Recuperação é o termo que resume o ano de 2024 no setor agrícola da Serra gaúcha. Há seis meses o segmento trabalha na recomposição do solo, devastado pela chuva de maio, e na reconstrução das áreas atingidas por deslizamentos de terra.
O balanço feito pelo gerente regional da Emater de Caxias do Sul, Gilberto Bonatto, é de que sete municípios da região registraram danos expressivos nas áreas cultiváveis e perderam de forma parcial ou totalmente safras de hortaliças, frutas e cereais.
Em Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Cotiporã, Monte Belo do Sul, Santa Tereza, São Valentim do Sul e Veranópolis, o ano se encerra com ações de recuperação em andamento e esperança entre os agricultores de retomar os cultivos.
— Nas áreas onde a chuva levou toda a matéria orgânica, os produtores já começaram a recomposição. Mas possivelmente seja necessário de seis a 10 anos para o solo voltar àquilo que era antes. A situação é complicada, porque tem aqueles que colheram pouco e aqueles que não colheram nada. Esses últimos terão dificuldade em pagar os financiamentos feitos para cultivar o que se perdeu — avalia Bonatto.
O processo de retomada se tornou uma corrida contra o tempo para pequenos agricultores que têm o cultivo como a principal fonte de renda. É o caso de Luciano De Mari, 41 anos, produtor de uva. A propriedade da família, localizada na Linha De Mari, no interior de Bento Gonçalves, teve quatro dos 11 hectares de videiras soterrados por desmoronamentos.
Nestes seis meses, De Mari, o pai e o tio, que trabalham juntos, conseguiram reconstruir um hectare. A família precisou investir R$ 23 mil em contratação de maquinário para retirar o lodo e entulho levado pela chuva. As mudas de porta-enxerto, plantas bases para o cultivo das uvas, e o suporte técnico para planejar os novos vinhedos foram cedidos pela Cooperativa Vinícola Aurora, empresa a qual são associados.
— Agora vamos esperar até o ano que vem para fazer o enxerto com as mudas viníferas. Ainda tem os outros três hectares para reconstruir e toda a terra para recompor. A gente acredita que vamos gastar R$ 150 mil em horas-máquina para recuperar os quatro hectares. Enquanto isso, não tem produção nesses espaços — prevê.
Além dos De Mari, outras 84 famílias associadas à Aurora tiveram as propriedades atingidas por deslizamentos. A cooperativa estima que 3,5% do total de uvas recebidas, cerca de 2,5 milhões de quilos, tenham se perdido.
— No montante geral, não teve um impacto tão grande para a cooperativa. Conseguimos recuperar o montante perdido com maior volume de produção. Em último caso, podemos comprar de outros fornecedores. Mas, para as famílias que vivem disso, são perdas imensas. Nesse aspecto, o suporte da cooperativa, nas ações de reconstrução, tem sido intenso — explica o presidente da Cooperativa Vinícola Aurora, Renê Tonello.
Incentivo governamental para recomeçar
Atingidos por duas enchentes em oito meses, o municípios de Santa Tereza e São Valentim do Sul estão entre os beneficiados pelo Programa da Recuperação da Fertilidade do Solo.
A ação da Secretaria de Desenvolvimento Rural foi lançada em setembro do ano passado, justamente para ajudar pequenos produtores afetados pelos eventos climáticos a retomar a produtividade.
Ao todo, R$ 177 mil foram enviados para as prefeituras, que adquiriram insumos e destinaram para os agricultores. Entre os beneficiados estão cinco famílias de São Valentim do Sul e 20 famílias de agricultores em Santa Tereza.
O casal Noeli Baggio, 71, e Udila Baggio, 68, morador de Santa Tereza, está entre os atendidos pelo programa. As enchentes fizeram com que o cultivo de frutas e hortaliças fosse completamente destruído.
— Na primeira enchente, a água levou nossa casa. Na segunda, toda a plantação que tínhamos feito se foi. Não sobrou uma folha para fazer chá. Dos seis hectares que a gente tinha, sobraram três. Acho que em tudo deu uns R$ 10 mil de prejuízo. Então, essa ajuda do governo, com o adubo, chegou em boa hora — conta Baggio.
Na mesma cidade, o casal Stefano Remus, 74, e Marisa Remus, 68, perdeu três safras de milho por conta das enchentes. Além do milho ainda não colhido, sacas do produto pronto para ser vendido foram atingidas pela água.
— Foi uma desgraça ver todo o trabalho ser destruído, principalmente o milho que já estava ensacado. Perdemos R$ 1 milhão com as enchentes. Essa é a primeira vez que recebemos ajuda do governo. Faz poucos meses que o adubo chegou, então é uma coisa que não precisamos comprar. Usamos uma parte e ainda tem ali para espalhar e melhorar a qualidade do solo — explica Marisa.
Apoio do governo municipal
Em Veranópolis, a Secretaria Municipal de Agricultura adotou medidas extraordinárias para dar suporte aos agricultores afetados pelos deslizamentos de terra. Conforme o secretário Fernando Fracaro, as cargas de calcário, habitualmente entregues pela prefeitura, foram ampliadas. Cerca de 60 propriedades receberam o insumo.
A administração veranense adquiriu mais de 600 toneladas de composto orgânico e distribuiu para 50 famílias de agricultores afetadas pelos desmoronamentos de terra. Os insumos foram entregues no início de novembro.
Conforme o secretário, as propriedades beneficiadas foram mapeadas pela prefeitura em parceria com a Emater. O levantamento aponta que há variações nos níveis de danos no setor agrícola da cidade, com a maior perda na fruticultura.
— Algumas propriedades perderam de 50% a 60% das árvores frutíferas. Muitas safras foram levadas pelo excesso de umidade no solo. Mas a maioria dos produtores conseguimos ajudar. Essas cargas de adubo e calcário são importantes para o começo da recuperação do solo, que está totalmente empobrecido depois desta chuva intensa — explica.
Nesta semana, a Câmara de Vereadores de Caxias do Sul aprovou o Projeto de Lei n°10/2014 que regulamenta o Programa Municipal de Recuperação e Manutenção da Fertilidade dos Solos. O projeto, da Secretaria Municipal de Agricultura prevê subsídio ao serviço de mecanização agrícola e transporte de insumos, com equipamento próprio ou terceirizado.
Conforme o projeto, os produtores deverão seguir uma série de regras para participar do programa, como ter a inscrição estadual, movimentação mínima de venda de R$ 16,9 mil e possuir propriedade rural em Caxias do Sul.