civil de Gramado informou que aguarda a conclusão da investigação do Cenipa para finalizar o inquérito policial. Os trabalhos são conduzidos pela delegada Fernanda Aranha. Ela não quis comentar o assunto.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério Público disse que espera pela conclusão do inquérito policial para que a investigação seja remetida à Justiça.
"Não há responsabilidade do aeroporto sobre o controle da aeronave", diz nota
Desde setembro do ano passado, o Aeroporto de Canela, onde o avião decolou, é administrado pela Infraero. De acordo com o órgão, foi concluída a instalação do Sistema Indicador de Percurso de Aproximação de Precisão - o chamado PAPI - em ambas as cabeceiras da pista. O equipamento deve entrar em operação após a homoloção pelos órgãos competentes.
A Infraero informou também que está em fase de contratação um serviço para implantação da Estação Meteorológica de Superfície (EMS) no Aeroporto de Canela. O equipamento faz observações meteorológicas para fins aeronáuticos e pode fazer registros dos dados das observações para fins climatológicos.
O órgão disse ainda, em nota, que "nenhum desses equipamentos teria evitado o acidente ocorrido em dezembro de 2024, uma vez que, conforme já apontado em relatório preliminar do Cenipa, a queda se deu logo após a decolagem — fase na qual não há atuação de sistemas terrestres de auxílio à navegação, nem responsabilidade do aeroporto sobre o controle da aeronave."
Ainda segundo a Infraero, "a ausência desses recursos não guarda relação direta com os fatores que contribuíram para este trágico acidente específico".
Quem era o empresário que pilotava o avião
Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi era CEO e sócio da Galeazzi & Associados, empresa referência em gestão de crise e reestruturação de negócios.
A empresa foi fundada pelo pai dele, Cláudio Galeazzi, que morreu de câncer em 2023. Luiz Cláudio viajava com a mulher, três filhas, a irmã, o cunhado a sogra e duas crianças.
Em 2010, ele perdeu a mãe, Maria Leonor Salgueiro Galeazzi, também num acidente aéreo. O avião bimotor em que ela estava caiu na região de Sorocaba, interior de São Paulo.
Segundo informações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o bimotor estava no registrado no nome de Luiz Cláudio.
Íntegra das notas:
Cenipa
"A Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), informa que a investigação do acidente aeronáutico envolvendo a aeronave de matrícula PR-NDN, ocorrido em 22 de dezembro de 2024, em Gramado (RS), permanece em andamento, sendo conduzida em estrita conformidade com os protocolos estabelecidos no Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional (1944), da qual o Brasil é signatário, bem como em conformidade com a Lei nº 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA), o Decreto nº 9.540/2018 (Decreto SIPAER) e a Norma de Sistema do Comando da Aeronáutica (NSCA) 3-13, que trata dos “Protocolos de Investigação de Ocorrências Aeronáuticas da Aviação Civil Conduzidas pelo Estado Brasileiro”.
Neste momento, a investigação encontra-se na fase de análise de questões relacionadas à operação da aeronave, seus sistemas, componentes e aspectos de manutenção. Também estão sendo examinadas questões ligadas ao desempenho técnico do ser humano e condições meteorológicas, com o objetivo de elucidar a sequência de eventos e os possíveis fatores que tenham contribuído para o acidente.
O CENIPA informa ainda que, durante a fase inicial da investigação do acidente com a aeronave de matrícula PR-NDN, já foram extraídos sistemas e componentes relevantes para elucidar a sequência de eventos e possíveis fatores que contribuíram para o ocorrido.
Devido à complexidade desse acidente, a investigação conta com uma equipe multidisciplinar formada por investigadores e especialistas em Fator Operacional (pilotos e mecânicos), Fatores Humanos (médicos e psicólogos) e Fator Material (engenheiros mecânicos e aeronáuticos)."
Infraero
"A Infraero mantém seu planejamento de investimentos para o Aeroporto de Canela que visa torná-lo cada vez mais seguro e operacional. A Infraero concluiu a instalação do PAPI (Sistema Indicador de Percurso de Aproximação de Precisão) em ambas as cabeceiras do aeroporto. O PAPI entrará em operação logo após a homologação do equipamento pelos órgãos competentes. Além disso, encontra-se em fase de contratação pela Infraero o serviço para implantação da Estação Meteorológica de Superfície (EMS) no Aeroporto de Canela.
É importante destacar, contudo, que nenhum desses equipamentos teria evitado o acidente ocorrido em dezembro de 2024, uma vez que, conforme já apontado em relatório preliminar do Cenipa, e conforme mencionado em sua demanda, a queda se deu logo após a decolagem — fase na qual não há atuação de sistemas terrestres de auxílio à navegação, nem responsabilidade do aeroporto sobre o controle da aeronave. Logo, a ausência desses recursos não guarda relação direta com os fatores que contribuíram para este trágico acidente específico."
Polícia Civil
De acordo com a delegada Fernanda Aranha, responsável pelo caso, é aguardado o laudo do Cenipa para conclusão do inquerito.
Ministério Público
Conforme a assessoria de imprensa do Ministério Público (MP), com base nas informações da Promotoria de Gramado, o órgão aguarda a conclusão do inquérito policial para que a investigação seja remetida ao MP.