
A ressignificação do esforço dos antepassados é transformada em orgulho e desejo de continuidade, em meio aos novos desafios. Para o enólogo João Valduga, a mistura entre o passado e o futuro ainda comove. Afirma saber que deixará um legado e quer que os filhos façam o mesmo:
— É um prazer, tendo sangue italiano, passar isso para os meus filhos. Não tem como segurar as lágrimas, porque quando tu lembras o passado, tu vês o sacrifício... O meu sacrifício já foi pesado. Mas imagina o sacrifício dos primeiros imigrantes, que precisavam dormir em cima nas árvores, que não tinha tração nenhuma, que era na base da enxada, da foice, né?
Valerio Caruso, italiano de Modena, endossa essa percepção. Segundo ele, a Serra gaúcha tem um carinho pela Itália que não tem comparação com nenhuma outra no resto do mundo, e isso seguirá abrindo muitas possibilidades para desenvolver cada vez mais o turismo, a gastronomia, entre outros setores, graças à grande habilidade dos serranos, em especial, de empreender e gerar negócios.
Caruso acredita que, cada vez mais, a Serra e o Estado receberão missões empresariais da Itália para atrair investimentos, as universidades irão trabalhar cada vez mais próximas, através de intercâmbios entre os dois países. Além disso, em função dessa sintonia as defesas civis irão trabalhar em parcerias para criar sistemas de prevenção que poderão ajudar em momentos de dificuldade, como o que o Rio Grande do Sul atravessou com a enchente.

— Enfim, são muitas dinâmicas que irão favorecer a aproximação cada vez maior de trabalho em diversas frentes —completa o cônsul.
O diferencial do progresso, para João Valduga, está nas pessoas e nas relações humanas.
— A nossa simplicidade, né? Nosso jeito, nosso sotaque, nossa comida, as nossas músicas... Isso dá uma emoção que não tem como você medir, né? Acho que herdamos isso, saber bem atender as pessoas com muito carinho, dos nossos pais — afirma.
— Esses (valores dos) antepassados seguem em eterna evolução. E hoje estamos com esse discernimento frente a todo esse trabalho que foi feito. E, como eu falei, só tem um propósito, né? Essa minha passagem aqui, nessa jornada, ela fica como um legado de poder fazer o meu melhor, me doar ao máximo, com valores como perdão, resiliência e gratidão. Essas as palavras de ordem para o dia a dia de todo mundo aqui — sentencia Eduardo.
É o passado ajudando a projetar o futuro. Ou, como explica Eduardo, a vontade de querer desenvolver a região é o que tende a garantir a prosperidade do Estado:
– Em diversos momentos, quando vivemos grandes crises ou grandes vitórias, as vitórias a gente comemora e agradece a tudo que acontece, mas nos momentos de grande crise, a gente não consegue explicar como é que a gente sai dela. Eu tive milhares de oportunidades para desenvolver esse potencial em outras regiões. Mas você vê que isso aqui é nossa raiz, são elas que estão segurando a gente... Por isso, não conseguimos abandonar, por causa da paixão e do compromisso por esse local.
No passado, as raízes de construção da identidade: a valorização dos ensinamentos ancestrais
– Vamos nos ver no paraíso.
Essa era a frase de despedida de muitos imigrantes que deixaram a pátria de origem em busca de melhores condições de vida no Brasil. O paraíso a que o enólogo João Valduga se refere é uma forma poética para aplacar a tristeza daqueles familiares que, separados por um oceano, talvez nunca mais voltassem a se encontrar:
– Na conotação, é como se encontrar lá em cima, o paraíso pós-morte, né? Porque não se sabia quanto era a distância, onde as pessoas se localizavam, não existia a possibilidade de retorno e nem passagem para voltar.
Cento e cinquenta anos depois esse legado de esperança ajuda a construir o futuro dessa noção de italianidade. Cônsul-geral da Itália no Rio Grande do Sul, Valerio Caruso projeta o estreitamento ainda maior de laços entre o Estado e o país europeu nos próximos anos, que irão gerar inúmeras oportunidades para ambos os lados.
Pelo lado brasileiro, o de receber cada vez mais investimentos e conhecimento. Pelo lado italiano, o de aprender a conhecer melhor a sua própria identidade enquanto povo, preservada mais aqui, pelos filhos da imigração, do que lá.
– O passado é fundamental, porque é o que define a nossa identidade cultural. Os cidadãos italianos do Rio Grande do Sul, muitas vezes, são mais italianos do que os próprios italianos, porque mantiveram, ao longo de um século e meio, traços identitários que na Itália estão se perdendo. Por isso, as pontes criadas entre o Rio Grande do Sul e a Itália são também uma oportunidade para a própria Itália se conhecer melhor – analisa Caruso.

Para o enólogo Eduardo Valduga, a manutenção dessa identidade tem a ver com a intenção que os imigrantes colocaram nas regiões em que aportaram. E foi esse sentimento que se propagou ao longo dos últimos 150 anos.
– É aquela energia que foi depositada nesse lugar, que vibra por várias gerações, com o propósito, né? Existe um propósito. Sabe qual é? Ele está relacionado com o desenvolvimento humano – defende.
Para o cônsul Caruso, uma das forças extraordinárias do Rio Grande do Sul é a comunitária.
– Participando de muitos eventos pelo interior eu percebo o quanto as comunidades se fortalecem pelo fato de gostarem de estarem juntas e de trabalhar em equipe. Isso, aliado à sua fé no progresso e na capacidade do trabalho em transformar a realidade, é o que torna a comunidade italiana verdadeiramente diferenciada. Acredito que o Rio Grande do Sul seria muito diferente se não fosse a imigração italiana que construiu do zero uma parte considerável do Estado, e essa força das comunidades, sem dúvida, é uma ferramenta extraordinária para construir os próximos 150 anos de história – avalia.