
A forma de Jandira Luiza Radaelli Rissi, 87 anos, se comunicar em italiano é diferente dos demais imigrantes da Serra. A polenta que faz diariamente também, mas isso é assunto para depois.
Não é dialeto vêneto, proveniente da região onde saíram 97% dos imigrantes italianos instalados na Serra. Não é o trentino, falado no Trento e com influências alemãs, e muito menos o talian, idioma criado por eles no Sul do país.
À primeira escuta, ouvir Jandira falar pode até ser confundido com o francês, no entanto, o que é verbalizado por ela chama-se milanês, um dos tantos dialetos italianos falados no país que precisou, em 1861, unificar seu idioma assim como unificou seu território.

Apenas 14 anos antes do início da imigração italiana no Rio Grande do Sul, a Itália escolhia, como base do que viria a ser sua escrita e fala padrão, o dialeto fiorentino, popular no centro do país e utilizado nos livros do poeta Dante Alighieri.
Mas no Norte, próximo da fronteira com a França, em Milão, capital da Lombardia, e em Monza, de onde partiram os Radaellis, como Jandira, era o milanês que predominava.
O dialeto, que termina as palavras com consoantes tal qual o idioma francês, chegou ao Brasil com o avô de Jandira, em 1882, quando se instalou com a família no interior de Farroupilha.
A maneira de falar esteve presente nos 36 dias de viagem de navio entre a Europa e a América, na subida à Serra, a partir do Rio Caí, e no casarão que seus descendentes mantêm até hoje na Capela de Santos Anjos.
Passados 143 anos da chegada dos seus antepassados, o milanês é preservado na memória da caçula de uma família de nove filhos: ela lembra dos poemas, versos e expressões ensinadas pelo pai como forma de recordar o passado:
— Não conheci meu avô. Quando nasci, meu pai já tinha 50 anos, tínhamos uma diferença grande de idade e tudo que ele contava eu procurava gravar porque sabia que o tempo que tínhamos juntos era curto. Meus irmãos falavam pouco, casaram-se, saíram de casa antes, e eu fiquei. Falo até hoje sozinha porque me recorda o passado, memorizo as estrofes que minha vó falava. Tenho uma prima que mora em outra cidade e conversamos em milanês por telefone.

O interesse pela linguística, daquela que conta que até os sete anos não sabia dizer "água" em português, pode ter ajudado a construir sua profissão. Foram mais de 15 anos como professora de séries iniciais até trazer sua forma de falar para a zona urbana de Caxias:
— Tenho vivo na memória quando nos obrigaram (entre 1937 e 1945 por conta da II Guerra Mundial) a aprender o português. Meu pai chegou a ser preso por cantar em italiano na rua.
A boa memória de Jandira preserva também o dia exato, 25 de julho de 1969, quando chegou com o marido e as duas filhas ao endereço que ocupam até hoje como residência e negócio familiar, na Avenida Júlio de Castilhos, em São Pelegrino.

E mesmo sem nunca ter posto os pés na Itália, a professora aposentada oferece aos clientes, há 36 anos, em Caxias do Sul, um dos ambientes e menus mais genuinamente italianos da cidade.
No restaurante que leva o nome da região de onde saíram seus antepassados (e que por muito tempo foi conhecido por apenas aceitar dinheiro como pagamento), é a responsável por produzir, entre tantos itens, a polenta, que chega frita à mesa dos clientes.
— Milano é em homenagem aos meus antepassados que saíram de Milão. Recebi um cliente de lá uma vez que falava como eu, jamais esqueço a mesa em que ele sentou e pedi em milanês o que ele fazia aqui. Saiu emocionado porque disse que jamais tinha imaginado encontrar alguém falando dessa forma do outro lado do oceano — lembra.
Conheça expressões em milanês:
Amor de’ fradej, amor de’ curtèj
É a versão milanesa da expressão italiana “parenti serpenti”, que significa “amor de irmãos, amor de facas”.
Avè l’oeucc pussee grand del boeucc
O famoso "Ter o olho maior que a barriga", que em italiano padrão se diz: “Avere l’occhio più grande del buco".
Chi fa a sò moeud, scampa des ann de pu
Em italiano: "Chi fa quel che vuole, come vuole, vive dieci anni di più"
Em português: "Quem faz o que quer, como quer, vive 10 anos a mais".
Te set andaa a scoeula de giovedì
“Você foi para a escola na quinta-feira”, é uma expressão milanesa usada para chamar alguém de ignorante. A origem dessa expressão remete ao período fascista na Itália, quando não se ia à escola às quintas-feiras.
Em italiano: “Sei andato a scuola di giovedì”.
Brutt in fasa, bel in piaza
Brutto in fascia, bello in piazza, significa que uma criança que nasce feia, será bonita quando crescer.